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uanto ao surgimento da pedagogia histórico-crítica, devemos distinguir duas coisas: de um lado, a emergência de um movimento pedagógico; e, de outro, a escolha da nomenclatura. Enquanto movimento pedagógico, veio responder à necessidade de encontrar alternativa à pedagogia domi­ nante. Sua formação ocorre no final da década de 1970. Uma das marcas da década de 1970 foi o desenvolvimento das análises críticas da educação. Isso correspondia a uma necessidade histórica, especialmente no caso brasileiro, onde tínhamos que fazer a crítica da pedagogia oficial, evidenciando o seu caráter reprodutor. Mas era um movimento que não estava vinculado apenas à situação brasileira. Era um movimento de caráter internacional, cujas teo­ rias foram elaboradas no final da década de 1960 e início da década de 1970. Costumo situar essas teorias como uma tentativa de compreender o fracasso do movimento de maio de 1968, ou, mais amplamente, dos movimentos da década de 1960, marcados pela rebelião dos jovens. Nessa mobilização, a escola, centro dos processos educativos e que basicamente se dirigia às novas gerações, foi a instituição mais contestada e abalada. Esse movimento vai adquirir, especialmente em 1968, as características de uma verdadeira rebelião social em que, através da revolução cultural, se tentava mudar as próprias bases da sociedade a partir dos setores jovens, tendo à frente os es­ tudantes universitários. Esse fenômeno adquiriu tais proporções que diversos intelectuais, entre eles Herbert Marcuse, consideraram que o protagonismo revolucionário se teria deslocado do proletariado para a juventude.

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marxismo e de outras versões, fossem elas diferenciadas ou, até de algum modo, críticas com relação ao marxismo, ou seja, como versões próprias que, ao ver de seus representantes, eram mais consistentes e mais avançadas do que o próprio marxismo.

Nesse sentido foi muito forte a influência do maoísmo, que foi a versão do marxismo na experiência chinesa, de certo modo contraposta à versão russa. Isso teve, na Europa, um peso importante, porque a versão russa tra­ zia a marca do stalinismo e de posições autoritárias exacerbadas por fatos de grande repercussão como a denúncia dos crimes de Stalin por Kruchev no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, realizado em fevereiro de 1956, a repressão à Hungria, em novembro de 1956, e a inva­ são da Tchecoslováquia, inviabilizando a “primavera de Praga” em agosto de 1968, ano em que havia eclodido a rebelião estudantil. Nesse cenário, os intelectuais de esquerda tendiam a ser dominantemente críticos em relação à versão russa do marxismo e do socialismo. Enquanto isso, a experiência chinesa - a China entra em dissidência com a União Soviética - passou a ser uma referência nessas análises críticas. O próprio Sartre fez militância de esquerda numa linha próxima dos chamados grupos “gaúches”, de orientação maoísta, polemizando com o partido comunista francês, então alinhado com a União Soviética.

Como se sabe, a grande mobilização que desembocou na rebelião de maio de 1968 fracassou. E a questão que se pôs para os teóricos foi a de tentar explicar a razão desse fracasso. A meu ver, as teorias crítico-reprodutivistas surgem dessa tentativa, pois se a característica dessa mobilização era bus­ car revolucionar a sociedade por meio da cultura e, dentro da cultura, pela educação, vinha a questão: a cultura tem força para mudar a sociedade? A conclusão a que as referidas teorias irão chegar é que não. Não é a cultura que determina a sociedade. É, ao contrário, a sociedade que determina a cultura. Nessa direção desenvolve-se o esboço de Althusser: “Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado”, um artigo publicado em 1970 como “notas para uma investigação” em que se evidencia a determinação material da ideologia e se distinguem os aparelhos ideológicos dos aparelhos repressivos de Estado, cumprindo, ambos, as funções de cimentar as relações de força e reproduzir as condições sociais dominantes.

Em 1970, formula-se uma teoria muito mais elaborada e mais sistemá­ tica, de grande alcance e de extremas pretensões, e que passou a ser conhecida como a teoria da violência simbólica, expressa no livro A reprodução. A essa análise prefiro chamar de teoria do sistema de ensino como violência sim-

DERMEVAL SAVIANI 113 bólica, porque a teoria que é explicitada nesse livro se refere ao sistema de ensino. A teoria da violência simbólica, propriamente dita, opera como um pressuposto e está sintetizada no enunciado do “axioma zero”, cujo conteúdo evidencia que a cultura é violência simbólica na medida em que reproduz, le­ gitimando e reforçando, por dissimulação, as relações de força que lhe servem de base. Tal enunciado é denominado “zero” justamente porque antecede. É uma proposição anterior a qualquer outro enunciado. A partir dela, com efei­ to, podem-se construir teorias específicas relativas a cada um dos setores da cultura como, por exemplo, uma teoria dos meios de comunicação de massa enquanto violência simbólica. Já a teoria desenvolvida na obra A reprodução explicita o tipo de violência simbólica que caracteriza o sistema de ensino no exercício de seu papel de reprodução da cultura arbitrária dos grupos ou classes dominantes.

