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Contexto fático-jurídico da Ação Penal nº 470, do Supremo Tribunal Federal

4 A AÇÃO PENAL Nº 70, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, E A

4.1 Contexto fático-jurídico da Ação Penal nº 470, do Supremo Tribunal Federal

Os fatos denunciados na Ação Penal nº 470 se tratam do esquema popularmente conhecido como “mensalão”, que se resumia na compra de votos de parlamentares no sentido de que as votações constantes da pauta da Câmara dos Deputados fossem favoráveis aos interesses do Poder Executivo. O termo “mensalão” se deveu ao fato de que os parlamentares envolvidos recebiam pagamentos mensais durante um determinado período de tempo.

Tais fatos vieram à tona pelo então Deputado Federal Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mediante entrevista ao jornal Folha de São Paulo em 06 de junho de 2005 (JEFFERSON..., 2005). Segundo Jefferson, deputados da base aliada do Poder Executivo recebiam uma “mesada” de R$ 30.000 (trinta mil reais) para votarem projetos de lei de acordo com os interesses do Governo Federal. Além disso, também foi apontado que o dinheiro serviria para saldar gastos com campanhas eleitorais.

Fato que agravou a crise instaurada pelos relatos de Roberto Jefferson foi a indicação de que políticos da cúpula do Partido dos Trabalhadores, o mesmo do então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, participavam do esquema, como o então Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu; o tesoureiro do PT, Delúbio Soares; o presidente do PT, José Genoíno; e o Presidente da Câmara dos Deputado à época dos fatos, João Paulo Cunha.

Além disso, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza foi apontado como o grande operador do “mensalão”, vez que, fornecendo a estrutura empresarial necessária em conjunto com os seus sócios, desenvolvia esquemas de transferências de recursos financeiros para campanhas políticas e para o pagamento da aludida “mesada” aos parlamentares, os quais eram indicados por Delúbio Soares ao publicitário, mediante simulações de empréstimos provenientes do Banco Rural, em troca de firmação de contratos de suas empresas de publicidade com o Governo Federal.

Ademais, foi apurado que integrantes do Banco Rural, como a presidente dessa instituição financeira, Kátia Rabello, financiavam o esquema cuidando para que esses recursos ilícitos fossem recebidos pelos parlamentares sem a fiscalização dos órgãos de controle, permitindo, por exemplo, que tais políticos sacassem dinheiro sem que fossem identificados.

Sendo assim, percebe-se que se tratou de um esquema de complexa organização, envolvendo três núcleos distintos, quais sejam, o político, o operacional e o financeiro, pautados pela divisão de tarefas, conforme defendido por Fabrício Alencar Araripe Lôbo (2013), por onde foram cometidos diversos delitos, como lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva e peculato.

Em novembro de 2007, o Supremo Tribunal Federal recebeu a denúncia elaborada pelo Procurador-Geral da República e instaurou a Ação Penal nº 470 inicialmente contra quarenta réus. Em agosto de 2012 foi iniciado o julgamento dessa ação, cujos autos continham à época cerca de cinquenta mil páginas.

Em dezembro de 2012 foi prolatado o acórdão, tendo sido determinadas as condenações e respectivas penas de vários acusados, como José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, condenados pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha; e Marcos Valério, condenado por corrupção ativa, peculato, formação de quadrilha, lavagem de

dinheiro e evasão de divisas. Posteriormente, em fevereiro de 2014, foram julgados os diversos embargos infringentes interpostos pelos condenados, mediante os quais houve alterações na parte dispositiva do acórdão, como a absolvição dos réus supracitados pelo crime de formação de quadrilha.

Além das penas privativas de liberdade, houve a imposição, a diversos condenados, de consideráveis penas de multa, com valores proporcionais às vultosas quantias envolvidas no esquema criminoso. Frise-se que, conforme decisões do Supremo Tribunal Federal firmadas no âmbito das Execuções Penais nos 12 e 16, alusivas a Romeu Ferreira Queiroz e Pedro Corrêa, ex-deputados federais pelo Partido Trabalhista Brasileiro e Partido Progressista, respectivamente, também condenados na Ação Penal nº 470, o inadimplemento deliberado da pena de multa aplicada cumulativamente à pena privativa de liberdade impede a progressão de regime prisional.

Sendo assim, diante da importância do pagamento da pena de multa, o Partido dos Trabalhadores realizou campanha, via Internet, para que militantes dessem contribuições em dinheiro a fim de recolher o valor das penas de multa impostas a cada um dos condenados integrantes do partido (PT..., 2014). As doações eram realizadas por meio de sítios eletrônicos criados especificamente para esse fim. Os dois principais líderes do PT condenados, José Dirceu e José Genoíno (SITE..., 2014), conseguiram arrecadar mais do que o suficiente para o pagamento das multas impostas a cada um, destacando-se o fato de que a soma doada em favor de José Dirceu (DIRCEU..., 2014) ultrapassou a marca de um milhão de reais.

