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CAPÍTULO I A NÁLISE E R EFLEXÃO C RÍTICA SOBRE O D ESENVOLVIMENTO DE

1.1. Contextualização

Os CSP em Portugal sofreram uma grande evolução durante o século XX, sobretudo nos últimos 40 anos, contudo, foi com a primeira Lei Orgânica da Saúde em Portugal, de 1837, e com a reforma de 1868, que assistimos a uma primeira tentativa de mudança do país face a novas experiências e conhecimentos em saúde (Freitas, 2005). Em 1971, com o Decreto-Lei (DL) nº 413/71, de 27 de setembro, são reorganizados os serviços do Ministério da Saúde e Assistência, criando-se assim os primeiros centros de saúde (CS), ou os “CS de primeira geração”, associados ao que então se entendia por saúde pública. Deste modo, pretendia-se revalorizar a prestação dos CSP, sendo esta a primeira tentativa de libertar o sistema de um “hospitalocentrismo” e reorientá-lo para um “comunitariocentrismo” (Freitas, 2005). Em 1979 é criado o Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo qual o Estado assegura o direito à proteção da saúde a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social (DL n.o 56/79, de 15 de setembro).

No ano de 1978, a Organização Mundial de Saúde (OMS) realizou a “Conferência Internacional dos Cuidados de Saúde Primários de Alma-Ata”, da qual resultou a Declaração de Alma-Ata onde definiram que os CSP:

são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde (OMS, 1978, pp.1,2).

Em 1983, são criadas as Administrações Regionais de Saúde (ARS), dotadas de personalidade jurídica e com autonomia administrativa e património próprio (DL n.o 254/82, de 29 de julho). Foram criados os chamados CS integrados, “os CS de segunda geração”, resultantes da união das principais vertentes assistenciais extra-hospitalares preexistentes (CS, postos dos serviços médico-sociais e hospitais concelhios). Este processo de fusão conduziu a uma maior racionalidade na prestação de cuidados de saúde e à melhoria dos recursos (Branco & Ramos, 2001).

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No seguimento desta evolução administrativa, em 1999 foram criados “os CS de terceira geração”, com o objetivo de promoção, vigilância da saúde e prevenção a todos os níveis (primário, secundário, terciário) (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2002), assim como o diagnóstico e tratamento da doença, desenvolvendo atividades específicas dirigidas, globalmente, ao indivíduo, à família, a grupos especialmente vulneráveis e à comunidade. Estes novos “CS de terceira geração” são divididos em unidades funcionais, sendo estas constituídas por: quatro a dez Unidades de Saúde Familiar (USF), uma Unidade de Cuidados Continuados na Comunidade (UCC) e uma Unidade de Saúde Pública (USP) (DL no 157/99, de 10 de maio).

A grande mudança nesta história de sucesso dos CSP em Portugal, ocorre em 2005 com a criação da “Missão para os Cuidados de Saúde Primários (MCSP)”, para a condução do projeto global de lançamento, coordenação e acompanhamento de reconfiguração dos CS e implementação das USF (Resolução do Conselho de Ministros n.o 157/2005, de 12 de outubro). A MCSP levou a cabo a reforma dos CSP com o objetivo de obter mais e melhores cuidados de saúde para os cidadãos, com aumento da acessibilidade, proximidade e qualidade, e consequente aumento da satisfação dos utilizadores dos serviços. Além de aumentar a satisfação dos profissionais, visava a criação de boas condições de trabalho, melhorando a organização e recompensando as boas práticas (Pisco, 2007).

Em 16 de fevereiro de 2006, o Despacho Normativo n.º 9/2006, de 16 de fevereiro, estabelece as normas de lançamento e implementação das USF. Na continuação desta nova organização dos CSP, e como forma de melhoria de gestão destas novas unidades funcionais, são criados, em 22 de fevereiro de 2008, os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) (DL n.o 28/2008, de 22 de fevereiro). Deste modo, a reconfiguração dos CS obedeceu a um duplo movimento: a formação das USF, que prestam serviços com proximidade e qualidade; e a agregação de recursos e estruturas de gestão, os ACeS, com vista a uma gestão mais eficiente e económica (Pisco, 2011).

