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4. CONTEXTOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

4.2 Contextualização da pesquisa

Para auxiliar a compreensão dos contextos que envolvem os pesquisadores e sujeitos deste estudo, nesta seção fornecemos informações sobre a localização da universidade e sua influência regional, principalmente em relação à formação de professores de matemáti- ca. Esta caracterização é importante porque tem relação com a delimitação da realidade empí- rica que nos forneceu os dados fundamentais para nossos propósitos e, conseqüentemente, influenciou no delineamento do estudo de caso que propomos empreender.

Comecemos por examinar a região de influência da instituição. A Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) está situada entre os municípios baianos de Ilhéus e Itabuna, na região econômica conhecida como Litoral Sul Baiano, de economia tradicionalmente cen- trada na atividade agrária voltada principalmente para a monocultura do cacau.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Sul da Bahia é composto por 74 municípios e compreende um conjunto de três microrregiões: Microrregião de Itabuna-Ilhéus, Microrregião de Valença e Microrregião de Porto Seguro. A principal é a microrregião de Itabuna-Ilhéus, também conhecida como “Região Cacaueira”, que agrupa o maior número de municípios (41) e tem as cidades de Itabuna e Ilhéus como centros regionais. Além da convergência de serviços e outros atividades como a industrial e o turismo, as duas cidades também são receptoras de mão-de-obra da população regional. É com esta microrregião que a UESC mais interage e dela provem a maior demanda por forma- ção qualificada nos vários campos do conhecimento.

Fundamental para compreensão da organização do espaço e da importância re- gional da universidade é a sua história ligada à monocultura do cacau. A cacauicultura já teve sua época de ouro na primeira metade do século passado, possibilitando a consolidação das cidades de Ilhéus e Itabuna como um pólo de desenvolvimento, mas de lá pra cá tem sido uma atividade marcada por crises sucessivas, que contribuíram para a desaceleração do crescimen- to econômico regional.

A mais recente dessas crises, iniciada na década de 1980, propiciou conse- qüências extremamente graves à economia regional, visto que a mesma passou a conviver com mais um elemento complicador que consiste na contaminação dos cacauais por mais uma enfermidade, vulgarmente denominada de vassoura-de-bruxa (Crinipellis perniciosa), que reduz drasticamente a produtividade das lavouras. Somadas ao problema da queda de produti- vidade local, outros fatores conjunturais na economia mundial, como a abundância do produto no mercado (ocasionada pelo aumento da produtividade em outros países) e a cotação do dó- lar desfavorável a exportação (sobretudo na última década), tornaram o preço e a qualidade do produto pouco competitivos em relação a outros centros produtivos no mundo e impossibilita- ram a recuperação das lavouras nos últimos 20 anos.

As crises geraram endividamento e incapacidade para novos investimentos. A- lém disso, promoveram um maciço desemprego do trabalhador rural, fato que desencadeou uma grande migração campo-cidade, impondo ao urbano o convívio com sérios problemas sociais. A sobrevivência da cacauicultura ficou comprometida a ponto de a região sair da ca- tegoria de exportadora de cacau e entrar para a categoria de importadora de cacau.

Como conseqüência também se assiste ao fechamento de grande número de empresas exportadoras de cacau, uma acentuada fragilização do comércio (por falta de capital circulante) levando muitos estabelecimentos comerciais à falência e até ao fechamento de estabelecimentos bancários, e em decorrência de tudo isso, à marginalização espacial de inú- meras cidades de pequeno porte, que viviam basicamente das atividades econômicas associa- das à cultura do cacau.

Estes dados nos mostram uma região historicamente empobrecida que possui uma série de carências sociais, de infra-estrutura e de mão de obra, que tem seus reflexos so- bre a formação e a atividade docente.

O primeiro deles é a importância regional que a universidade alcançou desde a sua fundação em 1991. A clientela regional da UESC tem crescido muito desde então, moti- vada pela oferta de cursos voltados para as demandas regionais, a exemplo dos cursos de di- reito, administração, medicina, comunicação social, engenharia da produção e sistemas, ciên- cias da computação, e de licenciaturas em pedagogia, física, química, biologia, história geo- grafia, educação física e matemática. A influência da instituição em sua microrregião pode ser percebida na presença bastante expressiva no corpo discente, de alunos oriundos dos municí- pios Itabuna, Ilhéu, Ubaitaba, Una, Canavieiras, Ibicaraí, Uruçuca, Itacaré, Ipiaú, Camacan, Ubatã, Coaraci, Itajuípe, Jussari, Buerarema e Itapé. Além disso, é possível constatar também a presença de alunos oriundos de outras microrregiões importantes do estado, como as de Va-

lença, Porto Seguro, Itapetinga, Jequié, Metropolitana de Salvador e até de outros estados do Brasil (UESC, 2005).

