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2 3 O contexto moral-emocional e cognitivo-comportamental da cidade de João Pessoa no tempo da Chacina do Rangel

O presente capítulo esboça um quadro histórico do processo de organização das sociabilidades urbanas na cidade de João Pessoa nos primeiros anos do século XXI, em especial no intervalo entre os anos de 2005 e de 2016. Deste modo, pretende situar a narrativa pública e dramática da Chacina do Rangel em sua dimensão societal e histórica mais imediata sobre a administração pública e privada do cotidiano de tensões e disputas morais na cidade.

Enquanto o capítulo 1 da Tese contextualizou a evolução urbana da cidade de João Pessoa da perspectiva da produção de sucessivos empreendimentos morais e cruzadas simbólicas pautadas no discurso do progresso e da civilização, ao longo do século XX; este capítulo contextualiza e problematiza, por sua vez, esta tradição político-social de produção do urbano a partir de projetos de modernização conservadora nesse primeiro momento do século XXI. Momento em que, mais uma vez, a pobreza urbana foi capturada por empreendedores morais da cidade oficial, mas agora sob o argumento enfático de contenção da violência difusa e da criminalidade organizada.

A pobreza urbana, nesse arco temporal, sofreu uma surpreendente transformação simbólica: de elemento exótico e pitoresco nas franjas do urbano passou a elemento violento e perigoso distribuído praticamente por toda a cidade pretensamente modernizante. As

equivocações entre a cidade oficial e o bairro popular, - lugar estigmatizado como de pobreza, sujeira e violência, - são repostas, nesse diapasão, com base em um repertório simbólico renovado de desculpas e acusações de cada um desses atores e agentes sociais coletivos reciprocamente direcionados.

O olhar em perspectiva da história social, aqui trabalhado, enfatiza o cotidiano dos costumes e das sensibilidades do homem comum urbano em um contexto de mudanças e transformações aceleradas das figurações sociais e dos palcos interacionais em que atualmente se insere. Nesse sentido, a primeira parte do capítulo, intitulada Violência urbana banal e

cruel e empreendedorismo moral, explora o novo regime de sensibilidades da cultura emotiva da cidade, pautado no medo do outro e no esvaziamento do público, seja em razão da explosão demográfica que consolidou uma convivialidade de medos e estranhamentos onde até pouco tempo todos de certa forma se conheciam e se reconheciam como moradores da cidade; seja em decorrência de novas violências e novos formatos de usar e se deslocar no urbano mais fragmentado culturalmente e mais fraturado socialmente.

Com efeito, a presente discussão se aproveita do já discorrido sobre o projeto de modernização conservadora da cidade, em vigor desde os primeiros anos do século XX, - tal como apresentado no capítulo 1 desta Tese, - porém também faz uso de um balanço estatístico de notícias mais atuais de jornal, impresso e virtual, sobre questões relevantes para a compreensão do urbano e do urbanismo pessoense no despontar do novo século, tais como as novas qualidades e dimensões da criminalidade e da violência urbana, as novas estratégias de segurança pública e privada e os novos paradigmas da administração pública.

Este terceiro capítulo objetivou retratar aproximadamente, assim, o contexto moral- emocional e cognitivo-comportamental da cidade de João Pessoa quando ocorreu o ato de violência banal e cruel do crime de chacina entre iguais, moral e emocionalmente apropriado pelos empreendedores morais da cidade oficial, - a mídia local, a Igreja Católica e a Administração Pública, - como evento crítico a partir da denominação deveras estigmatizante, para os moradores do bairro do Varjão/Rangel, de Chacina do Rangel. Para tanto, a presente discussão exercitou metodologicamente o olhar retrospectivo sobre a produção da imagem e do discurso público de cidade elaborado pela mídia local, em sentido amplo, para a platéia mais geral e comum de consumidores das fofocas e dos rumores corriqueiramente vocalizados, escandalizados e descartados, na cidade, sob a rubrica de notícia.

