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3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

4.1. Contexto urbano e ações coletivas: breve caracterização sobre relações

OUTSIDERS EM FLORIANÓPOLIS

Santa Catarina é um mosaico étnico-cultural. A população tem múltiplas origens, fazendo coexistir lado a lado os mais diversos costumes [...]. (Santos, 1998, p. 7)

Essa epígrafe sintetiza a diversidade cultural que configurou a formação populacional do estado de Santa Catarina. A história catarinense tem uma forte relação com processos migratórios, coadunados por disputas e conflitos, especialmente pela posse de terras, que integraram uma diversidade de populações de várias etnias. Nas palavras de Santos (1998): “Santa Catarina é competição, é conflito, é integração” (op. cit., p. 11). O município de Florianópolis não foge a essa tendência.

A história do município está intimamente ligada aos fluxos migratórios. A ocupação de Florianópolis, outrora Desterro, teve início no século XVIII com a vinda de migrantes açorianos que desenvolveram a pesca e a lavoura como suas principais atividades econômicas (setor primário). Com o processo de urbanização do município, acelerado a partir da década de 19605, novos fluxos populacionais se estabeleceram em torno das atividades da administração pública6 e do turismo (setor terciário) (cf. Santos, 1998; Ribas Junior, 1998).

A partir do incremento do processo de urbanização, vários grupos populacionais passam a estabelecer relacionamentos com os grupos existentes e os problemas de integração se impuseram. O processo de mobilidade social vivenciado na cidade contribuiu para complexificar as relações sociais. Ocorreu uma maior diversidade de relações sociais entre a população “nativa” e os novos moradores ou os

5 Segundo Secretaria de Estado de Coordenação Geral e Planejamento – SEPLAN (1991), o

processo de urbanização no estado de Santa Catarina “antes de 1940 era inexpressiva. A economia estadual era essencialmente agrícola [...]” (p. 76). No município de Florianópolis, esse processo se intensificou a partir do final dos anos 1950.

6 Por exemplo, no final da década de 1960 empresas como a ELETROSUL (Centrais Elétricas do

Sul do Brasil, Subsidiária da Eletrobrás) que funcionava numa pequena sede no Rio de Janeiro, foi transferida para uma nova sede no município de Florianópolis, trazendo com ela parte de seus funcionários (cf. Folder Eletrosul, s/d). Bem como a Universidade Federal de Santa Catarina que também foi fundada nessa época.

de “fora”, configurando-se muitas situações de estranhamento em várias comunidades do município7.

O processo de urbanização pelo qual passou Florianópolis é um fenômeno das sociedades modernas. Segundo Santos (1994), a urbanização está associada ao crescimento e diferenciação das cidades e aos processos de integração territorial8. Dessa forma, a problemática do urbano envolve fenômenos relativos à mobilidade social como migrações, bem como aspectos populacionais (op. cit. p. 24-5).

4.1.1. Situando as ações coletivas no contexto urbano

Autores como Bitoun (1994), Carlos (op.cit.), Abreu (1994) e Silva (1994) apontam que a produção do espaço urbano envolve práticas socioespaciais desenvolvidas pelas ações coletivas. Carlos (op. cit.) afirma que “não é possível pensar o urbano, no Brasil, sem a reflexão sobre movimentos e lutas urbanas” (p. 188). Os movimentos sociais urbanos vêm sendo considerados por esses autores como produtores de espaço. Dessa forma, esses atores coletivos passam a ser considerados interlocutores e produtores de demandas, passando a influenciar nas políticas públicas urbanas. Por isso sua importância no contexto da cidade.Pereira & Tomiello (1996) recordam que as primeiras iniciativas de mobilização da população florianopolitana ocorreram no período da ditadura e, paradoxalmente, por iniciativa do Estado, à época do governo de Antonio Carlos Konder Reis, como parte de sua política de ação comunitária. Nessa época, vigorava o “Programa Estadual de Estímulo e Apoio à Criação e Funcionamento dos Conselhos Comunitários”. Este programa foi resultado do Decreto Lei 75.922 de 1975, que instituiu o Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos. Esses Conselhos foram implementados em alguns bairros do município e tinham por função mediar as relações entre população e prefeitura. As autoras apontam que eram órgãos com “forte vínculo com o Estado” (op. cit., p. 17-8).

Com a abertura política nos anos 1980, os Conselhos de moradores “optaram pela autonomia” em relação ao Estado. Ainda neste período, surgem as primeiras redes de articulação (idem, ibidem). Dessas articulações surgiu o Movimento Popular Comunitário: uma mobilização bem diversificada que contava com a participação de

7 Ver KUHNEN (1994, 2002); CECCA (1996); FANTIN (2000); CARVALHO (2002); SILVA

(2003).

8 Essa integração deu-se através dos sistemas de interligação entre as cidades (redes viárias, de

militantes políticos, pastorais da Igreja Católica, associações de moradores e conselhos comunitários, CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), sindicatos e membros de comunidades periféricas. (op. cit, p. 18).

Nos anos 1990, com a campanha das “Diretas Já” e com as eleições municipais, surge uma nova mobilização denominada de “Articulação de Entidades” (idem, ibidem). Entretanto, devido às divergências dos objetivos envolvidos, ocorreu uma ruptura que dividiu o movimento em dois segmentos: “comunitário” e “popular”. Surgiram, respectivamente, a UFECO (União Florianopolitana de Entidades Comunitárias) e o Movimento Sem-Teto; ambos passaram a assumir um papel de interlocução com o Estado. O Movimento Sem-Teto congregou grupos de esquerda engajados na organização das ocupações que estavam ocorrendo no período, bem como na luta pela autonomia em relação ao Estado (op. cit., p. 19).

