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Contextos de mudança de SNLoc: da dêixis à cliticização

QUADRO DE VARIANTES GRÁFICAS DOS LOCATIVOS

4. ANÁLISE DOS DADOS

4.1 Contextos de mudança de SNLoc: da dêixis à cliticização

Conforme visto na Fundamentação Teórica, as mudanças construcionais podem levar ou não à construcionalização. No caso particular de nosso objeto de análise, assumimos que SNLoc atributiva é um novo esquema na língua, resultado de construcionalização lexical. Antes de se tornar uma construção no nível do léxico, tal construção passou por uma trajetória de gramaticalização, que pode ser explicada de acordo com o trabalho de Diew

ald (2002). Nessa proposta, a autora aponta os contextos de mudança, descritos como estágios sucessivos de desenvolvimento diacrônico, que levam à convencionalização de um novo pareamento forma-sentido.

Assim, baseados em Diewald (2002), investigamos os contextos de mudança de SNLoc. Afirmamos que SNLoc atributiva passou por estágios de crescente integração, no âmbito dos arranjos dêiticos até chegar ao esquema que apresenta na sincronia atual. Tais estágios são reconhecidos como padrões efetivos de uso de SNLoc e são atestados nesta pesquisa desde o século XIV até os dias atuais.

Dessa forma, nas próximas subseções apresentamos a trajetória de SNLoc atributiva, percorrendo através dos séculos os três estágios propostos por Diewald (2002): contexto atípico, contexto crítico e contexto de isolamento. Como visto na Fundamentação Teórica, os padrões de uso dêiticos – físico, fórico e virtual – e clítico da construção foram atestados nesses três contextos.

Centrados nos pressupostos da LFCU, valemo-nos do Corpus do Português para descrever qualitativamente os usos de SNLoc em sincronias do século XIV ao XIX, quando são verificados nos dois primeiros estágios de mudança os padrões dêiticos. Já para a análise da sincronia atual, em que temos como contexto de isolamento SNLoc atributiva, com o

locativo atuando como clítico na construção, contamos com o Corpus Discurso & Gramática55.

Apesar de nosso estudo ser prioritariamente qualitativo, para chegarmos a algumas conclusões, realizamos levantamentos numéricos de usos organizados em tabelas e gráficos que refletem a diacronia e a sincronia. Consideramos as duas subpartes dessa construção, o SN e o Loc, igualmente importantes para o sentido do arranjo como um todo, mesmo sendo SNLoc atributiva armazenada como uma construção mais fixa. Verificamos que seus constituintes internos têm propriedades inerentes que possibilitam que sejam eles os recrutados para compor essa construção. Entretanto, como já apontado nesta pesquisa, lidamos com variados SNs, e capturar todos os que são instanciados em nossos inúmeros dados de todas os arranjos SNLoc é tarefa bastante difícil, já que analisamos SNs de 2 ou 3 posições preenchidas que têm grande amplidão quanto à sua designação. Assim, em nossas tabelas quantitativas levamos em consideração apenas o locativo de SNLoc, pois analisamos somente quatro deles. Logo, o estudo desses quatro locativos em toda a trajetória de SNLoc é tarefa possível e útil, pois é o pronome adverbial locativo da construção o maior responsável pelos apontamentos dêiticos e é tal locativo que, como um clítico ou afixóide (Booij, 2010), une-se ao SN como uma nova configuração semântico-sintática.

De todo modo, não podemos deixar de analisar os SNs, logo, optamos por estudar tais sintagmas apenas na construção SNLoc atributiva, já que é este novo esquema na língua que, de fato, nos interessa. Não é interessante nem produtivo para nós listarmos todos os SNs que encontramos em nossa pesquisa, mas sim nos voltarmos para a nova construção lexical.

Inicialmente, para uma análise mais geral, apresentamos nas duas tabelas abaixo todos os usos de SNLoc encontrados em nossos dados tanto diacrônica quanto sincronicamente. Posteriormente, em cada subseção a seguir, há um quantitativo específico por padrão de uso.

