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Capítulo II: Soft Power Do que se Fala Quando se Fala do Poder Norueguês

II. 1 3 Virtudes e Vicissitudes

Transdisciplinar, a abordagem dos estudos para a paz encerra virtudes e vicissitudes e surge impregnada de uma essência holística na qual se conjugam, não só, parâmetros objectivos, mas também subjectivos. Com efeito, ao partir em busca das causas mais profundas dos conflitos e ao integrar inúmeras variáveis, de natureza diversa, na procura de um plano visando a sua resolução, esta abordagem holística e dinâmica contempla o imperativo da reestruturação social, interna ou internacionalmente (Pureza, 2000), surgindo quase como promessa de um mundo harmonioso, porquanto não proscreve nenhuma das partes envolvidas, já que considera a multiplicidade de dimensões que as compõem. Galtung devolve, assim, a humanidade aos contendores, integrando as dimensões física, mental, comportamental, emocional e espiritual na discussão da resolução dos conflitos, apaziguadoras de polarizações resultantes de sentimentos de frustração e de vingança e que, muito frequentemente, redundam no agravamento do conflito ou na geração de outros (Galtung, 2007).

Por outro lado, a afirmação de Webel (2007) que refere a paz como uma condição de fundo para a percepção de tudo o resto, como se de um fenómeno físico que afecta todos os seres conscientes e sensíveis se tratasse e cuja intangibilidade torna a sua presença ou ausência melhor aferida ao ser considerada num contínuo ou espectro, traduz, de forma muito clara, um dos pontos que se destaca, a um só tempo, como a maior virtude e a maior vicissitude dos estudos para a paz – a subjectividade. Este ponto, aliado à amplitude de variáveis que o conceito abarca, como Galtung viria, em 1996, a definir como correspondendo à fórmula “Paz = paz directa + paz estrutural + paz cultural” (Pureza, 2000), tem-se constituído como factor que lhe tem permitido granjear tantos elogios como críticas, as últimas sobretudo por parte de propostas teóricas para a resolução de conflitos cuja abordagem assenta em aspectos mais objectivos.

Ainda neste sentido, e apesar de a intenção de Galtung ao definir paz positiva ter sido a de encontrar uma definição de paz mais clara e plena, o estabelecimento do potencial humano como seu fulcro conceptual e directriz para uma organização da sociedade poderá desvirtuá-la, chegando mesmo a ser apontada como possível raíz de conflitos e de violência (Bousquet, 2010). De facto, encontramos nas palavras de Alger (2007) um argumento também passível de suportar aquela tese, uma vez que, segundo este autor, o conceito de paz se torna variável ao depender do que se considera ser um impedimento à realização desse potencial humano, o que, por sua vez, depende de factores subjectivos na sua origem, porquanto associados a contextos sócio-culturais, na interdependência de uma miríade de outras variáveis, também elas subjectivas e idiossincráticas, histórica, societal e individualmente.

Importa, contudo, ressalvar que a auto-crítica dos estudos para a paz alerta para o benefício do eventual uso de alguma violência como estímulo do reforço de mecanismos de prevenção da própria violência e da reparação dos danos, à semelhança da acção que antigénios inoculados no organismo através de vacinas têm na prevenção das doenças que nele provocam. A este propósito, poder-se-ia retomar uma ideia de Ghandi, citado por Webel (2007), na qual defende que, sob determinadas circunstâncias, é preferível agir violentamente em nome de uma causa justa do que não agir de todo, usando a capa da não-violência para encobrir a impotência, já que a esperança de se tornar não-violento existe para um homem violento, mas não para um homem impotente.

II.2. DA NORUEGA NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A Noruega surge como exemplo acabado da afirmação de Ghandi relativa à esperança de um actor violento se tornar não-violento aplicado à escala internacional, na medida em que, como indica Webel (2007), à semelhança de outros países escandinavos, anteriormente tendentes à guerra e ao conflito, a Noruega acabou por se tornar um país fomentador da paz quando viu colmatadas as suas necessidades de recursos e de segurança - real e percepcionada - e os seus exércitos permanentes dramaticamente reduzidos ou retirados.

A ausência de recursos associados ao exercício de hard power, como o são os recursos militares significativos, são indicados por Behringer, citado por Foster (2011, p. 24), como um dos motivos que levam a que Estados de reduzida dimensão se envolvam em relações internacionais que exigem o desenvolvimento de esforços em equipa. Esta ideia vai, de resto, ao encontro das palavras de Haass (2008) que apontam o multilateralismo como factor-chave num mundo não-polar e o sucesso do multilateralismo como dependente do seu relançamento através da inclusão de outros actores que não apenas as grandes potências, já que, nesta nova ordem, poder e influência se encontram cada vez menos ligados.

Ora, tal como anteriormente referido, o fim da era bipolar veio abrir caminho a uma nova configuração do sistema internacional, que, de acordo com Zartman et al., citado por Foster (2011, p. 24), se traduziu na remoção de uma motivação geo- estratégica substancial para o interesse das grandes potências na promoção da paz. Segundo o mesmo autor (Foster, 2011), este novo enquadramento, articulado com as políticas internas e os valores noruegueses, que assumem as preocupações humanitárias como linha orientadora para a acção da sua diplomacia, criaram as condições necessárias a que a Noruega se tornasse, como afirma Cravo (2005), especialista em processos de transformação pacífica de conflitos, sobretudo desde o início da década de 90. Tal, aliado à percepção de neutralidade pela maior parte dos actores internacionais, permitiram à Noruega ganhar credibilidade como facilitador nos processos em apreço, o que veio acentuar, em crescendo, a sua proeminência enquanto promotor da paz no plano internacional. Tanto assim é que a Noruega tornou esta especialidade numa das prioridades da sua política externa (Cravo, 2005), tendo apostado na prática de uma “diplomacia de nicho” (Behringer, citado por Foster, 2011, p. 24), factor que reforça o soft power deste país, anfitrião do prémio Nobel da Paz, ao constituir-se como uma via para a projecção da sua imagem enquanto exemplo e, logo, da sua influência a nível internacional.