No município as primeiras organizações não-governamentais, como, por exemplo, a Fundação Água Viva, o grupo MEL (Associação Movimento Ecológico Livre) e o CECCA (Centro de Estudos, Cultura e Cidadania)9, passam a dar maior visibilidade aos problemas ambientais.

Com essa rápida explanação, queremos enfatizar que a produção do espaço urbano de Florianópolis teve o Estado como seu principal produtor, já que os conselhos foram criados por leis federais. Contudo, na década de 1980, com a abertura democrática e o estabelecimento de novas relações sociopolíticas, outras relações mais autônomas em relação ao Estado e com maior envolvimento e/ou participação popular entram em cena.

Nos anos 1990 observou-se o aprofundamento das questões urbanas e a inclusão e/ou diversificação de temas ambientais, étnicos, de gênero, etc. por parte dos movimentos sociais. A partir de 1994, ocorrem mobilizações de vários setores em torno do Plano Diretor do município10. Uma das ações coletivas significativas nesse contexto foi a mobilização para a discussão da Agenda 21, bem como o envolvimento da população e comunidades com o Orçamento Participativo. Outra ação emblemática de

9 Sobre o surgimento dessas organizações ver entrevistas de militantes dos movimentos sociais de

Florianópolis, In SCHERER-WARREN & ROSSIAUD (1999).

10 Segundo TEIXEIRA & SILVA (1999, p. 18), a partir de 1996, o Movimento pela Participação

Pública no Plano Diretor faz oposição ao projeto de verticialização da cidade sugerido pelo órgão de planejamento do município.

articulação e organização envolvendo a problemática urbana foi o Movimento Campeche Qualidade de Vida, no final dos anos 199011.

Dessa forma, concomitante ao crescimento da cidade e aos problemas associados como a falta de moradia, especulação urbana, favelização etc., também ocorreram manifestações do segmento popular, que organizou e problematizou discussões sobre o urbano. Conforme Wolf (1999), o processo de planejamento urbano florianopolitano iniciou-se em 1976 com uma lei de uso de solo12 para o centro da cidade (p. 15). A partir daí, esse processo foi marcado por uma série de ações coletivas.

Segundo Scherer-Warren (2004), foi a partir do final da década de 1980 que novas práticas associativas13 se configuraram no município trazendo novas tendências em relação às identidades construídas pelos movimentos14. Nesse sentido, podemos afirmar que as demandas das ações coletivas comunitárias não foram centradas apenas em infra-estrutura e serviços urbanos, mas, sobretudo, incorporaram em suas práticas a discussão e a participação democrática.

Em relação ao movimento comunitário, Lüchmann et. al. (2004) analisa as identidades e diferenças desse ator social. Os pesquisadores afirmam que o movimento comunitário passou por novas configurações no decorrer dos anos, bem como por novas identificações (temáticas, práticas) que produziram “mudanças nos padrões associativos” (p. 57). Eles ainda apontam que esses movimentos se configuraram nos anos 1990 devido a uma “pluralidade de orientações e ações” (op. cit., p. 65). Os movimentos comunitários incorporam temas diferenciados, que caracterizam novas demandas em termos urbanos. Podemos exemplificar essa mudança temática com a problemática dos jovens, que vem tendo uma maior visibilidade no cenário urbano local.

11 Rede que mobilizou e articulou os moradores do sul da Ilha de Santa Catarina sobre as discussões

para a elaboração de um plano diretor comunitário, uma alternativa ao estudo realizado pelos órgãos encarregados de planejar o desenvolvimento urbano do município. Sua estratégia de atuação foi baseada em conhecimento técnico-jurídico-político sobre questões relativas ao planejamento urbano. Essa experiência possibilitou a ampliação do diálogo entre os moradores, bem como colocou em relação de igualdade de conhecimento um movimento comunitário nas discussões com os órgãos municipais responsáveis pelo planejamento, como, por exemplo, o IPUF (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis).

12 O uso do solo caracteriza uma dada utilização do solo urbano em função de suas potencialidades

econômicas e especificidades (culturais, ambientais etc.). A definição do uso do solo urbano é uma das prerrogativas dos Planos Diretores, pois são criados instrumentos de normatização para a ordenação dos usos do solo de um município.

13 Para aprofundamento do associativismo civil em Santa Catarina ver SCHERER-WARREN &

CHAVES (2004).

No caso dessa pesquisa, a juventude passou a fazer parte das demandas e das ações do Conselho dos Moradores do Saco Grande. Segundo os adultos entrevistados

Beatriz, Gerusa e Daniel15 que participam desse conselho, uma das reivindicações da associação é a de trazer equipamentos de lazer para o bairro Saco Grande. Segundo os informantes, o único espaço que pode ser utilizado pelos jovens no bairro é a rua. Para os adultos entrevistados, depois da escola e/ou dos projetos que os jovens participam, eles não têm o que fazer no tempo livre, condição que propicia, segundo os informantes, o problema de “delinqüência” de alguns jovens. Além da carência de equipamentos de lazer para esse estrato etário, existem os problemas de saúde pública (DST/AIDS, gravidez na adolescência) e de relacionamento familiar (estupros, agressões) que demandam políticas públicas específicas para esse segmento populacional.

Passaremos no tópico seguinte a descrever mais especificamente o projeto Bom Abrigo, desenvolvido para as populações menos favorecidas de Florianópolis e o processo de estranhamento ocorrido em detrimento das mudanças na paisagem arquitetônica do bairro.

4.2. CONTEXTUALIZANDO O PROJETO BOM ABRIGO E O

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