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CAPÍTULO 3 – CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA SISTÊMICO-

3.1 Texto e contexto

3.1.1 Contextos selecionados

3.1.1.1 A reforma da Previdência

No Brasil, a Previdência Social nasceu da mesma maneira que em grande parte do mundo: com caráter privativo e voluntário, pela formação dos primeiros planos de assistência, segundo Ibrahim (2008, p. 39).

A evolução histórica da Previdência Social brasileira caracteriza-se por uma contínua modificação na estrutura de custeio, organização e administração dos bens previdenciários, com o repasse gradual de responsabilidades do setor privado para o Estado. Não obstante a ocorrência desse repasse, permanecem dois regimes de aposentadoria: o público, que engloba integrantes dos três poderes de Estado, civis e militares, além dos contribuintes não servidores públicos, e o privado, que pode abarcar qualquer interessado, seja empregado, autônomo, empregador da iniciativa privada e mesmo servidor público que a ele quiser aderir.

Até o início do século XX, não havia sistema previdenciário no Brasil. Somente no governo Getúlio Vargas, com o processo de industrialização, é que uma política previdenciária e de saúde começou a se desenhar, pela criação de mecanismos legais e institucionais para sua implementação.

Em 1960, foi instituída a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que unificou a legislação referente aos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Em 1963 foi criado o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL).

Em 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que é o atual Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Mesmo com um padrão mais universal dos serviços prestados, uma grande parcela dos trabalhadores brasileiros estava excluída do INPS, conforme Braga e Paula (1986). Durante os anos 70, foram incluídos no INPS os autônomos, empregados domésticos e empregadores rurais, conforme Martins, (2004, p. 158).

A universalização da cobertura previdenciária evoluiu junto com a ampliação do acesso aos serviços de saúde. Em 1987, foi criado o Programa de Desenvolvimento de Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), que originou o Sistema Único de Saúde (SUS). Essa universalização foi acompanhada pela queda da qualidade dos serviços.

Seguindo os princípios da constituição de 1988 de organização democrática e social, foi ampliado o tratamento constitucional à Previdência, sendo referida, pela primeira vez, a expressão Seguridade Social. Pela Carta de 88, Seguridade Social é o conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à assistência e à previdência social.

O modo de organização da previdência varia de acordo com a espécie de regime, conforme o tipo de trabalhador a que se destine, se do serviço público ou da iniciativa privada. A Lei 9.717, de novembro de 1998, instaurou o Regime Próprio dos Servidores dos Poderes Públicos. Já o Regime de Previdência Privada está estruturado com base nas Leis Complementares 108 e 109 de maio de 2001. A Previdência Privada no Brasil está organizada de forma contratual e negocial entre o trabalhador, empregado ou empregador, e a instituição administradora dos recursos arrecadados, sem nenhuma ligação com órgãos governamentais.

O atual sistema previdenciário brasileiro, então, é resultado de um processo de reformas que teve início antes da Constituição de 1988. Segundo Coelho (1999), havia forte disputa dentro do próprio Executivo, entre a chamada grande burocracia, formada pelos que detinham poder e pelos que detinham conhecimento técnico, com um papel de destaque dos técnicos e suas associações, na definição do sistema previdenciário na nova constituição. As discussões e debates da década de 80 resultaram nas propostas de reforma do início da década de 90. Podemos perceber, então, que as reformas da Previdência, tanto do governo de Fernando Henrique Cardoso, quanto do governo Lula, seguiram os caminhos permitidos pela conjuntura político-social.

A proposta de reforma feita por Fernando Henrique Cardoso, em 1995, sofreu dura oposição. Mesmo aprovada no primeiro mandato de FHC, significou uma derrota para o governo, pois não conseguiu aprovar a maioria das alterações pretendidas, apesar de ter conseguido alterar as regras da aposentadoria proporcional, que é a aposentadoria requerida antes de se completar o tempo exigido pelo INSS, de ter extinguido a aposentadoria especial dos professores universitários, mantendo a aposentadoria especial para os demais professores, e de ter alterado a forma de cálculo dos benefícios.

Segundo os argumentos de seus opositores, o projeto era muito amplo, prevendo alterações nos regimes de aposentadorias públicas e privadas. Abrucio e Ferreira Costa (1998, p. 70) destacam: “É importante notar que a junção das duas reformas – da Previdência Geral com a do setor público – aumentou o número de interesses atingidos e, por conseguinte, tornou mais difícil o processo decisório”. Para os autores, isso provocou não só uma tramitação mais lenta com negociações mais custosas, como uma corrida à aposentadoria nos dois sistemas, “o que não teria ocorrido se a Previdência do setor público fosse a única atingida pela reforma” (idem, p.71).

