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“Pensamento Espacial introduz a pensar em quase todos os outros domínios: quando um problema intelectual pode ser espacializado, pode ser concebido de forma clara.” (Levinson, 1992, p.5)13

A ideia de que, quando uma noção pode ser colocada em termos espaciais, ela se torna quase compreendida, faz sentido, porque o espaço é o domínio primário através do qual mais facilmente podemos visualizar os modelos com que configuramos a realidade.

Assim, a configuração espacial é a melhor forma como os seres humanos codificam conceitualmente a realidade em que estão inseridos, tanto a realidade física do mundo que os cerca até as estruturas e relações conceituais que constroem e nas quais eles se inserem. O reconhecer-se e situar-se, o ser e o estar em um espaço é o entendimento mais básico e primário do ser humano. E o que ele faz é organizar as informações novas que adquire durante a sua vida, unindo-as às mais antigas, que já estão armazenadas. Por isso, compreendemos que os conceitos mais abstratos se estruturem em relação aos mais concretos, e estes últimos sejam organizados de acordo com a experiência física do homem com o espaço em que vive.

Refletindo um pouco mais sobre a afirmação de Levinson (1992), percebemos que estudar o espaço não só convoca muitos saberes, como também o mesmo espaço é uma das áreas mais nítidas da interdependência entre linguagem e cognição. Não é por acaso que, nas

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Tradução nossa. Versão original: “Spacial thinking intrudes into thinking about almost all other domains: when an intellectual problem can be spatialised, it can be conceived clearly.”

duas últimas décadas, o Espaço tem estado na pauta dos debates em Psicologia, Neurociências, Linguística, Inteligência Artificial, Antropologia, entre outras ciências cognitivas. Tem sido objeto de estudo das principais teorias linguísticas que envolvem questões espaciais, principalmente na Linguística Cognitiva, com os trabalhos de Lakoff e M. Johnson – e sua teoria da metáfora conceptual; de Langacker – e sua gramática cognitiva, que inicialmente foi denominada gramática espacial; de Fauconnier e Turner – e sua teoria dos espaços mentais e da integração conceitual "blending"; de Talmy – da dinâmica de forças e sua tipologia espacial. As questões relativas ao espaço têm estado na agenda não só da Linguística Cognitiva, mas também da Psicologia Cognitiva, com a teoria do protótipo de Rosch.

Com essas investigações cognitivas, linguísticas e também antropológicas constata-se que o espaço tem função primordial na cognição humana, tanto para organizar e estruturar a própria existência quanto para outros domínios. Unindo linguística, cognição e antropologia, Levinson (1996) destaca que um tema central em seus estudos é que:

“[...] os padrões linguísticos apontam para algumas diferenças sistemáticas no estilo cognitivo com que indivíduos de diferentes culturas lidam com o espaço, e que são estas especializações cognitivas subjacentes que podem ajudar-nos a integrar diversos aspectos espaciais dentro de uma cultura [...] Em suma, a cognição é a variável intermediária que promete explicar propensões culturais no comportamento espacial, e a língua pode nos oferecer mais do que apenas o acesso privilegiado a ele.”14 (Levinson, 1996, p. 356)

Levinson (1996) afirma que o espaço deve ser pensado de forma egocêntrica, relativa, de acordo com o ponto de vista de quem o observa. O autor cita Poincaré (1946), que afirma que “o espaço absoluto é um absurdo, e é necessário para nós começarmos a nos referir ao espaço como um sistema de eixos invariavelmente associado ao corpo.”15 (1946 apud Levinson, 1996, p. 357)

Batoréo (2000) trabalha com a concepção e percepção do espaço por nós, seres humanos e falantes, que usamos a língua para nos comunicarmos. Batoréo (2000) afirma que, para conseguirmos uma representação do espaço, que pode ser posteriormente verbalizada ou

14 Tradução nossa. Versão original: “[...] linguistic patterns point to some systematic differences in the cognitive

style with which individuals of different cultures deal with space, and that it is these underlying cognitive specializations that may help us to integrate diverse spatial features within a culture [...] In short, cognition is the intermediate variable that promises to explain cultural propensities in spatial behavior, and language may offer us more than just privileged access to it.”

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Tradução nossa. Versão original: “Absolute space is nonsense, and it is necessary for us to begin by referring space to a system of axes invariably bound to the body.”

não, necessitamos, principalmente, de uma atividade visual impulsionadora da construção do espaço mental. Apesar de todo ser humano dispor do mesmo tipo de aparelho de percepção visual, as representações humanas do espaço apresentam uma variedade tão grande que se torna certo a existência de um complexo percurso de percepção e representação, que dá origem a diversas leituras da realidade.

Assim, a percepção visual é constituída por grandes operações que envolvem a construção de descrições simbólicas elaboradas através de informação básica, a inferência de pistas de interpretação e a percepção de sinais. Dessa forma, o conhecimento do espaço é um processo complexo, referente a mundos resultantes da experiência que reflete as motivações e intenções.

