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Elites ocidentalizantes em uma sociedade periférica

No documento O setor dos media no espaço lusófono (páginas 105-109)

De muitas formas significativas, as características do sistema político e mi- diático brasileiro podem ser remetidas a padrões estabelecidos desde o início da colonização portuguesa, no século xvi. Dito de modo simples, a identidade

nacional brasileira se desenvolveu através de uma relação essencialmente pe- riférica com o chamado mundo ocidental (Albuquerque, 2012). Tal como acon- tece com outras nações latino-americanas e com os Estados Unidos, o Brasil compartilha a linguagem e muitos traços culturais com seus antigos coloniza- dores (Anderson, 1983). Contudo, a natureza do processo de colonização foi diferente em cada caso. Os Estados Unidos oferecem um caso clássico de um processo de «colonização por pioneiros» – settler colonialism (Veracini, 2010). Nesta situação, os pioneiros agem como um colonialista interno e exercem a administração dos assuntos locais com um considerável grau de autonomia em relação à metrópole. Em contraste, o Brasil e a América espanhola fo- ram submetidos a um modelo de colonialismo de exploração, de acordo com o qual eles eram considerados como meras extensões de suas metrópoles, atuando principalmente como fornecedores de matérias-primas, agrícolas e minerais. Nestas circunstâncias o controle exercido sobre as colônias tinha que ser tão estreito quanto possível.

A dependência dos países latino-americanos com relação à Europa Oci- dental (e mais tarde os Estados Unidos) permaneceu forte mesmo depois da

sua independência formal. Naturalmente, isto não aconteceu do mesmo modo em toda parte. Diferentemente dos demais países latino-americanos, o Brasil manteve um sistema de governo monárquico por quase sete décadas após sua independência. Além disto, ao longo de todo o século xix o Brasil demons-

trou pouco interesse em tomar parte em iniciativas interamericanas (Santos, 2004), preferindo cultivar laços mais próximos com os países europeus e, em particular, com o Império Britânico, que em grande medida substituiu Portugal como modelo da civilização brasileira.

O fim da monarquia em 1899 não modificou a perceção do Brasil como uma sociedade periférica. Ao contrário, muitos dos líderes do novo regime republicano criticaram seus antecessores por deixar um legado de subdesen- volvimento econômico, político e cultural, e reivindicaram para si mesmos a tarefa de modernizar o país com base no exemplo dos países europeus (e da França, em particular). Convencidos de que as pessoas comuns não estavam preparadas para isto, eles promoveram um projeto elitista de modernização. Eles sonharam em fazer da capital, Rio de Janeiro, uma versão tropical de Pa- ris, favoreceram uma imigração massiva de imigrantes europeus, como parte de um projeto de «branqueamento» do Brasil e adotaram inúmeras medidas no sentido de restringir a participação política das pessoas comuns (Chalhoub, 1996; Sevcenko, 1983), dentre as quais a mais importante foi o banimento do direito de voto aos analfabetos, que foi abolido apenas pela Constituição de 1988 (Nicolau, 2012).

Tanto a orientação para a elite quanto a perceção da existência de um déficit com relação às sociedades ocidentais avançadas permanecem carac- terísticas importantes da política brasileira até os dias atuais. A participação eleitoral permaneceu muito pequena durante as primeiras cinco décadas do regime republicano. Com a única exceção das eleições de 1934, todas as demais contaram com a participação de menos de cinco por cento da popu- lação adulta. Entre 1937 e 1945 o Brasil experimentou um governo autoritário, denominado Estado Novo, sob a presidência de Getúlio Vargas. No período democrático que se sucedeu, entre 1945 e 1964, a participação eleitoral cres- ceu substancialmente, mas ainda em 1950 quase metade da população adul- ta não pôde votar em função de seu analfabetismo (Nicolau, 2012). Contudo, mesmo nesta forma limitada, a participação eleitoral da classe trabalhadora foi considerada como uma ameaça pelos setores conservadores da classe média e alta, para os quais ela representava «populismo», isto é, o triunfo

da corrupção e ignorância popular sobre a razão e a moralidade (Benevides, 1991; Dulci, 1986; Mccann, 2003). Esta atitude contribuiu para fazer deste um período altamente volátil. Em diversas ocasiões, estes setores apelaram aos militares para derrubar governos democraticamente eleitos. Em 1964, houve um golpe de estado orquestrado por políticos conservadores e oficiais das forças armadas, mas ao invés de eles transferirem o poder aos civis, estes últimos deram início a um regime militar que durou até 1985.

Algo semelhante se passou com a mídia brasileira. A imprensa brasileira se desenvolveu tardiamente em relação ao que aconteceu na Europa, nos Estados Unidos e mesmo outros países latino-americanos. O primeiro jornal brasileiro, Correio Braziliense, foi fundado apenas em 1808. O número de jor- nais aumentou consideravelmente em 1822, após a independência do Brasil. Na enorme maioria dos casos estes veículos eram panfletos e folhetos de vida curta, antes que jornais no sentido rigoroso do termo (Lustosa, 2000). Foi apenas na virada para o século xx que jornais relativamente consolida-

dos se estabeleceram no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, a taxa de circulação de jornais era bastante limitada, como resultado das baixas taxas de alfabetização e urbanização da sociedade. De fato, não obstante o país tenha evoluído significativamente a este respeito, a circulação dos jornais (45,3) vendidos por mil habitantes adultos é baixa, em comparação com as taxas de Portugal (82,7), Espanha (129,4), Estados Unidos (263,6) e Noruega (719,7). Os principais jornais brasileiros também são essencialmente voltados para a elite. Orgulhosamente, eles destacam que seus leitores per- tencem principalmente às classes alta e média-alta, argumentando que eles são «formadores de opinião», a opinião pública na sua melhor forma (Arbex, 2001; Azevedo, 2006) ou, como o Conselho Consultivo do jornal Folha de

S. Paulo pôs isso, em um documento publicado em 1981, «o centro de gravi-

dade da nova sociedade civil» (Mota & Capelato, 1981).