Dêitico físico Dêitico catafórico Dêitico anafórico Dêitico virtual Clítico Total 3 6 28 0 0 37 47 18 188 9 0 262 ALI 5 86 433 7 0 531 AQUI 158 59 97 132 0 446 Total 213 169 746 148 0 1276

Tabela 04: Levantamento geral dos usos na modalidade escrita do Corpus do Português do século XIV a XIX

Dêitico físico Dêitico catafórico Dêitico anafórico Dêitico virtual Clítico Total 1 123 250 6 107 487 17 4 9 9 27 66 ALI 5 26 37 8 10 86 AQUI 78 44 3 15 0 140 Total 101 197 299 38 144 779

Tabela 05: Levantamento geral dos usos nas modalidades oral e escrita do Corpus D&G no século XX

De forma geral, podemos fazer algumas observações. Primeiramente, verificamos que o padrão clítico não foi encontrado em textos dos séculos passados, apenas nos da sincronia atual e com uma quantidade expressiva, se o compararmos aos demais usos, principalmente ao padrão dêitico físico. Tal fato confirma nossa hipótese de que o uso clítico seja um padrão novo e o esquema de que ele faz parte, SNLoc atributivo, seja um novo nó na língua. Também se destaca que os usos de SNLoc como anafórico são os mais recrutados em todas as sincronias. De fato, fazemos retomadas anafóricas tanto em nossas produções orais quanto nas escritas, logo, explica-se tal quantitativo.

Uma outra constatação é quanto à frequência de lá, o locativo mais selecionado na maioria dos padrões da sincronia atual para compor a construção SNLoc, teve escassa aparição em nossos dados nas sincronias passadas. Como já apontamos na Metodologia, o fato de contarmos apenas com textos escritos no Corpus do Português inviabiliza registros que são mais da modalidade falada, como os de lá e aí. Analisando de forma comparativa, os locativos menos recrutados diacronicamente são lá e aí; já aqui e ali são os mais selecionados. Os dois primeiros, por apresentarem mais marcas de subjetivação e abstratização de sentido, indicando maior indefinição e imprecisão, são mais da fala, dos momentos de maior relaxamento; e os dois últimos, por serem mais pontuais e específicos,

indicando usos mais concretos e menos subjetivos, são mais recrutados para a escrita, em que a precisão é necessária. Dessa forma, nossos resultados sobre esse locativo mostram uma realidade que deve ser relativizada, por isso, não podemos afirmar que lá, o locativo prototípico e mais frequente na instanciação da SNLoc atributiva, não era usado com tanta frequência quantos os demais, diacronicamente.

Cabe aqui uma observação: os textos diacrônicos do Corpus do Português contam apenas com textos escritos. Porém, há textos escritos que se aproximam da modalidade falada, como os textos teatrais. Nossa intenção a princípio era a de encontrar os usos clíticos nesse gênero textual, o que não aconteceu. No Corpus D&G, contamos com textos orais e seus correspondentes escritos. Assim, estudantes de cinco cidades, após produzirem seus textos orais, passavam-nos para a modalidade escrita. Na modalidade escrita, SNLoc só foi encontrada em 21 dados nos padrões dêiticos no corpus sincrônico. Por esse motivo, não consideramos relevante distinguir na Tabela 5 já apresentada e nas muitas que ainda virão os usos orais dos escritos encontrados apenas nos padrões dêiticos. Podemos, para se ter uma noção desses 21 usos, informar de forma separada em que padrões de uso SNLoc foi encontrada na escrita no Corpus D&G.

Dêitico físico Dêitico catafórico Dêitico anafórico Dêitico virtual Clítico Total 0 6 7 0 0 13 1 0 0 0 0 1 ALI 0 0 2 0 0 2 AQUI 2 2 1 0 0 5 Total 3 8 10 0 0 21

Tabela 06: Levantamento dos usos na modalidade escrita do Corpus D&G no século XX

Observamos que os usos fóricos são os mais selecionados para SNLoc na modalidade escrita, o que não nos parece estranho, já que nos valemos da foricidade para retomadas e progressão textual em nossas produções escritas. O locativo mais recrutado para esses padrões na modalidade escrita é o lá, o mais selecionado na sincronia atual.

Os usos clíticos, que muito nos interessam por tratar-se da construção SNLoc atributiva, não foram encontrados na modalidade escrita nos dados sincrônicos do Corpus D&G. Como vimos na Fundamentação Teórica, Traugott & Trousdale (2013) apontam que não podemos afirmar que a construcionalização ocorreu até as mudanças sintáticas e semânticas aparecerem registradas por escrito. Logo, buscamos no Corpus do Português, nos

textos escritos do século XX, instanciações da microconstrução SNLoc atributiva e encontramos apenas 6 dados, os quais já se tornam importantes para atestarmos a construcionalização em nossa pesquisa. Esses dados não constam na Tabela 4, por esta tratar dos usos diacrônicos do Corpus do Português, como também não aparecem na Tabela 5, porque esta sumariza dados do Corpus D&G. Essa “aferição” no século XX do Corpus do Português foi para constatar a construcionalização de SNLoc atributiva, como destacamos. Assim, apontamos que, dos 6 usos encontrados no Corpus do Português nos textos escritos do século XX, 2 são com o locativo lá e 4 com o locativo aí. Esses tokens são apresentados na subseção dos usos clíticos.

