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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

1.1. Contextualização do problema

O transporte aquaviário é responsável por mais de 90% de toda movimentação de carga em transações comerciais internacionais. Dados da ANTAQ (2014) apontam que, no ano de 2013, as instalações portuárias brasileiras movimentaram 931 milhões de toneladas, o que corresponde a aproximadamente 95% de todo comércio exterior do país, e um aumento de quase 3% em relação ao ano de 2012. Esta enorme importância do transporte marítimo de cargas ocorre pelos baixos custos que este modal agrega aos produtos. De fato, o transporte por meio aquaviário é o mais eficiente entre todos os modais, pois é aquele que consome menos energia por tonelada de carga movimentada, resultando desta forma no menor custo de transporte. Além disso, com o mercado internacional cada vez mais competitivo, existe a necessidade de cada país reduzir seus custos de produção e comercialização de produtos. Como a maior parte do comércio internacional de produtos é realizada por via marítima, isto significa que se tornar competitivo neste cenário passa por uma necessidade inquestionável de modernização do sistema portuário.

No caso brasileiro, este fator é ainda mais destacado, pois a extensa faixa costeira, com mais de 8 mil km de extensão, e a grande distância em relação a polos consumidores estratégicos como os Estados Unidos, a China e a Europa, tornam o investimento no transporte marítimo, uma necessidade estratégica nacional. E para que este transporte seja eficiente, é preciso que haja um grande investimento no desenvolvimento do sistema portuário.

Atento a isto, desde 1993, por meio da Lei de Modernização dos Portos (Lei Nº 8630 de 25 de fevereiro de 1993), o governo brasileiro procurou reestruturar este setor, promovendo tentativas de desburocratização dos processos

alfandegários, bem como incentivando o desenvolvimento de portos privados e modernização da infraestrutura de movimentação de cargas. Mesmo assim, o país ainda está muito longe de atingir o mesmo padrão dos grandes portos internacionais, e muitos avanços ainda precisam ser feitos.

A Engenharia Portuária depara-se com diversos desafios. Primeiramente porque frequentemente os portos estão instalados em locais de equilíbrio ambiental frágil, com alta biodiversidade, complexas interações entre escoamentos de água e sedimentos, e, muitas vezes, próximos a grandes centros urbanos e concentrações industriais. Em segundo lugar, porque o transporte aquaviário, especialmente o marítimo, precisa estar ligado a outros modais, como ferroviário, rodoviário, dutoviário ou aéreo, para garantir a chegada das mercadorias a seus destinos finais, incorporando, portanto, a necessidade de uma elaborada logística para garantir um alto grau de eficiência na operação do sistema.

Existe também uma forte tendência para que os portos marítimos recebam navios cada vez maiores, pois quanto maior a capacidade de carga de uma embarcação, menor a parcela de custo agregado ao produto final referente ao transporte. Portanto, receber navios de grande porte passa a ser uma vantagem comercial para o país.

A capacidade de receber navios de maiores dimensões passa pela existência de espaços náuticos mais amplos, profundos e abrigados, o que raramente é encontrado conjuntamente em condições naturais junto à costa. Por este motivo, a engenharia portuária precisa investir no desenvolvimento de projetos cada vez mais eficientes, de tal forma a aproveitar da melhor maneira possível os espaços naturais com potencial de implantação de grandes portos, além de propor medidas de intervenção economicamente viáveis e ambientalmente adequadas para adaptar este local às necessidades das grandes embarcações.

Portanto, dentre as diversas etapas a serem desenvolvidas em um projeto portuário, o dimensionamento dos espaços náuticos tem um especial destaque, pois é um dos pontos de partida para avaliação da viabilidade da instalação de um porto em um determinado local. De acordo com os tipos de carga que serão movimentadas, frota de navios que será atendida e condições ambientais locais, tais como ventos, ondas, marés, correntes, profundidades, sedimentação, entre outras, as dimensões necessárias para garantir a navegação segura em canais de acesso e bacias portuárias variam significativamente. As principais normas internacionais, a saber: PIANC (2014), USACE (2006) e ROM (1999), elencam diversos critérios determinísticos para definição das dimensões náuticas portuárias. No Brasil, a referência oficial é a NBR 13246 da ABNT (1995), que está sendo revisada com base na nova norma PIANC (2014).

Os critérios determinísticos definidos pelas normas conduzem quase sempre a dimensionamentos conservadores, que podem ser otimizados por meio de ferramentas mais sofisticadas de suporte a projetos de engenharia. Dentre estas ferramentas destacam-se os modelos físicos e computacionais.

No que tange ao dimensionamento horizontal de espaços náuticos, que tratam das larguras, raios de curvatura e sobrelarguras de canais de acesso, bem como dimensões gerais de bacias portuárias, os modelos de simulação de manobra de navios têm sido largamente utilizados desde a década de 1960 como uma importante ferramenta de otimização de projetos.

Inicialmente estes simuladores de manobras eram operados em modelos físicos de grandes dimensões, nos quais réplicas em escala reduzida de navios autopropelidos eram conduzidas por pilotos embarcados nestas réplicas. Estes simuladores de manobra tripulados são utilizados até hoje, principalmente para treinamento de pilotos.

