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O contexto do ensino da Literatura Surda nos espaços acadêmicos e na escola básica

A literatura ouvinte possui uma existência bastante consolidada em nosso país através da língua portuguesa. Já para o povo surdo o surgimento da literatura passou despercebido, trazendo prejuízos na aquisição da cultura, tornando os membros dessa comunidade culturalmente atrasados, pois a literatura expressada através da língua portuguesa não incentiva a apropriação da identidade surda.

Apesar de haver bastantes educadores ouvintes, nos espaços escolares e clínicos, não existia o conhecimento da língua de sinais, tampouco da cultura surda. Isso se justifica pelo fato da proibição do uso de sinais e consequentemente do enfoque em treinos voltados para a aquisição da linguagem oral. Esta metodologia de modalidade oral na educação não aceitava as produções literárias em língua de sinais o que dificultava a sua propagação e consequentemente o seu reconhecimento. Acerca disso, Karnopp, afirma que:

Enquanto a Libras não era reconhecida ou enquanto era proibida de ser usada nas escolas, também não existiam publicações ou o reconhecimento de uma cultura surda ou de uma literatura surda. O ensino priorizava o aprendizado da fala e da língua portuguesa. Nas

48 escolas, não havia espaço nem aceitação para as produções literárias em sinais. (KARNOPP, 2008, p2).

Durante muito tempo de nossa história, as políticas educacionais e os clínicos de nossa sociedade estavam focados na oralização, não havia espaço para língua de sinais. Em se tratando de literatura, por exemplo, a literatura ouvinte tem uma forte influência na propagação educacional, porém, os surdos ao entrarem em contato com esse material sofrem, pois eles são produzidos na modalidade escrita da língua portuguesa e a cultura surda tem como principal característica a modalidade visual. Apesar da não aceitação oficial das produções em língua de sinais, em um dado momento da história, é importante ressaltar que os Surdos produziam suas artes e narrativas ainda que em segredo, pois essa era uma forma deles externarem tudo o que sentiam, mas que estava preso pela proibição da sinalização em todas as áreas, que excluía a cultura surda e as experiências visuais das produções literárias. Skliar (2016) argumenta:

Nas últimas três décadas, um conjunto novo de discursos e de prática educacionais que, entre outras questões, permite desnudar os efeitos devastadores do fracasso escolar massivo, produto da hegemonia de uma ideologia clínica dominante na educação dos surdos [...]. Foram mais de cem anos de prática de tentativa de correção, [...] quanto pela cultura social vigente que requeria uma capacidade para controlar, separar e negar a existência da comunidade surda, da língua de sinais, das identidades surdas, e das experiências visuais [...]. (SKLIAR, 2016 p.7).

Apesar dos anos de tentativa em negar a existência da comunidade surda e consequentemente de suas produções, é importante ressaltar que esse povo possuía dentro de si uma identidade forte e segura, que apesar de toda repressão e proibição se mostrava forte nas suas criações, ainda que estas ocorressem em segredo. A realidade é que a grande maioria dos professores não tem conhecimento da literatura surda, tampouco de sua identidade, além disso existem poucos materiais, pesquisas e estudos voltados para essa área. Apesar da aceitação e da liberdade do uso da língua de sinais, conquistados pela comunidade surda, o processo de mudança e de produção é algo que tem demorado anos para acontecer, portanto é necessário que o surdo continue se esforçando para produzir, traduzir e adaptar materiais, de modo que seja facilitado o processo de ensino e aprendizagem da literatura.

Apesar dos fatos anteriormente citados, não existiu um fracasso na língua de sinais e consequentemente do sujeito surdo, pois, a força cultural dessa comunidade é manifestada através das lutas que tornam suas almas, identidades e experiências visuais cada vez mais fortes e resistentes. Para Campos e Stumpf (2012, p. 177), “a cultura surda tem na sua língua

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de sinais mais forte conotação de identidade” e bem como, nas palavras com Rosa (2012, p.26), “fortalecer-se como surdo possuidor de uma identidade, é significativamente ser consciente do que é, do que representa e do que pode vir a ser na comunidade surda e na sociedade”.

Como já abordamos anteriormente antes da década de 90, em seus encontros, os surdos se expressavam contando suas histórias, entretanto, estas eram armazenadas somente na memória, acarretando com isso as perdas de informações. Mas, com o passar dos anos, houve um avanço no desenvolvimento dos grupos surdos, estes por sua vez conseguiram através de lutas demonstrar suas manifestações e aumentarem a força da circulação de sua literatura em língua de sinais, como forma de garantir sua existência, bem como permanência, demonstrando o empoderamento da comunidade surda.

Há registros da circulação das mãos literárias, já na década de 90, quando inicia a formação de um grupo de teatro no INES. [...]. Supomos que os líderes surdos estabeleceram uma rede de mãos literárias brasileiras, obtendo empoderamento forma de constituição das políticas surdas e artes surdas. (MOURÃO,2016, p. 91)

Acreditamos que o desenvolvimento da comunidade surda se deu a partir da influência gerada a partir das narrativas, histórias, piadas, entre outras produções, próprias dos surdos. Estas criações são uma espécie de fragmento que mantém viva a memória passada e atual, proporcionando assim a união, bem como o sentimento de pertencimento entre os membros dessa comunidade, gerando, consequentemente, o fortalecimento da cultura, bem como da identidade surda.