Passemos então, para a análise de cada estágio de mudança proposto por Diewald (2002) até chegarmos à construção SNLoc atributiva. Como vimos na Fundamentação

Teórica, Traugott (2012), ao se referir ao trabalho de Diewald (2002) sobre tais contextos de

mudança, destaca a possibilidade de um estágio 0, que seria o contexto típico, já que Diewald (2002) inicia a trajetória com os contextos atípicos. Adequando o contexto típico proposto por Traugott (2012) à nossa pesquisa, apontamos que nele estariam os usos do pronome adverbial locativo conforme prescrevem as gramáticas tradicionais da língua, e não como lidamos em nossa pesquisa, em que o locativo se encontra posposto a um Sintagma Nominal. Logo, de acordo com Traugott (2012), como contexto típico, citamos os usos apontados por Cunha & Cintra (1985, p.p. 529, 530) com o pronome adverbial modificando um verbo, um adjetivo, um advérbio e uma oração inteira, respectivamente:

(I) Você compreendeu-me mal. (Almada Negreiros, p. 61)

(II) Ficara completamente imóvel. (Branquinho da Fonseca, p. 70)

(III) O homem caminhava muito devagar. (S. de Mello Breyner Andresen, p. 156) (IV) – Eu me recuso, simplesmente. (F. Sabino, p. 84)

Os autores se valem de textos literários para exemplificar as quatro posições onde aparecem os “advérbios” na sentença, as mesmas arroladas pelas gramáticas tradicionais da língua, conforme vimos na Revisão da Literatura. Os usos típicos são normatizados e há um consenso geral sobre essa função e posição dos locativos.

4.1.1 Contexto atípico

inclusive dos locativos, modificando um verbo, um adjetivo, um advérbio e uma oração inteira. Tais usos previstos pelas gramáticas são encontrados na modalidade escrita de nossa língua, já convencionalizados. Entretanto, enquanto funcionalistas e falantes da língua portuguesa, lidamos com a língua em uso e observamos na interação cotidiana os locativos atuando em uma posição não referendada por nossos gramáticos, a posição posposta a um SN. Os pronomes adverbiais locativos unidos ao SN anterior como uma construção SNLoc é registrada a partir do século XIV nos corpora de que dispomos, mas tal configuração semântico-sintática não é normatizada.

Assim, encontramos em nosso corpus diacrônico usos de SNLoc em suas funções mais inicias, como dêiticas. Consideramos os padrões dêiticos de SNLoc um contexto atípico, segundo Diewald (2002), pois trata-se de uma expansão da construção para um contexto ainda não previsto. Entretanto, como já apontado nos capítulos anteriores, compreendemos a dêixis em um sentido amplo – abrangendo a dêixis física, a catafórica, a anafórica e a virtual – e neste estágio I, de contexto atípico, reconhecemos a dêixis física e a dêixis catafórica como representantes, pois são os sentidos dêiticos mais concretos e que muitas vezes se relacionam. Tais usos são os considerados “normais”, referenciais de SNLoc, em que há exclusivamente um apontamento. A diferença entre SNLoc dêitica física e SNLoc dêitica catafórica é que a primeira trata-se de um apontamento para algo do espaço real e a segunda, um apontamento para o espaço textual, para o que vem em seguida à construção no texto. Ambas são o início dos estágios de mudança, como vemos em (01) e (02), em que temos SNLoc dêitica física e SNLoc dêitica catafórica, respectivamente:

(01) E ëtendeu que nõ pod er ya seer emcuberto, se o nõ matasse. E, quando foy noyte, mãdouho scabeçar e tomoulhe todo o que achou. Leixa a estoria aquy a fallar de como morreo Alcodyr, rey de Vallëça, e torna a el rei de Saragoça, como deu grande aver ao Cide por aver seu amor (CP – Crónica Geral de Espanha de 1344 – século XIV)

(02) Custume he. que se me filham boy ou besta. por dano que faça. & lho tolho que lhy correga o dano. & dar ao alcaide seséénta soldos. por que tolheu o penhor & deue tornar a cousa ali onde a foy filhar.(CP – Dos Costumes de Santarém – século XIV)

Afirmamos que são usos mais concretos por ser nítido o apontamento que ambos os dados fazem; há um sentido espacial nos dois padrões. São também relacionados, porque o sentido de mostração é o mesmo em (01) e (02), sendo a referência após o locativo o que torna (02) catafórico. Se colocássemos uma referência após “aquy” em (01), teríamos um uso dêitico catafórico da mesma maneira. Em nossos dados, ocorrem casos em que observamos

em SNLoc um apontamento para algum lugar do espaço e, ao mesmo tempo, há uma referência após o apontamento. Se há a referência, optamos por considerá-los dêiticos catafóricos, pois não deixam de ser dêiticos, mas catafóricos.