Posteriormente, modelos físicos empregados para estudos diversos em regiões costeiras passaram a ser utilizados também como simuladores de manobras,

mas, neste caso, em função das escalas muito mais reduzidas, com navios não tripulados e controlados remotamente por rádio frequência.

Mais recentemente, com a evolução dos computadores e o acesso mais fácil a máquinas com grande capacidade de processamento de dados, os simuladores de manobra computacionais ganharam grande força. Estas poderosas ferramentas de simulação evoluíram de maneira muito significativa na última década, permitindo atualmente a reprodução com alto grau de fidelidade de todo ambiente de manobra, em uma sala de comandos similar a um navio real. São os denominados simuladores de ponte completa.

Na atualidade, as divulgações de artigos técnicos e congressos internacionais têm mostrado que praticamente todas as simulações de manobra passaram a ser realizadas em ambiente computacional, sendo que a modelagem física, no que tange a este tipo de estudo, têm se restringido a treinamento de pilotos, práticos e mestres de rebocadores por meio dos modelos tripulados de grandes dimensões.

1.2. Objetivo

O objetivo geral do presente trabalho é propor uma nova abordagem experimental para otimização dos espaços náuticos em áreas portuárias com auxílio de um simulador de manobras de navios para modelos físicos de escalas reduzidas, utilizando réplicas de embarcações rádio controladas, comandadas por práticos não embarcados.

Neste âmbito, são também objetivos do trabalho:

 Apresentar o desenvolvimento de uma nova ferramenta para simulação de manobras em modelo físico reduzido, que permita: (1) o controle mais preciso das funções do modelo do navio, como máquina e leme; (2) melhor reprodução da ação dos rebocadores; (3)

permitir a análise detalhada dos resultados das simulações por meio do registro eletrônico de todos os comandos utilizados durante a manobra, do impacto de atracação sobre a defensa e do rastreamento da posição do navio; e (4) uma representação mais fiel do ambiente de manobra por meio de simulação da visão real em alta resolução;

 Mostrar a importância da utilização desta ferramenta na análise de manobras de navios, tanto para treinamento, quanto para a viabilidade do projeto de espaços náuticos e arranjos de estruturas portuárias, em virtude da capacidade dos modelos físicos de reproduzirem fluxos hidrodinâmicos complexos com maior fidelidade em relação aos modelos matemáticos disponíveis;

 Mostrar a possibilidade de realização rápida de estudos de alternativas contando com a participação de práticos no comando das manobras, bem como de toda uma equipe inter e multidisciplinar ligada ao projeto portuário, estabelecendo-se uma sinergia para a otimização abrangente do projeto do porto.

1.3. Justificativa

A recente ascensão dos simuladores computacionais de manobra causou em muitos profissionais do meio náutico um paradigma de que os modelos físicos aplicados para tal fim teriam se tornado ferramentas superadas. Este ponto de vista de dissociação, na verdade, despreza uma importante sinergia que existe inequivocamente entre as duas ferramentas. De fato, as equações que descrevem o movimento dos navios baseados nos esforços hidrodinâmicos que agem sobre o casco da embarcação não podem ser resolvidas analiticamente, e as soluções numéricas empregadas têm diversas limitações, especialmente em regiões de fluxo complexo. Além disso, a maior parte dos coeficientes hidrodinâmicos utilizados nas soluções numéricas destas

equações precisam ser obtidos empiricamente, por meio, inclusive, de ensaios em modelos físicos.

Neste cenário, o presente texto defende a tese da importância da utilização de modelos físicos de águas nauticamente rasas como uma ferramenta de análise de manobras eficaz. Esta utilização tem especial interesse, mas não excludente de outros casos, em projetos nos quais estes modelos já estejam sendo utilizados para outras finalidades e, portanto, devidamente calibrados e validados com as condições ambientais. A reprodução de cenários com complexas condições ambientais de formação de correntes ou ondas é, via de regra, muito mais realista nos modelos físicos, quando comparado às simulações numéricas, especialmente nas proximidades de estruturas hidráulicas. Afinal, o modelo físico pode ser entendido como um grande computador analógico, que ao invés de aplicar soluções numéricas aproximadas para descrever fenômenos hidráulicos, utiliza-se da própria água para integrar naturalmente as condições de escoamento.

Neste âmbito, o presente trabalho apresenta uma abordagem para otimização de projetos de espaços náuticos fundamentada no desenvolvimento e aplicação de uma ferramenta para simulação de manobras em modelos físicos reduzidos de canais de acesso e bacias portuárias, utilizando-se de réplicas de embarcações rádio controladas pelos práticos.

Além disso, ao final do trabalho, será lançada a ideia para futuras pesquisas de que, além do ganho de qualidade na análise do problema, o uso de modelos físicos como simuladores de manobra também pode representar uma vantagem estratégica para o projeto executivo, quando integrada aos simuladores computacionais de ponte completa. Isto porque os modelos físicos permitem uma avaliação mais rápida de alternativas de manobra para diferentes condições ambientais, e, consequentemente, reduzem os cenários a serem representados nos simuladores computacionais de ponte completa. Esta ideia está alinhada com uma tendência mundial que tem sido aplicada em diferentes tipos de estudos de Engenharia Hidráulica e Naval, que é a

integração dos modelos físicos e computacionais para melhor representação de fenômenos, conhecida internacionalmente como modelagem híbrida.