Compreender este contexto regional no qual se inserem as atividades de ensino pesquisa e extensão da Universidade Estadual de Santa Cruz é necessário para situar a impor- tância regional dos cursos de formação de professores ofertados pela instituição.

Criado31 em 1999, o curso de licenciatura em matemática é um caso bastante interessante nessa dinâmica de oferta e procura por qualificação profissional. O fenômeno que faz desse curso um caso interessante é o fato de ele ser, desde a sua criação, praticamente32 o único curso específico do gênero, na micro-região Ilhéus – Itabuna. Não dispomos de dados oficiais, mas em nossa experiência33 como formadores, percebemos nas escolas da rede públi- ca das cidades de Ilhéus e Itabuna que há um bom número de professores sem formação espe- cífica em cursos de licenciatura e que a grande maioria dos professores habilitados que atuam lecionando essa disciplina no ensino médio e nas séries finais do ensino fundamental (5ª a 8ª séries), cursaram licenciatura em matemática (plena ou curta) na UESC.

Aparentemente a escassez de cursos de matemática na região, a despeito das demandas nitidamente perceptíveis, está relacionada com a decadência histórica da economia local e, conseqüentemente, do poder aquisitivo. As instituições particulares presentes na regi- ão, e que naturalmente se desenvolvem nos interstícios não cobertos pela ação pública, mani- festaram pouco interesse histórico por essa lacuna, visto que apenas no último ano algumas instituições particulares começaram a oferecer o curso, aproveitando as vantagens de mercado possibilitadas pela modalidade “à distância” (EAD).

Outro fato que nos chama a atenção e que está relacionado à singularidade do curso de licenciatura em matemática da UESC, pode ser observado em relação a seus alunos. Apesar de não existirem estatísticas institucionais a respeito, observa-se desde sua criação que uma parcela significativa dos ingressantes do curso já atua ensinando matemática em escolas da região. A maioria deles já se encontra relativamente estabilizada34 na carreira docente, em virtude da carência de profissionais de formação específica.

31 Entre 1991 e 1998, a UESC oferecia apenas o curso de licenciatura em Ciências, com habilitações para o ensi- no de matemática, física, química e biologia. Em 1999 este curso foi extinto e deu lugar às licenciaturas específi- cas nestas áreas.

32 Segundo informações disponíveis no Projeto Acadêmico Curricular do curso, ano de 2006, a UESC oferece o único curso da região na modalidade presencial.

33 Lecionamos disciplinas como Estágio Supervisionado I e II.

34 Uma parcela significativa das contratações na Bahia é feita por meio de contratos temporários. O fato de não serem realizados concurso para contratação efetiva, aliado à carência de profissionais formados, concorrem para que quase sempre a manutenção/renovação destes contratos seja realizada.

Entre eles alguns já possuem estudos em nível superior, em áreas como conta- bilidade e economia. Outros têm formação em magistério, cursado no ensino médio – curso que, aliás, responde por uma parcela significativa da formação de todo o professorado na re- gião. Por fim, também é comum nas cidades da região existir professores que começaram a atuar sem formação alguma relativa à docência.

Outro fato interessante é que uma parcela dos professores que atuam no ensino fundamental conseguiu ingressar na carreira enquanto cursava os primeiros semestres do cur- so de licenciatura. Mais do que assumir algumas aulas eventuais, muitas vezes o licenciando se compromete com um regime de trabalho que ultrapassa 20 horas semanais e, não raro, se envolve na carreira antes mesmo de concluir o curso.

Como formadores, percebemos que tanto a procura do curso de licenciatura por professores que já atuam quanto o ingresso precoce de nossos licenciando na carreira são ten- dências que têm se acentuado ao ponto de serem raros na composição das turmas, após o quinto semestre, alunos que ainda não estão envolvidos de alguma forma na atividade docen- te.

Esta breve caracterização que buscamos fazer aqui, do curso de licenciatura em matemática, com destaque para os alunos que experimentam a carreira docente enquanto bus- cam concluir os estudos na universidade, tem por objetivo primeiramente mostrar que a pro- cura pelo curso pode ser, e com freqüência é, motivada não apenas pela busca de uma forma- ção inicial para posterior ingresso na carreira, mas também para formação continuada. Esse fato, sem dúvida acentua ainda mais sua importância na região. Em segundo lugar, revela al- gumas possibilidades que consideramos interessantes e que influenciaram tanto nossa opção pelo delineamento do estudo de caso quanto a escolha do participante desta pesquisa. Nas seções seguintes, abordaremos esses assuntos.