Ao estudar de forma pormenorizada cada um dos dois padrões pertencentes ao contexto atípico, constatamos que SNLoc dêitica física localiza e identifica os objetos, as pessoas, as atividades, os eventos e processos em relação ao contexto de espaço, tempo e pessoa mantidos durante a enunciação. Dessa forma, a dêixis física ocorre como se apontássemos para algum ponto, para mostrar algo ao nosso interlocutor.

Os pronomes adverbiais locativos têm como “função elementar” a localização do objeto, a detecção da linha de orientação e a síntese do espaço, numa atividade de referenciação baseada no egocentrismo, porque é relativa à posição do emissor. Batoréo (2000) aponta que a centração no emissor manifesta-se no critério de classificação desses constituintes, que partem das posições mais próximas a quem profere os enunciados (aqui >

aí > ali; cá > lá).

Observemos alguns dados das sincronias estudadas em que a construção SNLoc dêitica física exerce esse apontamento para algo concreto do espaço:

(03) Vijnda he a hora que qualquer que vos matar: estimara fazer a deos sacrifiçio ë todas estas cousas aquy postas në a morte scilicet o temor da morte nem ayuda scilicet o amor da vida në os anjos bayxos. (CP – Euangelhos e epistolas con suas exposições en romãce – Gonçalo Garcia de Santa Maria – século XV)

(04) Desi ainda lhe compre, pera esto, de non ser pigriçoso quando ouver de ir à busca, que se alevante cedo. E, posto que lho algua vez seu senhor non mande que vaa à busca, que elle o non leixe de fazer, de ir a ella, ca, ainda que alguns monteyros hiaja que, quando andam alguns dias pera continuadamente andarem ao monte, non querem que lhes os moços anden à busca senon alli onde lhes elles mandarom.(CP – Livro da montaria – Dom João – século XVIII)

(05) E: você num tinha a intenção de fazer aquele alto-relevo ali?

I: não ... eu o máximo que eu puder simplificar é ... reduzir essa camada de tinta ... eu ... eu reduziria ... isso é até surpresa pra mim sabia? (D&G – Ítalo – 30 anos – RP oral – Natal –século XX)

Em (03) “todas estas cousas aquy” apontam para o papel em que o emissor escreve; em (04) “alguns monteyros hi”, o apontamento é para o lugar onde se encontra o leitor/ouvinte; e em (05) ao falar “aquele alto-relevo ali”, o entrevistador aponta para a pintura que o entrevistado faz naquele momento.

Para uma melhor compreensão, as tabelas abaixo se destinam a um levantamento quantitativo do padrão dêitico físico em todas as sincronias pesquisadas:

N D A I E Total 3 0 0 0 0 3 6 0 1 12 28 47 ALI 0 2 0 3 0 5 AQUI 28 1 28 27 74 158 Total 37 3 29 42 102 213

Tabela 07: Levantamento do uso dêitico físico nos cinco tipos de textos do Corpus do Português (séculos XIV a XIX) NEP NR DL RO RP Total 0 0 0 1 0 1 0 1 2 3 11 17 ALI 0 0 0 1 4 5 AQUI 14 5 11 40 8 78 Total 14 6 13 45 23 101

Tabela 08: Levantamento do uso dêitico físico nos cinco tipos de textos do Corpus D&G (século XX)

De forma geral, tanto nos séculos passados quanto na sincronia atual, há uma grande ocorrência do aqui na construção SNLoc dêitica física, tendo os outros locativos baixa frequência. Tal resultado ocorre já que a dêixis física é um apontamento concreto de algo ou alguém que se encontra num determinado espaço e entre todos os locativos que podem atuar nesse arranjo, o aqui articula uma ideia de pontualidade e precisão.

No Corpus do Português, há maior recorrência do construto com aqui nos textos expositivos. Tal fato se dá porque há grande ocorrência da exposição em cartas e textos teatrais, gêneros em que muitos apontamentos físicos são feitos. Nas cartas, o emissor aponta com aqui para o lugar onde está; nos textos teatrais, as personagens em suas falas apontam com aqui para o que está próximo a elas.