A ação pública e política da mídia local, - entendida como performance de empreendimento moral e de cruzada simbólica, - é, nesse sentido, percebida na concretude da sua normal elaboração de pautas e agendas de conteúdo comunicacional, redundando em agregados discursivos de imposições de condutas públicas, haja vista que opera na manipulação de reputações e de fachadas morais. Muito embora o termo mídia local implique uma miríade actancial complexa e diversa, pode-se compreendê-la como um ator e agente social coletivo a partir de uma média ponderada ou de um recorte da sua produção e do seu impacto comunicacional sobre o público estudado, como, no caso, em tela, os moradores da cidade de João Pessoa e do bairro do Varjão/Rangel.

Este exercício metodológico objetivou, portanto, enquadrar a inserção social da mídia local, - enquanto empreendedor moral destacado nos processo de definição da situação pública e de escandalização do homem comum urbano e de outros empreendedores morais da

cidade oficial, - na produção de problemas sociais significativos e de problemas públicos (GUSFIELD, 1986) em formato mercadoria (CARVALHO, 2013) para o grande público da cidade, na medida em que buscava perceber a produção sistemática de padrões comunicacionais de notícias a partir de argumentos básicos de formatação dramatúrgica do

real. Com base nesse levantamento de padrões comunicacionais fez-se possível, então, construir uma abordagem compreensiva do contexto moral e emocional que antecedeu e que sucedeu, no âmbito das sociabilidades urbanas da cidade, o escândalo público da Chacina do Rangel enquanto narrativa moralizante de acusação da violência difusa, banal e cruel, como situação-limite de ruptura da normalidade normativa e da ordem cosmológica local.

Nas linhas e entrelinhas dos jornais impressos de longe mais consumidos Correio da Paraíba, A União, O Norte, assim como de jornais mais tradicionais em formato virtual, como o G1 PB, o PBAgora e o WSCOM, e também de blogs de notícias amadores ou semi- profissionais mais badalados, como o Blog do Clilson Júnior e o Blog Diário do Sertão, foi possível perceber a dinâmica societária de mobilização de redes de contatos em torno de fofocas, rumores e intrigas moralizantes de cunho político, eleitoreiro, administrativo, religioso, policialesco e econômico-financeiro envolvendo os personagens públicos destacados da cidade oficial. Bem como a dinâmica societária de produção da violência em torno dos dissabores, desentendimentos e enfrentamentos no âmbito do banal cotidiano movimentado por apostas de jogo, frustrações com o futebol, perdas e desencontros amorosos, dádivas não retribuídas entre vizinhos e mágoas acumuladas entre famílias. Nesses dois recortes temáticos, tangenciado o lugar do bairro popular e irritando a fachada pública da cidade oficial, a Chacina do Rangel foi construída como narrativa pública e dramática de carreira moral sui generis.

Entendido como um surto descivilizador (ELIAS, 1997), este evento crítico assumiu, - em razão do esforço da mídia local, da Igreja Católica e da Administração Pública, - conotações de ameaça latente aos códigos de moralidade da cidade de João Pessoa. O crime de chacina, assim, foi interpretado como ponto culminante, isto é, como confirmação de uma escalada contextual de violência e de criminalidade em uma cultura emotiva de medo do outro e de esvaziamento do público, de modo que foi sentido como um grave alerta para a necessidade pública de uma ofensiva civilizadora sobre a pobreza urbana e demais grupos sociais tidos como problemáticos para a normalidade normativa no urbano cotidiano.

Violência urbana banal e cruel e empreendedorismo moral

A transformação moral e cognitiva do crime banal e cruel de chacina entre iguais em narrativa pública e moralizante de Chacina do Rangel ocorre quando provoca nos empreendedores morais da cidade de João Pessoa, - principalmente a mídia local, - o sentimento de urgência em capturar este contexto de violência urbana em ofensiva

civilizatória sobre a pobreza urbana. Nesse contexto de violência sentida como irracional e como surto descivilizador (ELIAS, 1997; SOUZA, 2013), a Chacina do Rangel foi organizada como uma narrativa de ameaça real e imediata à normalidade normativa da cidade, atingida por contágio, e do bairro em que esta foi praticada.

A noção clássica de empreendedores morais, desenvolvida por Becker (2008), entende que a norma ou a regra social constituiu o produto ou o resultado de uma iniciativa social arriscada e custosa, que envolve atores e agentes sociais que criam e impõe suas definições de situação e comportamentos que as sustentem. A criação e a imposição de regras, segundo Becker, implicam em processos tensos e ambíguos de desculpa e acusação de si e do outro relacional e revelam o conflito social cotidiano pelo normativamente legítimo, legal e costumeiro70.

