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Contexto e encapsulamento anafórico na construção de sentidos

3. O CONTEXTO E A INTERFACE SOCIOCOGNITIVA ENTRE IDEOLOGIA E

3.3 Contexto e encapsulamento anafórico na construção de sentidos

Ao associarmos os modelos de contexto ao encapsulamento anafórico, estamos apresentando a relevância que o contexto sociocognitivo detém no processo de referenciação e inferenciação. À vista disso, os modelos de contexto podem ancorar informações para as retomadas anafóricas inferenciais, assim como, podem garantir a construção da coerência e do sentido dos elementos textuais discursivos.

Para Van Dijk (2012), os modelos de contexto conseguem explicar as informações que não estão explícitas, recontextualizando-as e combinando-as com outros modelos de contexto. Assim, o contexto na concepção sociocognitiva configura-se como uma rede de relação intersubjetiva o qual é ampliado, alterado e ajustado às situações sociais e vai se adequando sucessivamente a novos contextos para nos ajudar na compreensão e na produção de sentidos.

O modelo de contexto também é baseado nas experiências cotidianas que são acionadas na memória episódica durante a interação entre os interlocutores, visto que as informações que não estão explícitas no discurso precisam de uma integração a fatos não- linguísticos, por meio de processos de inferenciação. Dessa forma, a função dos modelos de contexto, conforme Van Dijk (2012), permite e condiciona a compreensão e a produção dos discursos. Sendo assim, a compreensão do discurso envolve inúmeros fatores controlados pelos modelos de contexto e baseados em processos inferenciais de conhecimentos.

Conforme, Van Dijk (1997, p. 119),

[...] a informação (conhecimentos ou opiniões) que se encontra organizada em modelos contextuais influencia a forma como os modelos de acontecimentos e de ações serão formulados no discurso real. Os modelos de contexto definem também o ponto de vista e a perspectiva – bem como as opiniões que lhes estão associadas – a partir dos quais os acontecimentos de um modelo serão descritos a nível discursivo, explicando, desta forma, as implicações fundamentalmente ideológicas da posição social.

Nesse sentido, o modelo de contexto exerce um controle abrangente sobre o processo de produção e compreensão do discurso, o qual opera na produção de um texto (falado ou escrito) e nas práticas sociais discursivas mediadas pela cognição e pela linguagem. Por conseguinte, o modelo de contexto é visto como um conjunto de elementos que integra um esquema organizado, que engloba lugar e momento da enunciação; interlocutores e seus

papéis comunicativos, sociais, etc. Logo, o encapsulamento anafórico é um processo de referenciação que se relaciona, em um processo interativo, entre os modelos de contexto e os elementos do texto para a construção de sentidos.

Essa interação une os conhecimentos armazenados na memória (construídos pessoalmente e socialmente) à materialidade linguística, pela escolha do nome-núcleo do sintagma nominal. Uma vez que o nome-núcleo do sintagma nominal estabelece uma relação de sentido, muitas vezes avaliativas, entre as informações da porção textual, entre os conhecimentos de mundo, crenças e os modelos de contextos. Assim, o encapsulamento anafórico construirá objetos de discurso por meio do nome-núcleo do sintagma nominal, gerando sentidos discursivos ao texto e aos acontecimentos socialmente compartilhados.

Conforme Van Dijk (2012), a escolha do item lexical mostra a identidade social, as relações enquanto participantes, as emoções, os valores, as opiniões e atitudes, os conhecimentos e os tipos de situações (in)formais ou institucionais. Por isso, a escolha do sintagma nominal para encapsular as porções anteriormente descritas no texto serve para organizar, enquadrar, (re)categorizar os sentidos do discurso. Desse modo, concordamos com a ideia de que a escolha de um item lexical “é atribuir à opinião certas intervenções que são inferências de um contexto não dito” (MARCUSCHI, 2007a, p. 159). Nessa perspectiva, a escolha do nome-núcleo do sintagma nominal é influenciada pelo modelo de contexto, e ao mesmo tempo, tal nome-núcleo pode acionar frames com julgamentos valorativos, contra ou a favor, sobre um determinado acontecimento socialmente situado.