Impende ressaltar, outrossim, que tais campanhas foram lembradas em passagem do voto vencido prolatado pelo Ministro Marco Aurélio Mello quando da decisão do Agravo Regimental na Execução Penal nº 12, referente ao ex-deputado federal Romeu Ferreira Queiroz, a favor do qual não foi realizada campanha para coleta de doações, principalmente por ser de partido distinto. Ao iniciar a prolação de seu voto, o Ministro Marco Aurélio ressaltou que “pelo visto, não teve o agravante um partido político para dar a ele, agravante, respaldo quanto ao recolhimento da multa”. O referido ministro, na ocasião, votou no sentido de prover o agravo regimental para que o ex-deputado progredisse de regime prisional, com base na dissociação da pena de multa da pena privativa de liberdade e na interpretação constitucional de que é vedada a prisão por dívida. Contudo, o Ministro Marco Aurélio foi voz solitária no plenário, cuja maioria entendeu que, nos casos de crimes contra a

administração pública a punição pecuniária deve ser tratada de forma mais severa e que o pagamento da multa é um dever jurídico do condenado, dentre outros fundamentos.

Por fim, faz-se importante mencionar que, no julgamento da Ação Penal nº 470, o Supremo Tribunal Federal adotou teses jurídicas inovadoras (BALIARDO; HAIDAR, 2012) para a condenação de diversos réus, conforme apontam os juristas Luiz Flávio Gomes (VEJA..., 2012) e Pierpaolo Cruz Bottini (2013), por exemplo, como a teoria do domínio do fato40, a possibilidade de condenação por provas exclusivamente indiciárias, a dispensa do ato de ofício para configuração dos crimes de corrupção ativa e corrupção passiva e a teoria da cegueira deliberada41 no tocante aos crimes de lavagem de dinheiro. Ou seja, a Ação Penal nº 470 tornou-se um importante precedente no âmbito jurídico a ser amplamente estudado pelas grandes inovações trazidas.

É cediço, contudo, que certos exageros do acórdão originário foram corrigidos via embargos infringentes, coincidentemente após renovação de parte dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, como no caso do condenado João Paulo Cunha, absolvido posteriormente do delito de lavagem de dinheiro, mantidas, entretanto, as suas condenações por corrupção passiva e peculato. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao julgarem o referido recurso, entenderam que esse acusado não tinha ciência da origem ilícita dos valores recebidos oriundos de crimes contra a administração pública e o sistema financeiro nacional, bem como que não restou verificado ato de ocultação, pelo réu, dos valores recebidos pela prática de corrupção passiva. Nota-se, portanto, que foi afastada a teoria da cegueira deliberada no caso da imputação do crime de lavagem de dinheiro por João Paulo Cunha.

Com a absolvição pelo delito de lavagem de capitais, a pena privativa de liberdade de João Paulo Cunha restou em seis anos e quatro meses de reclusão, a serem cumpridos inicialmente em regime semiaberto. Após cumprir um sexto dessa pena e ter tido bom comportamento, o referido apenado requereu a progressão para o regime aberto. Entretanto, por decisão monocrática do Ministro Luís Roberto Barroso, em 1º de dezembro de 2014, tal pedido foi indeferido por não ter havido a reparação do dano causado pelo apenado ao praticar

40 Pela teoria do domínio do fato (STRECK, 2012), considera-se como agente do crime aquele que exerce o seu

controle, tendo poder sobre o seu resultado e dominando a vontade da ação delituosa, sendo os atos dos partícipes meramente acessórios. Destarte, domina o fato aquele que detém o poder de desistir e mudar a rota da ação criminosa.

41 Pela teoria da cegueira deliberada nos crimes de lavagem de dinheiro (ROLLEMBERG; CALLEGARI, 2015),

atribui-se a responsabilidade subjetiva àquele que, tendo ciência da grande probabilidade da procedência criminosa de bens, valores ou direitos, atua de forma indiferente a esse conhecimento, escolhendo permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa, mediante atos deliberadamente voltados à manutenção dessa ignorância.

o delito de peculato, razão pela qual foi interposto agravo regimental contra essa decisão, tendo sido esse recurso apreciado pelo plenário da Corte Excelsa, ante a alegação incidental de inconstitucionalidade do art. 33, § 4º, do Código Penal, objeto do presente trabalho. Sendo assim, passa-se à análise do acórdão referente ao julgamento do aludido agravo regimental, que se deu em 17 de dezembro de 2014.

4.2 Análise da decisão do Supremo Tribunal Federal no Agravo Regimental na

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