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Capítulo II: Soft Power Do que se Fala Quando se Fala do Poder Norueguês

II. 1 1 Contexto de Emergência

Remontam ao início do século XX os eventos espoletadores do que se viria a tornar as bases dos estudos para a paz e da resolução de conflitos da actualidade. Como refere Kriesberg (2007), acontecimentos como a I Guerra Mundial, a Grande Depressão de 1929, a ascensão de regimes fascistas na Europa e a devastação provocada pela II Guerra Mundial vieram, por um lado, fomentar a descrença quanto à possibilidade de criação de uma paz duradoura. Por outro, e segundo o mesmo autor, terão sido estes os eventos precursores do desenvolvimento de esforços que viriam a redundar na criação de novas perspectivas e de novas áreas de acção que são hoje conhecidas no campo da resolução de conflitos. A título de exemplo do legado de métodos e de questões de partida deixado aos académicos da resolução de conflitos, Kriesberg (2007) indica estudos elaborados, na década de 30, sobre as causas não- racionais subjacentes ao surgimento de conflitos intensos, sobre formas de os gerir e de evitar a espiral destrutiva e análises de processos grupais e sócio-psicológicos em conflitos de natureza étnica, industrial ou mesmo familiar.

Enquadra-se, assim, o contexto de emergência dos estudos para a paz no período compreendido entre o final da II Guerra Mundial e o final da década de 60 viria a testemunhar um novo ímpeto no desenvolvimento do campo da resolução de conflitos (Kriesberg, 2007), constituindo o que é hoje conhecido como a primeira vaga de estudos para a paz (Stephenson, 2010). Com efeito, a investigação levada a cabo no

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Como diz Cravo (2005), à data, a Noruega doava cerca de 1% do seu produto interno bruto em ajuda externa destinada, nomeadamente, ao desenvolvimento de programas de apoio à construção da paz, sendo que, de acordo com declarações do ministro conselheiro Espen Gullikstad, proferidas a 29 de Novembro de 2012, em sede de reunião do Fundo de Construção da Paz das Nações Unidas, o contributo da Noruega ascendeu, em 2012, só para este fundo, ao montante de 5 milhões de dólares. A este propósito, refira-se o trabalho desenvolvido por diversas organizações não-governamentais

âmbito de disciplinas académicas relevantes neste domínio, a par do início da divulgação de publicações como o Journal of Conflict Resolution, em 1957, pela Universidade do Michigan43, e da fundação, em 1959, do Peace Research Institute Oslo (PRIO), viriam a revelar-se uma das partes fundamentais ao estabelecimento de uma base sólida sobre a qual viria a assentar o rápido desenvolvimento do campo da resolução de conflitos (Kriesberg, 2007). Paralelamente, factos históricos como as lutas nacionais pela libertação de colónias de países europeus em África e na Ásia ou as lutas pelos Direitos Humanos nos Estados Unidos, modeladores do contexto social e internacional à data, viriam a condicionar a sua análise e o foco desta, agora centrado em questões como a justiça, a autonomia ou a equidade, em detrimento da reconstrução da economia e do crescimento, que dominavam as preocupações dos Estados até então (Kriesberg, 2007).

Outros factores contribuíram, ainda, para o desenvolvimento do campo da resolução de conflitos. Por um lado, factores de índole académica, que incluem o estudo da aplicação da análise matricial da Teoria dos Jogos a conflitos internacionais, o crescente interesse na influência de elementos subjectivos e não-racionais no processo de tomada de decisão em política externa, acicatado pelo espectro da ameaça nuclear em plena Guerra Fria, a análise de acções não-violentas e o contributo da investigação para a paz, que sublinha as idiossincrasias culturais e sociais na geração e desenvolvimento de conflitos. A tais variáveis, somam-se factores de natureza mais prática, como a crescente relevância da diplomacia não-oficial em matéria de relações internacionais, para o que relevaram, por exemplo, uma série de encontros informais de físicos nucleares para analisar a possibilidade de uso de armas nucleares por parte dos Estados Unidos da América, da Grã-Bretanha e da União Soviética, e simultaneamente comprometidos em encontrar formas de reduzir a probabilidade de concretização de tal cenário (Kriesberg, 2007).

A par do debate suscitado em torno da violência estrutural na década de 60, a definição do conceito de paz positiva, por oposição ao de paz negativa, por Johan Galtung, em 1969, surge como um dos factos marcantes do percurso de alguns

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Onde também foi estabelecido, em 1959, o Center for Research on Conflict Resolution, segundo Kriesberg (2007, p. 27), citando Harty and Modell (1991).

cientistas políticos neste período (Alger, 2007), e talvez senão mesmo como um dos pontos vitais no subsequente desenvolvimento dos estudos para a paz.

Novos desenvolvimentos viriam a registar-se num segundo momento, entre 1970 e 1985, assinalado pela expansão dos estudos para a paz para programas de educação para a paz em todo o mundo, o que, sobretudo na Europa, ocorre em simultâneo com um foco colocado na investigação (Kriesberg, 2007; Stephenson, 2010). A teorização sobre movimentos sociais e a realização de workshops visando o desenvolvimento de competências tendentes à resolução de conflitos terão fornecido um contributo importante nesta fase (Kriesberg, 2007).

Kriesberg (2007) constata, ainda, a existência de um terceiro momento, que se estende de 1986 até ao presente e que é dominado pela diferenciação e pela institucionalização dos estudos para a paz, apontando o fim da Guerra Fria como elemento transformador do sistema internacional e, simultaneamente, modificador dos conflitos intra-estatais. Com efeito, e segundo o mesmo autor, o fim da era bipolar passa a evidenciar conflitos cuja tónica incide, por exemplo, na etnia ou na religião e já não tanto na ideologia. Tal, em articulação com a crescente integração económica e com os avanços tecnológicos decorrentes da intensificação dos processos de globalização, traduz-se num aumento da probabilidade de uma intervenção externa e na mobilização transnacional de pessoas associadas a organizações não- governamentais (ONGs), designadamente através do recurso a meios cibernéticos, efectiva a transformação dos conflitos.

O que refere Kriesberg (2007) parece ir ao encontro do desvio tectónico nas relações internacionais do século XXI preconizado por Haass (2008) face à bipolaridade do passado, o qual deriva da actual dispersão do poder por numerosos actores, nem todos Estados-Nação, que se constituem como inúmeros centros de poder e que o exercem de forma própria – uma nova ordem mundial, uma nova era que Haass (2008) designou como sendo a da não-polaridade. Nesta medida, e ainda segundo Haass (2008), na actualidade, os Estados-Nação perderam o seu monopólio de poder, inclusive nalguns sectores em que, tradicionalmente, eram dominantes, sendo agora desafiados por outros intervenientes, entretanto emergidos em resultado da própria globalização, i.e., da evolução dos fluxos e das redes de actividade, de interacção e de

poder inter-regionais e transcontinentais gerados a partir das transformações da organização espacial de transacções e de relações sociais operadas ao longo dos anos.