Já no Corpus D&G, há maior recorrência de aqui no relato de opinião, pois nesse tipo de texto, na maioria das vezes, o informante deve dar sua opinião sobre o lugar onde se encontra no momento em que a entrevista é realizada, como por exemplo, sua casa, sua escola, seu país. Portanto, o informante faz uso dos dêiticos físicos para apontar para tais lugares e para o que neles existe.

Analisando a dêixis física em relação a todos os usos encontrados no Corpus do Português, observamos que ela conta com aproximadamente 17% do total encontrado; e no

baixo para um uso considerado tão primário e original.

A dêixis catafórica, que também faz parte dos estágios iniciais de mudança, realiza um apontamento de ordem textual, ou seja, o locativo em SNLoc aponta para a referência de lugar posterior a ele, introduzindo uma informação nova e buscando sua referência no contexto seguinte. Nessa dêixis catafórica há uma imprecisão referencial, em que o locativo não parece ser capaz de mostrar o lugar de onde fala e o usuário da língua, para se fazer melhor compreendido, utiliza ao lado do locativo a referência a que tal locativo faz.

Do ponto de vista da análise linguística, o texto constitui um espaço. Assim, os locativos tornam-se elementos de sinalização do constituinte subsequente. Evidencia-se esse uso da dêixis catafórica em casos como os mostrados abaixo, retirados das sincronias estudadas:

(06) Que vem sobre saudade vem sobre grand cuydado vem sobre sser desesperado. O veludo que te çestes no tear que daa cuydado laa nos lyços lhe metestes hûa esperança que destes o galante nam orado. (CP – Cancioneiro de Resende – Garcia de Resende – século XVI)

(07) Para o aviário mando vir aves do Norte: mutuns, guarás, garças, jacamins; não, jacamins para o galinheiro. À tarde vem a gente aqui para fora no seu paletó branco saborear o café, ouvindo os gaturamos e as patativas, os gansos, os galos e gozando o perfume das flores.(CP - A Conquista – Coelho Neto – século XIX)

(08) aí o meu pai “não e... e... os policiais/ os ladrões estão tudo armado aí dentro do ônibus... eu vou me arriscar? eu vou me arriscar? nada...” que não sei o quê... aí ele “não... não o senhor tem que ir comigo...” começou a receber santo “você vai comigo...” ((riso)) aí começou a falar lá pra caramba... meu pai deu-lhe um tapa nele... ele fo... ele foi pra fora do... do carro... caiu do chão... (D&G – Márcio – 16 anos – NR oral – RJ – século XX)

Em (06), “a cuydado laa ” aponta para a referência posterior “nos lyços”; em (07) “a gente aqui” remete a “para fora” e em (08) “tudo armado aí” se refere a “dentro do ônibus”. A referência da dêixis catafórica é melhor compreendida através da indicação de lugar que vem posterior à construção SNLoc, e o apontamento é feito para que essa completude de sentido ocorra.

Sobre a dêixis catafórica uma observação deve ser feita: nem sempre o que vem após o pronome locativo na construção é especificamente um lugar, um espaço físico. Casos como os abaixo, retirados do Corpus D&G, ilustram tais usos:

(09) E: mas ... como é:: que ... que vai formando o ... o palhaço?

I: é como se a gente tivesse um quadrado aqui na nossa mão ... aí a gente tivesse fazendo assim ... um chapeuzinho ... um negócio assim ... (D&G – Julyana – 10 anos – RP oral – Natal – século XX)

(10) Pedro era um ... um homem pobre e todo desengonçado e atrapalhado também ... que foi convidado pra um ... um jantar e nu/ numa casa muito rica e fez a maior vergonha lá nesse jantar né ... (D&G – Ítalo – 30 anos – NR oral – Natal – século XX)

(11) ... então eu fiquei com o telefone desse senhor por muito tempo guardado e ... é ... um dia ... conversando com uma colega minha da ...da escola de pintura ... eu ... eu disse a ela que eu tinha esse telefone ... e a gente ... a gente se propôs a ir lá ... depois do trabalho ... dar uma passadinha lá no seu Carlos ... (D&G – Ítalo – 30 anos – RP oral – Natal – século XX)

(12) agora vai pro sexto processo que é o processo de cloração ... esse é o último processo ... é uma canalização ... vai por debaixo da terra ... na estação de Botafogo dá pra ver a tubulação que leva essa água ... então você vai ... entendeu ... é o mesmo processo da coagulação ... na coagulação você não aplica o coagulante numa calhinha e tal ... então ... você calcula ... você tem que calcular a quantidade de cloro numa forma líquida também ... aí:: é:: como é que chama ... aplica o cloro ... a quantidade de cloro que você precisa ... você tem que aplicar sete TPM de cloro ... certo ... pra abastecer aquela