Em relação à classificação moral da violência banal e cruel entre iguais, - como foi tratada a Chacina do Rangel, - ocorrida como um surto descivilizador e como uma séria ameaça civilizacional, as palavras de um jornalista local no contexto imediato ao crime são as seguintes:

A forma banal com que se desenrolou esse episódio bisonho de nossa crônica policial deixa evidente uma verdade universal: a barbárie está logo a nossa porta, não importando os aparentes avanços que a sociedade imagina ter conquistado. (PBAGORA, 2009).

O jornalista alerta enfaticamente para a exemplaridade da Chacina do Rangel, classificada como forma banal, episódio bisonho e barbárie. Esse surto banal e cruel de violência, lido como barbárie passível de materializar-se a qualquer momento, a depender da circunstância, é definido como possibilidade onipresente de intensificação das vulnerabilidades interacionais até o limite das rupturas morais e quebras de confiança entre atores e agentes sociais em jogo. A noção de barbárie, com isso, é transposta para todos os contextos da cidade, caracterizando as sociabilidades urbanas, principalmente os bairros periféricos como o Varjão/Rangel, como contextos possíveis de violência gratuita e cruel.

As narrativas morais que conjuntamente formam o argumento complexo da Chacina

do Rangel, desta forma, caracterizam-se pela sua eficácia simbólica enquanto marcadores de uma temporalidade nova que se quer impor à cultura emotiva do bairro. Ao associar o enigma da violência banal e cruel ao sentimento de pertença de um bairro que se quer civilizado e de

70Ver esta discussão sobre legitimidade, legalidade e costume, que abarca também a discussão sobre a violência,

em suas formas físicas e simbólicas, em autores como Simmel (1970; 2006; 2011; 2013), Cardoso de Oliveira (2008; 2011) e Riches (1986).

pessoas de bem, - o bairro do Rangel, - estas narrativas morais impactaram no sentido do envergonhamento da fachada coletiva dos moradores (GOFFMAN, 2010), pondo em risco todo um esforço, ao longo de décadas, de dissociar a reputação do bairro como espaço de violência e degradação moral.

Esta tese objetiva compreender, como já se vem discutindo ao longo dos capítulos, como uma situação de violência banal e cruel foi oportunamente utilizada para a definição da pobreza urbana enquanto ameaça civilizacional ou como processo de reafirmação de ordens morais a partir da nominação e acusação de um episódio classificado e escandalizado como de desordem e transgressão moral. Trata-se de um esforço em entender a relação tensa de construção de moralidades e de imposição de condutas entre moradores do bairro do Varjão/Rangel e da cidade de João Pessoa.

As categorias de análise banalidade e crueldade71 são utilizadas na pesquisa como

conceitos técnicos, desenvolvidos a partir de reflexões teórico-metodológicas, mas também como referências às noções êmicas e aos sentimentos íntimos dos atores e agentes sociais de alguma forma envolvidos no contexto moral e emocional da Chacina do Rangel. Em um amplo levantamento de notícias de jornais da cidade de João Pessoa, realizada para a pesquisa, cobrindo os anos de 2005 a 2016, as categorias banalidade e crueldade aparecem de forma enfática e extensa em um conjunto de 354 notícias levantadas. Nesse conjunto, verificou-se uma quantidade considerável de notícias de cenas de crueldade gratuita e banais, mas que, contudo, não provocaram empreendimentos morais de controle social e de exemplaridade; pelo contrário, foram imediatamente esquecidas e silenciadas.

A noção de banal e de banalidade, em relação à violência cruel cotidianamente produzida e vivenciada na cidade de João Pessoa, aponta, antes de tudo, para a trivialidade e insignificância deste fato social tido como sem relevância política imediata e como um lugar- comum inerente ao conflito social no urbano contemporâneo. Conflito este resultante da dinâmica perversa própria das sociabilidades urbanas de grande escala em geral.