A representação mental do espaço é feita a partir de imagens mentais, ou seja, através delas se organizam os diferentes esquemas perceptivos e representativos num todo coerente. Batoréo (2000) cita Johnson-Laird (1983), para quem o espaço participa, juntamente com o tempo, a possibilidade, a permissão, a causa e a intenção, do conjunto finito dos operadores semânticos. Assim, tanto o espaço quanto o tempo desempenham um papel nuclear na organização da experiência humana; o espaço primitivo desempenha o papel central e em função dele se constrói o modelo mental espacial físico e relacional, em que as ligações espaciais estabelecidas entre as entidades são representadas a partir de localizações em duas ou três dimensões. O modelo espacial é o ponto de referência para a criação de outros modelos, como o temporal, que é concebido como uma sequência de estruturas espaciais integradas numa ordem temporal semelhante a ordem dos acontecimentos.

A orientação espacial é entendida como um processo que relaciona a percepção do indivíduo do que o rodeia e a representação do seu meio-ambiente. O homem dispõe de um esquema múltiplo de métodos de orientação, e o escolhido por ele depende do sistema referencial utilizado: o sistema referencial egocêntrico, o referencial do objeto e o bidimensional de contentor, sendo este último o mais distante do falante, em que o lugar dos objetos é definido por coordenadas bidimensionais, sempre especificadas por características geográficas em larga escala. Segundo Batoréo (2000), localizar um objeto significa determinar a distância a que ele fica em relação ao locutor e em função do seu olhar que se espalha no espaço a fim de o apreender.

De acordo com a autora (2000, p.246): “o espaço é uma das estruturas que expressa o nosso 'estar no mundo', isto é, dada a sua dimensão, a própria existência pode ser reconhecida como espacial.” Batoréo (2000) cita a afirmação de Lyons (1977), para quem há uma interdependência entre a dêixis e a pressuposição da existência, já que, em muitas línguas, são

utilizadas as mesmas estruturas sintático-semânticas para as duas, como por exemplo, a ordem das palavras, a natureza locativa, os mesmos tipos de verbos: ser, estar, ter e haver.

A teoria localista, segundo Poggio (2004), considera que fontes lexicais específicas dão origem a formas gramaticais espaciais, que retêm algumas propriedades de suas fontes. De acordo com esta teoria, existe uma relação do domínio semântico espacial com outros domínios, tais como os de tempo, posse, modo, fim, instrumento e meio. Postula-se que muito do que se pensa como sendo metafórico no uso da linguagem pode ser explicado por essa teoria. Alguns de seus principais representantes são: Hjelmslev, Pottier, Anderson, Lakoff e Johnson, Lyons, Fillmore e Svorou.

Como exemplos dos estudos segundo a teoria localista, há os trabalhos de Lyons (1980), quem postulou que as expressões locativas originaram as de tempo, e o de Heine et

alli. (1991), que, com uma visão mais moderna da teoria, argumentaram que o homem,

primeiramente, usa conceitos relacionados ao seu próprio corpo, e a partir desse uso, deriva outros mais abstratos. Assim, segundo os autores, o conceito de espaço vem de conceitos mais concretos. Desta forma, seu continuum seria: pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade.

O "localismo moderno" difere das teorias localistas clássicas, que faziam das relações espaciais a matriz metafórica das relações linguísticas. Com uma nova dimensão cognitiva, defende-se que o espaço e a sua conceitualização não são apreendidos intuitiva e rapidamente, mas são o resultado da interação de vários mecanismos cognitivos. Assim, o espaço linguístico é um espaço divergente do espaço físico do "localismo puro"; é antes um "espaço mental".

Ao tratar da teoria localista, Batoréo (2000) afirma que a organização espacial é central na cognição humana, atribuindo à linguagem o papel fundamental das expressões espaciais na constituição de esquemas estruturais para outras expressões. A autora destaca que praticamente toda a atividade humana pode ser interpretada em função de esquemas locativos e o local pode ser um ponto, uma área, uma fronteira.

Do que vimos nesta seção, podemos concluir que Levinson (1992, 1996) considera o espaço em interdependência entre linguagem e cognição, também levando em conta a forma como as várias culturas o compreendem. Logo, seu estudo reúne língua, cognição e antropologia.

Bühler (1934,1990) trabalha com a ideia de percepção pura, considerando a imagem corporal tátil do ser humano em relação ao espaço. E Batoréo (2000) destaca a concepção mental do espaço pelos humanos que usam a língua para a comunicação. A autora se baseia na teoria localista para seus estudos. De acordo com essa teoria, as extensões metafóricas de sentido se iniciam com a noção espacial. É, pois, o espaço o conceito mais concreto e básico, e dele se originam outros, como tempo, qualidade, texto.

Deste modo, os estudos sobre o espaço aqui apresentados, sempre levando em conta língua e cognição, fundamentam as descrições e análises empreendidas nessa pesquisa, que tem como referencial teórico a Linguística Funcional Centrada no Uso, vertente que compatibiliza tendências funcionalistas e cognitivistas. Além disso, vale enfatizar que a nossa pesquisa também se baseia na teoria localista aqui exposta, pois para o nosso continuum, partimos do uso espacial, mais básico e concreto, para chegarmos ao uso mais abstratizado, que é o uso clítico, em que não há mais tão evidente a semântica de lugar dos pronomes adverbiais locativos.