Após esta nova organização, as ARS ficam subdivididas em vários ACeS, sendo esta nova matriz organizacional e funcional assente em unidades funcionais com gestão autónoma, constituídas por equipas multiprofissionais, funcionando em rede e com compromissos assistenciais contratualizados (Pisco, 2011). Podemos classificar estas unidades funcionais em: USF; Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP); UCC; USP; Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP), e Unidade de Apoio à Gestão (UAG), que se pretende sumariar no Quadro 1.

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Quadro 1. Caracterização das unidades funcionais

USF - Unidade de Saúde Familiar

Cuidados de saúde à pessoa e à família. Unidade que promove a formação de equipas multidisciplinares para o desempenho de cuidados personalizados. As USF distinguem-se das UCSP pelo nível de desenvolvimento e de dinâmica de equipa, designadamente pelos compromissos de cooperação interprofissional livremente assumidos. Está regulamentada em legislação própria.

UCSP - Unidade de Cuidados de Saúde

Personalizados

Cuidados de saúde à pessoa e à família. Tem dimensão idêntica à prevista para as USF e presta cuidados personalizados, garantindo a acessibilidade, a continuidade e a globalidade dos mesmos, sendo constituída por equipa multiprofissional composta por médicos, enfermeiros e administrativos não integrados em USF. Depende hierarquicamente do Diretor Executivo e está vinculada às normas aprovadas pelo Conselho Clínico em matéria de governação clínica.

UCC - Unidade de Cuidados na Comunidade

Cuidados organizados e orientados para grupos e ambientes específicos. Tem atuação multidisciplinar, que engloba a prestação de cuidados de saúde e de apoio psicológico e social, de base geográfica e domiciliária, designadamente na identificação e acompanhamento de indivíduos e famílias de maior risco, dependência e vulnerabilidade de saúde.

USP - Unidade de Saúde Pública

Saúde populacional, ambiental e pública. Coordena intervenções orientadas para garantir o bem público comum no domínio da saúde. Funcionam como observatórios de saúde local, unidade de administração de saúde populacional, de coordenação de estratégias locais de saúde de âmbito comunitário. Responsável pela realização de estudos populacionais, vigilância epidemiológica e exercício da função de autoridade de saúde.

URAP - Unidade de Recursos Assistenciais

Partilhados

Apoio técnico-assistencial a todas as unidades. É uma unidade que organiza e coordena múltiplos meios, recursos e competências assistenciais específicas de cada ACeS (higiene oral, fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional, psicologia, serviço social, nutricionismo e outros profissionais não afetos totalmente a outras unidades funcionais) cuja missão é a de apoiar as demais unidades funcionais.

UAG - Unidade de Apoio à Gestão

Apoio logístico ao funcionamento de todas as equipas e dos órgãos de gestão. Viabilização do funcionamento adequado de toda a organização. A UAG é uma unidade de BackOffice que viabiliza que, em cada momento, existam condições materiais e objetivas para que todos possam cumprir a sua missão.

Fonte: Adaptado de Pisco (2011).

A par desta evolução das estruturas organizacionais e administrativas dos CSP, vai-se afirmando a figura do enfermeiro de família. A sua importância é reconhecida a nível internacional na segunda Conferência Ministerial da Enfermagem da OMS, com a aprovação da Declaração de Munique, em junho de 2000 (Melo, 2015). Durante esta conferência, surge um conjunto de políticas de saúde para a região Europeia, a “Saúde 21: A saúde para todos os quadros políticos da Região Europeia da OMS” (WHO, 2000a). Neste documento são definidas 21 metas para a saúde durante o século XXI. Uma dessas metas refere a importância do enfermeiro de família e do seu trabalho centrado nas famílias, como promotor e protetor da saúde dos indivíduos e famílias ao longo do seu ciclo vital (WHO, 2000a). A Ordem dos Enfermeiros (OE, 2000) reitera a contribuição do enfermeiro de família nas atividades de promoção da saúde e prevenção da doença, além das suas funções de tratamento. Os

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enfermeiros de família deverão fazer orientações sobre os hábitos de vida e fatores de risco ligados a comportamentos, bem como ajudar as famílias em questões ligadas à saúde. Ao detetar precocemente os problemas, podem favorecer a tomada de consciência sobre os problemas de saúde familiar desde o deu início.