Em linhas gerais, os jornalistas brasileiros têm avaliado a sua prática profis- sional em referência a modelos normativos estrangeiros, e muito comumente eles percebem a existência de um déficit em relação a eles (Lins da Silva, 1991). No início do século xx, a Belle Époque francesa exerceu uma atração irresistível

sobre os intelectuais brasileiros. Eles esperavam tomar parte de uma «Repú- blica das Letras», mas lamentavam o fato de que não havia no país leitores em número o suficiente para fazer deste um projeto viável (Sevcenko, 1983). Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos substituíram a França

como modelo de civilização para o Brasil. Nesta época, alguns jornalistas percebiam o modelo de jornalismo literário de inspiração francesa como sendo ultrapassado e inadequado para servir de base às exigências do jornalismo moderno (Jobim, 1954), e reclamaram para si mesmos a tarefa de modernizar o jornalismo brasileiro de cima para baixo, através de um processo de moder- nização autoritária.

Ocorrida em 1950, a reforma do jornal Diário Carioca oferece um exem- plo pioneiro a este respeito. Convencidos de que os jornalistas em atividade tinham sido corrompidos além da salvação pelas antigas práticas jornalísticas, os editores do Diário Carioca acreditavam que seria preciso começar do zero, com a convocação e treinamento de jornalistas inexperientes, «zero quilôme- tro». Além disso, eles transformaram o copy desk – originalmente um setor subsidiário, pouco importante dos jornais, responsável pela revisão técnica dos textos – na instituição central do jornalismo moderno, responsável por manter a disciplina e coesão ideológica das salas de redação, cuja atuação limitava consideravelmente a autonomia profissional dos repórteres (Albuquer- que & Gagliardi, 2011; Sousa, 1990). Este modelo de modernização «de cima para baixo» se tornou padrão no Brasil, bem como a definição do jornalismo como uma «profissão autoritária» (Abramo, 1993). A perceção da existência de uma distância considerável entre o Brasil e as sociedades ocidentais avan- çadas alimenta uma situação paradoxal, em que os jornalistas brasileiros afir- mam o seu compromisso com valores liberais e, ao mesmo tempo, sustentam que para realizar este objetivo é necessário recorrer a métodos autoritários.

Diferentemente do que aconteceu com a imprensa a televisão se transfor- mou no país em um genuíno meio de comunicação de massa e a mais impor- tante fonte de informação do país (Azevedo, 2006). Contudo, o processo de popularização da televisão exigiu algum tempo. Em 1960, uma década depois da sua introdução no país, o número de aparelhos existentes era de apenas 700 mil, em uma população de 70 milhões (um aparelho para cada cem habi- tantes, portanto). Uma década depois, o número de aparelhos subiu para cin- co milhões, em uma população de 90 milhões (cerca de cinco aparelhos por cem habitantes) e, em 1980, havia aproximadamente 20 milhões de aparelhos para uma população de 120 milhões (cerca de 17 para cada cem habitantes). De modo semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos, no Brasil, tanto o rádio quanto a televisão foram, desde o início explorados por empresas pri- vadas, de acordo com uma lógica comercial, antes que pública.

Inicialmente, a programação da televisão brasileira era fortemente orientada para a elite – incluía programas como teleteatro, por exemplo – e foi saudada por alguns intelectuais como um campo promissor para experiências artísti- cas (embora outros a condenassem como uma «máquina de fazer doido»). Porém, na medida em que a televisão se tornou mais popular, ela passou a ser acusada de maneira mais intensa, como de promover o sensacionalismo, a corrupção moral e a indigência intelectual no país (Freire Filho, 2004). A des- peito disto, ao longo das décadas de 1960 e 1970 a televisão continuou a prover um campo fértil para os intelectuais brasileiros – muitos deles membros do Partido Comunista Brasileiro – que a percebiam como oportunidade de «fa- lar para as massas» (Frederico, 2007; Sacramento, 2013). A sua participação teve um papel fundamental no desenvolvimento de uma linguagem própria pela televisão brasileira que, em particular, se traduziu no desenvolvimento de telenovelas de estilo realista, que se provaram muito efetivas em conquistar os corações e mentes da audiência, tanto no país quanto no exterior (Mattelart & Mattelart, 1990).

No próximo item vamos expor a importância desse veículo na construção do sistema de mídia e a sua influência desde a criação das primeiras redes de TV até a atual configuração dos veículos massivos, centralizados na radio- difusão. Hoje a televisão está presente em 97% das residências e os rádios em 91% das casas (Ministério das Comunicações, 2013). No Brasil os jornais ocupam um lugar secundário, como aponta a Associação Nacional dos Jor- nais (ANJ), na qual foram registrados 727 títulos diários, em 2013. Ao todo, a entidade contabilizou 4835 jornais publicados no território (incluindo jornais semanais e mensais).

O sistema midiático brasileiro: tendências centrípetas

No documento O setor dos media no espaço lusófono (páginas 105-109)