Conforme vem sendo abordado, percebemos que a trajetória educacional dos surdos foi marcada por diversas lutas e adversidades, porém na contemporaneidade isso tem começado a mudar. Diversos grupos de estudos, formados por docentes surdos e ouvintes, buscam estimular, bem como desenvolver pesquisas voltadas para área da surdez e de sua língua, aumentando assim a construção de conhecimentos nessa área.

Está apenas no início a trajetória que os professores surdos vêm construída na universidade e novos caminhos serão percorridos em busca de práticas de ensino para agenciar a língua de sinais e cultura surda, criando novos processos de relações sociais. (PERLIN; REIS, 2012, p. 45)

No ano de 2006, surgiu o primeiro curso de graduação, licenciatura em Letras Libras na modalidade de educação a distância oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), seguidos pela criação dessa formação em outras universidades públicas em cursos

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presenciais e EAD. Apesar de serem cursos ainda bastante recentes, é possível perceber como a evolução tecnológica permite a rápida propagação e o fortalecimento desses cursos através do ensino a distância, em diversos polos espalhados pelo Brasil, possibilitando assim o desenvolvimento de estudos acadêmicos voltados para o surdo. Inicia-se gradativamente uma fase de mudança no jeito de pensar a educação e cultural dessa comunidade.

A academia de Letras Libras já dispõe, atualmente, de diversos grupos de pesquisas com foco nos Estudos Surdos, Estrutura da gramática em Libras, Literatura Surda, Cultura Surda, Educação dos surdos. Estes grupos colaboram com o processo de desenvolvimento das relações educacionais e sociais da comunidade surda, trazendo uma significativa contribuição no estímulo do conhecimento nas mais diversas áreas, inclusive no da literatura em língua de sinais.

Foi nesse contexto que aconteceu no Brasil no ano de 2011, o Festival Brasileiro de Cultura Surda. Já em 2014 foi desenvolvido um Festival de Folclore Surdo chamado de “Os craques da Libras”, dentre outros. Nesses eventos, as comunidades surdas de diversos estados brasileiros se reúnem para expressar suas emoções e construções literárias, dentro do contexto cultural da literatura e folclore surdo, a partir das manifestações das mãos literárias.

Festivais são momentos de encontro de surdos, onde o patrimônio cultural produzido pelos sujeitos, de diferentes comunidades surdas, é difundido e transmitido. Assim como nos antigos banquetes, ali temos as trocas, os encontros, as comemorações e a identificação. (MOURÃO, 2016, pág. 96).

Muitos dos profissionais após sua formação nos cursos de Letras Libras se tornam responsáveis pelas elaborações de eventos e festivais, como os que anteriormente foram citados, com o objetivo de firmar ainda mais as manifestações históricas, bem como demonstrar e compartilhar os conhecimentos adquiridos durante os anos de graduação. Esse anseio de disseminar conhecimentos é contagiante, dando oportunidade a comunidade de ter acesso a esse saber, ainda que antes não conhecessem as produções literárias em língua de sinais. Assim, sentem-se participantes e desejosos de proliferar rapidamente através das mídias e encontros novas informações concernentes ao universo surdo.

É notório que fazemos parte de um mundo que está em constante evolução e é nesse processo de adaptações e construções culturais que passamos a ter acesso a novas informações. Os surdos, assim como os demais membros da sociedade, necessitam de interação social, que refletirá significativamente em sua aprendizagem e no fortalecimento de sua cultura. A tecnologia é uma forte aliada das instituições de ensino na busca e difusão do

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conhecimento. O recurso tecnológico pode ser utilizado não apenas na instrução, mas também na construção de narrativas digitais, possibilitando a produção e a rápida propagação da cultura surda dentro da sociedade.

[...] a utilização das novas tecnologias possibilita, por exemplo, a comunicação em tempo real com qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. Em razão disso, não é apenas a comunicação que é facilitada, mas o acesso à novas informações e a um maior conhecimento de mundo. (FARIAS; SANTOS e SILVA, 2009, p. 41).

Segundo Audrei Gesser, Maria Costa e Zélia Viviani (2009), refletindo sobre o pensamento de Bakhtin,

Fora desse cenário interativo e das condições sócio-econômicas reais, não há existência. Só como integrante da sociedade, membro de um grupo social, uma determinada classe social é o que o sujeito interage e participa de uma realidade histórica e de uma produtividade cultural. (GESSER; COSTA. VIVIAN, 2009, P. 11)

Logo, é de fundamental importância que o surdo seja um participante ativo de sua comunidade, de modo que consiga expressar a construção de sentidos pertinentes ao seu grupo identitário, colaborando para que haja uma forte relação entre campo de educação dos surdos e a sociedade. Contribuindo, assim, na produção e propagação da subjetividade inerente a esse povo.

Não se pode esquecer do valor cultural presente no ensino da literatura, este deve ser prioritariamente inserido nas escolas de educação básica, de modo que as crianças e adolescentes surdos encontrem nesse conhecimento uma forma de adquirir e/ou desenvolver a sua identidade.

2.3 A importância da visão didática para o ensino da literatura surda nas escolas de