Segundo Van Dijk (2012, p. 32) “o contexto influencia de algum modo uma palavra, um trecho, um sentido, um acontecimento, ou torna possível para eles certa interpretação”. Assim, compreendemos que a maneira como o discurso jornalístico encapsula e (re)categoriza as informações precedentes do texto constroem e reconstroem objetos de discurso os quais são condizentes com os modelos de contexto do jornal. Sob essa concepção Van Dijk (2012, p. 249) postula que

a perspectiva ou ponto de vista é um dos modos clássicos de acordo com os quais os acontecimentos podem ser descritos, relativamente à localização dos falantes ou receptores, e desse modo controlados por variáveis contextuais. Assim, nos relatos da mídia sobre uma ação policial contra uma manifestação, pode-se sinalizar a posição do jornalista como a de quem está „do lado da‟ polícia ou „do lado dos‟ manifestantes, o que dá origem a descrições da polícia em termos de „indo‟ até os manifestantes ou „vindo até eles‟.

Nessa perspectiva, a composição do nome-núcleo do sintagma nominal no encapsulamento anafórico está de acordo com a visão de mundo e com as concepções ideológicas que o jornal procede a um acontecimento, uma vez que ele categoriza e recategoriza os dizeres em maior ou menor grau de manipulação e julgamentos valorativos. Marcuschi (2007a, p.168) assevera que “as estratégias jornalísticas para relatar opiniões não são mera questão de estilo, pois as palavras são instrumentos de ação e não apenas de comunicação”. Em face dessa perspectiva, os discursos contidos na mídia se materializam em escolhas linguísticas que enquadram situações linguísticas socialmente situadas e, ao mesmo tempo, funcionam como poderosas estratégias de manutenção ou manipulação de argumentos, gerando pontos de vista diversos na interpretação do leitor.

Segundo Van Dijk (2012; 2012a), a produção do discurso na redação de um jornal já tem à sua disposição um modelo provisório de contexto do qual constam a exclusão ou informações alternativas na descrição dos acontecimentos. Isso quer dizer que o discurso jornalístico estrutura o texto de maneira que os acontecimentos socialmente situados são reproduzidos e julgados com uma carga valorativa que estabiliza preconceitos e estereótipos. Nessa concepção, Cordeiro (2011, p. 77) afirma que “o jornalista, ao descrever e/ou narrar os fatos, nomeia, qualifica e designa-os com as palavras que mais convêm aos seus propósitos e aos da linha editorial da empresa em que trabalha”. Logo, ao realizar a construção de objetos de discursos e de estabilizar sentidos diversos no texto, por meio dos modelos de contexto e da seleção do nome-núcleo do sintagma nominal, por exemplo, o discurso jornalístico refrata os acontecimentos socialmente situados com atribuições valorativas as quais são condizentes com a respectiva perspectiva ideológica do jornal, mesmo de maneira sutil e indireta.

Assim, podemos dizer que o encapsulamento anafórico é um processo referencial que, por meio da seleção do item lexical utilizado para compor o sintagma nominal, relaciona, em uma interação constitutiva, os referentes discursivos ao longo da enunciação e os modelos de contexto. Portanto, os modelos de contexto influenciam na escolha da composição do sintagma nominal que, por sua vez, vão exercer um papel norteador para a construção da significação, indicando uma possibilidade interpretativa da parte encapsulada, bem como, podem conduzir o leitor a ver os acontecimentos sociais de um determinado ângulo que expressa e favorece um julgamento valorativo institucional no domínio jornalístico.

No próximo capítulo, apresentaremos as nossas análises, mostrando o modo como o jornal Folha de S. Paulo encapsulou as informações sobre o evento e sobre os atores sociais nas Manifestações no Brasil de 2013.

4. DISCURSO JORNALÍSTICO: ANALISANDO O ENCAPSULAMENTO