A banalidade da violência, - expressa na experiência da ruptura traumática de laços sociais e na destruição impotente de corpos, expectativas, memórias e projetos individuais e coletivos, - configura-se, desta forma, como característica do que é comum e corriqueiro para o citadino que se observa e se sente, por exemplo, como vítima de assaltos e arrastões nos ônibus coletivos; como prisioneiro em sua casa cercada por muros altos e cercas elétricas; 71No capítulo seguinte estas categorias serão mais precisamente debatidas a partir de narrativas midiáticas de

como presa fácil da ação do crime organizado e de suas cruéis estratégias de dominação de bairros populares; como apenas mais um corpo baqueado no trânsito congestionado da cidade; como mais um cidadão humilhado pela abordagem desrespeitosa e violenta dos órgãos públicos de segurança e etc.

O conjunto de notícias abaixo retrata, de forma diacrônica, as variadas cenas de violência, vergonha, humilhação e medo que surpreendem o homem comum urbano na volta à casa de ônibus coletivo ou na parada de ônibus, no interior das agências bancárias, no trânsito, nas relações entre bairros, nas ruas e em outras situações cotidianas. No imaginário da cidade, portanto, todos os lugares foram paulatinamente tomados pela expressão da violência banal e cruel e pela cultura do medo.

Grupos organizados de criminosos atuam com armas pesadas, táticas militares, logística de guerra e inteligência profissional no assalto a bancos na Paraíba. (CORREIO DA PARAÍBA, domingo, 23 de janeiro de 2005, B1)

Uma mulher, de 24 anos, desceu do ônibus acompanhada por um amigo que mora no Conjunto Vale das Palmeiras (Bairro do Cristo Redentor, que faz fronteira com o bairro do Varjão/Rangel). Quando passavam em frente ao parque de exposições, foram abordados por um homem armado. O desconhecido os obrigou a seguir até um local esmo. Mandou que a moça tirasse a roupa e a obrigou a fazer sexo anal com ele na frente do amigo. Depois que consumou o ato, o homem foi embora e o rapaz levou a moça, que sangrava muito, à delegacia. Tomado o depoimento o delegado a encaminhou para um hospital, onde foi medicada. (O NORTE, quarta- feira, 26 de janeiro de 2005.)

Em menos de 4 horas, cinco ônibus em João Pessoa foram alvos de assaltos. Um dos assaltos foi cometido por uma mulher armada com faca. (CORREIO DA PARAÍBA, sábado, 10 de outubro de 2009, Capa).

O "clima" no trânsito é de guerra, com um alto índice de acidentes com mortos e feridos. A Paraíba hoje conta com mais de 532 mil carros nas ruas. "Conforme a PRF, no ano passado (2008), o Estado registrou 8.693 acidentes com 3.375 vítimas entre mortos e feridos". (CORREIO DA PARAÍBA, domingo, 04 de janeiro de 2009).

Dois jovens foram mortos na guerra de gangues que disputam ponto de droga no bairro de São José, na Capital. Os crimes aconteceram na Rua Fábio Silveira, conhecida como "Beco da Morte". ...Disputa entre gangues rivais por pontos de droga no bairro de São José matou duas pessoa. Adriane Ferreira de Oliveira, 18, foi morta com 3 tiros. Uma hora depois, um rapaz de 20 anos foi morto, com 2 tiros na cabeça. Outras 3 pessoas do bairro estariam marcadas para morrer. (CORREIO DA PARAÍBA, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009).

Em Manaíra, bairro vizinho ao São José, os moradores estão com medo da violência. Várias residências e prédios possuem forte aparato de segurança. Tal proteção está fazendo que os bandidos optem por assaltos, praticados na chegada ou saída de suas residências, ou nas paradas de ônibus. Carros arrombados também são comuns. (CORREIO DA PARAÍBA, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009).

Homem de identidade ignorada teve a sua cabeça esmagada por uma pedra de aproximadamente 20 Kg. Os moradores da Rua da Alegria (Bairro do Novais) estão aterrorizados com a violência no local, onde brigas e crimes ocorrem todos os dias. (O NORTE, quinta-feira, 30 de julho de 2009, p.10.)