A 05 de agosto de 2014, com o DL n.º 118/2014, surge regulamentado as funções do enfermeiro de família nos CSP. Neste contexto, novos desafios são propostos aos enfermeiros dos CSP, reconhecendo a sua importância na promoção da saúde individual, familiar e coletiva e pelo seu papel de referência como gestor de cuidados de enfermagem, potencializando a saúde do indivíduo no contexto familiar (DL no 118/2014, de 05 de agosto). Sendo que, a 16 de julho de

2018, é publicado em Diário da República o Regulamento n.º 428/2018, da OE, que define as competências específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária na área de Enfermagem de Saúde Familiar, reconhecendo a importância do papel atribuído ao enfermeiro de família, o qual deverá ser o eixo estruturante e funcional na garantia do acesso e na prestação de cuidados, no âmbito dos CSP (Regulamento n.o 428/2018, de 16 de julho).

No âmbito do Mestrado em Enfermagem de Saúde Familiar, frequentei no 1º semestre do 2º ano a Unidade Curricular Estágio e Relatório, que decorreu numa USF de um ACeS da ARS Norte. O estágio em questão decorreu num período 20 semanas, entre o dia 02/10/2018 e 01/03/2019, com a duração de 480 horas, cuja finalidade era o desenvolvimento de competências específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária na área de Enfermagem de Saúde Familiar, deste modo o estágio teve como objetivos:

1) Cuidar da família como unidade de cuidados;

2) Prestar cuidados específicos nas diferentes fases do ciclo vital da família ao nível dos três níveis de prevenção;

3) Mobilizar os recursos da comunidade para a prestação de cuidados à família capacitando a mesma face às exigências e especificidades do seu desenvolvimento;

4) Identificar precocemente os determinantes de saúde com efeitos na saúde familiar; 5) Desenvolver, em parceria com a família, processos de gestão, promoção, manutenção e

recuperação da saúde familiar, identificando e mobilizando os recursos necessários à promoção da sua autonomia;

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As USF são formadas por vários grupos profissionais que se autopropõem, comprometendo-se pelo cumprimento de um plano de ação, com uma carteira de serviços definida e contratualizada, tendo em vista o reforço da eficácia, da eficiência e da acessibilidade dos cidadãos (Unidade de Saúde Familiar do Norte do País, 2017a). Este percurso académico teve como orientador o enfermeiro de família em exercício de funções na USF, detentor do grau de Mestre em Enfermagem Comunitária.

A USF em questão está localizada num dos concelhos do Norte de Portugal, sediada numa das cinco freguesias que o integram. É composta por uma equipa de oito médicos especialistas em medicina geral e familiar, oito enfermeiros de família e seis secretários administrativos. Têm como missão garantir a prestação de cuidados de saúde personalizados à população inscrita, dispondo de um plano de ação, com objetivos, indicadores e metas a atingir (Unidade de Saúde Familiar do Norte, 2017a)

Os utentes desta USF estão inscritos nas listas dos oito médicos pertencentes à USF, num total de 14.638 (Sistemas Partilhados do Ministério da Saúde [SPMS], 2017). Os oitos enfermeiros de família desta USF têm a sua lista de utentes, dividida por área geográfica, tendo em média entre a 300 a 400 famílias, como é previsto no DL nº 298/2007, de 22 de agosto.

Os utentes que se encontram inscritos na USF são maioritariamente do sexo feminino, verificando-se esta diferença na maioria das faixas etárias, conforme se pode verificar na Tabela 1.

Tabela 1.

Distribuição dos utentes inscritos na USF do Norte por grupo etário e sexo

Fonte: Adaptado de Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS, 2018).

Sexo masculino Sexo feminino Total

0 aos 7 anos 356 347 703

7 aos 64 anos 5360 5662 11022

65 aos 74 anos 785 832 1617

Mais de 75 anos 506 790 1296

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1.2. Reflexão sobre o Desenvolvimento de Competências Específicas em

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