Foi muito difícil formar uma coalizão de apoio às reformas, o que provocou grandes derrotas nas votações na Câmara e no Senado, como ocorreu com a tentativa de alteração na integralidade das aposentadorias e na contribuição dos inativos. Mesmo sem alterar o tipo de regime previdenciário, a reforma de FHC permitiu a adoção de regras mais restritivas para a redução de desigualdades entre o sistema público, com maiores benefícios e mais garantias, e os sistemas privados de previdência, com escolha e adoção exclusivamente dos interessados.

As articulações políticas, no propósito de organizar uma grande coalizão com vistas às reformas tributária e previdenciária, começaram junto com o governo Lula. Mesmo assim, desde os primeiros dias, após ser divulgado o esboço da reforma da Previdência, os militares e os juízes manifestaram-se frontalmente contra sua inclusão no regime previdenciário comum, o que foi amplamente divulgado pela mídia nacional.

O presidente, pretendendo construir a coalizão política e social que sustentasse as reformas, convocou o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini e o do Trabalho, Jaques Wagner, para que assumissem o debate com diferentes organizações e sindicatos, representantes de setores públicos e privados.

3.1.1.2 A abertura da “caixa-preta” do Judiciário

Lula foi eleito com um discurso de mudança. Em 2002, para muitos, sua candidatura estava associada ao caos. Não era raro ocorrerem comentários, na mídia nacional e fora dela, que o Brasil, caso Lula fosse eleito, seria transformado numa nova Colômbia. Em diferentes camadas da sociedade brasileira, era

difundido o discurso encampado pela oposição, afirmando que um provável calote à dívida externa causaria o desgoverno do país. O PT, partido do candidato, respondia às críticas com a ideia de mudança associada à esperança. Quando da vitória de Lula, foi divulgado o slogan do partido vitorioso: “A esperança derrotou o medo”.

Desde o início do governo, havia certa distância entre Lula e a grande imprensa. Logo depois da posse, o presidente concedeu entrevista a uma única empresa brasileira de comunicação, a rede Globo. Na mídia internacional, falou ao jornal Washington Post e à revista Time. Sem entrevistas, a mídia brasileira passou a questionar as falas do presidente, dando destaque à postura paternalista, aos deslizes gramaticais, à reiterada utilização de metáforas, enfatizando seus tropeços na oralidade.

Recebeu atenção da mídia nacional, também, o início da implementação de determinados pontos do programa do então candidato, como a reforma da Previdência, que causava contrariedade a alguns setores da sociedade brasileira desde a época da campanha eleitoral. O surgimento de conflito entre os poderes Executivo e Judiciário, ainda sem se completar o primeiro mês do novo governo, foi acirrado pelo episódio da “caixa-preta”.

Em 22 de abril de 2003, manifestação do presidente Lula sobre a necessidade de o Judiciário abrir sua “caixa-preta” foi amplamente divulgada pela mídia. Em Vitória, durante solenidade de adesão do governo do Espírito Santo ao Plano Nacional de Segurança Pública, que serviu para assinatura de um protocolo de repasse de verbas, Lula citou diversas vezes o poder Judiciário. Em sua fala de 33 minutos, de improviso, transmitida ao vivo por emissoras de rádio e televisão do estado, o presidente referiu-se à corrupção, parcialidade e privilégios existentes, segundo ele, nesse poder.

Seguem-se trechos transcritos a partir vídeo postado no Youtube:

(...) Muitas vezes, a justiça não é feita. A justiça não faz o que manda a constituição, que diz que todos são iguais perante a lei. Muitas vezes, algumas pessoas são mais iguais que as outras. E isso é chamado justiça de classe, uma justiça que favorece uma classe (...) A sociedade brasileira tem consciência de que hoje não estamos enfrentando mais o ladrão de galinha. Aquele cidadão que roubava uma galinha era preso e solto. E no dia seguinte, ele roubava outra galinha, o galo e até os ovos. Mas não era uma figura tão violenta, tão bruta com a sociedade. Hoje não. Hoje nós enfrentamos uma indústria, que eu diria até multinacional,

do crime organizado. Ele tem seu braço na política, tem o seu braço na polícia, tem o seu braço no poder Judiciário, tem o seu braço nos empresários, tem o seu braço internacional (...)

Virando-se para o Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, Lula disse:

E é por isso que nós brigamos há muito tempo, Dr. Márcio, pelo controle externo do poder Judiciário. Não é interferir na decisão de um juiz, mas é pelo menos saber como funciona a caixa-preta do poder Judiciário, que muitas vezes parece intocável (...)

Tendo como ponto de partida esses dois contextos de situação, seguem- se pressupostos teóricos a respeito de transitividade, processo de projeção oracional e engajamento, que norteiam as análises a serem empreendidas neste trabalho.