A noção de banalidade compreende, ainda, além da noção de violência banal e cruel, em geral, e da violência doméstica e entre iguais, em particular, a fragilidade moral e emocional da construção cotidiana dos laços de confiança e de pertença de uma sociabilidade dada; bem como a sempre latente dissolução destes mesmos laços em face da trivialidade e até mesmo insignificância dos desentendimentos e das manipulações inerentes às vulnerabilidades interacionais próprias do contato entre atores e agentes sociais se deslocando em situações socialmente complexas e de ampla desorganização normativa. Goffman (2012, p. 534-600) entende por vulnerabilidades interacionais as vulnerabilidades da experiência enquadrada, o que significa a possibilidade sempre presente de enganos e manipulações, desentendimentos e mal-entendidos, assimetrias informacionais, expectativas frustradas e quebra de confiança no jogo comunicacional. Desta forma, Goffman chama a atenção para o caráter processual, imprevisível e criativo da ordem interacional, que oscila entre consensos e dissensos circunstancialmente negociados, tensos e conflituais, mas nunca de todo segurados, assegurados e transparentes.

A noção de banalidade aqui trabalhada aponta também para a possibilidade de uma interação cotidiana ser utilizada oportunamente como argumento moral para espetacularização e escandalização com propósitos específicos de intervenção em situações e contextos, como, por exemplo, no caso de ofensivas civilizadoras e empreendimentos morais. Nesse sentido, um complexo relacional engolfado, que desborda para a violência cruel, pode ser oportunamente apropriado por empreendedores morais que definem uma situação dada como tragédia, barbárie, violência desumana e etc., assim como exigem publicamente uma cruzada moral em busca de um controle social efetivo sobre o fenômeno causador do desconforto, como, por exemplo, no caso da Chacina do Rangel, a pobreza urbana exemplarmente definida como perigosa.

O banal ou a banalidade, nesse sentido, aponta para um enquadramento moral e emocional, por parte da mídia local enquanto narrador legitimado (PARK, 2017a) do cotidiano da cidade oficial, de um conjunto de cenários ou de situações em que as vulnerabilidades e as fragilidades dos vínculos humanos são apresentadas como acontecimentos trágicos e impactantes, mas, na grande maioria dos casos, como tão somente mais um dado trivial e insignificante a constar na complexidade e na polissemia que caracterizam as disputas morais e os conflitos sociais no urbano contemporâneo. Verifica-se, nesse sentido, um padrão recorrente de notícias de impacto imediato, mas formatadas como relatos breves e superficiais dos horrores e das tragédias produzidas pelo homem comum em

interação com os seus pares ou na posição de vítima do poder estatal ou de agrupamentos urbanos tidos como criminosos e perigosos.

Essas notícias, ainda que tenham uma forte conotação apelativa no sentido de provocar indignação, raiva e sofrimento social, não geram um interesse maior por parte dos empreendedores morais da cidade oficial, de modo que os sentimentos que suscitam parecem emergir e submergir nos espaços privados de convivência, enquanto fofoca diária sobre o caos moral e a desorganização normativa que povoam o imaginário do homem comum sobre a cidade. Os casos corriqueiros de violência doméstica reportados pela mídia local, com efeito, impactam fortemente na cultura emotiva da sociabilidade urbana de João Pessoa e do Estado da Paraíba, como atestam os movimentos sociais e também as conversas informais e silêncios articulados pela e na cidade.

A banalidade motivacional e a crueldade de execução da violência são sempre elementos destacados nessas notícias diárias em que casais se desfazem, amizades são rompidas e famílias destruídas. Contudo, estas cenas de vulnerabilidades e fragilidades interacionais que espiralam para situações limites de quebra de confiança e de vínculos sociais não logram, por si, superar a classificação moral da violência doméstica cotidiana como problema privado.

As notícias abaixo, nesse sentido, apresentam cenários de violência banal e cruel que não foram processadas pelos empreendedores morais da cidade oficial enquanto problema público72, político e moral (GUSFIELD, 2014) capaz de provocar e mobilizar as redes de interdependências em que se situam. A primeira retrata uma cena de violência tipicamente doméstica, enquanto que a segunda se passa no âmbito pessoalizado da vizinhança; ambas tratadas no âmbito do privado, apesar de seus potenciais de se tornarem públicas, isto é, de publicização moral e política.

Discussão entre casal acaba em violência. A mulher, 33 anos, grávida de dois meses, foi assassinada a golpes de marreta pelo marido. O casal tinha cinco filhos em