Em 1971 é publicado o livro de Baudelot e Establet A escola capitalista

na França, em que se demonstra também que a escola inculca a ideologia

burguesa e reproduz as relações de dominação burguesa. Isso em toda a so­ ciedade, tanto nos membros da classe dominante quanto nos membros da classe dominada, ou seja, do próprio operariado.

Se Althusser tem uma inspiração marxista, inclusive como intelectual do partido comunista francês, Bourdieu e Passeron já não se incluem nesse universo do marxismo. Sua orientação principal deriva de Weber. Embora considerem as contribuições de Marx, essas são subordinadas à orientação predominante, que é a de Weber, à qual se associa também Durkheim.

Já Baudelot e Establet são autores que se situam no interior do marxis­ mo. Formaram-se sob a influência de Althusser, rompem com ele e passam a desenvolver uma teoria articulada com o maoísmo. Eles se empenharão em fazer um trabalho centrado na teoria da contradição, e pretendem fazer uma análise sustentada teoricamente no marxismo. O resultado de sua análise é mais uma crítica contundente ao caráter reprodutivista do aparelho educa­ cional. Mantêm a ideia de Althusser de que a escola é um aparelho ideológico de Estado e tentam mostrar a sua função. Procuram explicitar aquilo que em Althusser aparecia apenas como uma ideia diretriz, e farão isso a partir de uma análise detalhada dos dados estatísticos relativos ao sistema de ensino francês. É por esse caminho que eles chegarão ao entendimento de que o sis­ tema de ensino é constituído por duas redes: a rede SS (secundária-superior) e a rede PP (primária-profissional). Essas articulam-se no objetivo comum de realizar a inculcação ideológica e a reprodução das relações sociais de produção.

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Essa compreensão teórica, de certo modo, reiterava algo que já estava presente no movimento de maio de 1968, mas de uma forma em que se eli­ minavam as saídas no campo pedagógico. Porque na década de 1960 toda a crítica à burocracia e às instituições e, entre elas, dominantemente a escola, fazia-se com o horizonte de superação desses limites. Por isso, o movimento de maio de 1968 estava fortemente marcado pela pedagogia institucional, que era uma corrente pedagógica que fazia críticas à instituição escolar visando a instaurar relações igualitárias. É por esse caminho que se procurou realizar a revolução social pela revolução cultural. Uma vez que essa tentativa fracassa, as novas teorias tentarão explicar por que fracassaram. E todas chegarão, basicamente, à conclusão de que não podiam não ter fracassado, pois se a cultura é determinada pela sociedade, então não é possível fazer a revolução social pela revolução cultural. Seria necessário fazer o contrário. Só se pode mudar a cultura mudando as bases da própria sociedade.

Assim que essas teorias se foram formulando e difundindo, foram sendo assimiladas, e nós, aqui no Brasil, as assimilamos rapidamente. Isso porque no mesmo momento em que surgiam na França já estavam circulando aqui em nossos cursos de pós-graduação. Por meio delas alimentavam-se as resistências ao regime militar. Eram armas utilizadas para fustigar a políti­ ca educacional do regime militar, que era uma política de ajustamento dos aparelhos ideológicos do Estado utilizados como instrumentos de controle da sociedade, visando a perpetuar as relações de dominação vigentes. Aquelas teorias foram assimiladas com essa finalidade e com esse objetivo bem prático e específico.

À medida que a situação se foi alterando, em parte por conta do apro­ fundamento destas lutas e também porque a própria ditadura se estava in­ viabilizando após a crise do “milagre econômico”, o regime militar elabora a estratégia da distensão lenta, gradual e segura que começa a ser implementada com a posse de Geisel, em 1974. E os limites das teorias crítico-reprodutivistas começam a evidenciar-se, pois vai ficando cada vez mais claro que a luta contra a ditadura também implicava a formulação de alternativas. No campo educacional, o problema colocava-se nos seguintes termos: se a pedagogia oficial era inaceitável, qual seria então a orientação alternativa aceitável? A visão crítico-reprodutivista não dava resposta para essa pergunta. Não tinha uma proposta de orientação. Fazia a crítica do existente, mostrando que este desempenhava a função de reprodução. Essa crítica foi mais longe com a formulação mais acabada de Bourdieu e Passeron, que deixaram claro que toda proposta pedagógica, qualquer que ela seja, sempre desempenhará esse

DERMEVAL SAVIANI 115 papel, quer os agentes tenham ou não consciência disso. Portanto, não haveria saídas no campo educacional.

No entanto, o que cada vez mais se vinha colocando para o movimento dos educadores era a busca de alternativas. A partir daí, a discussão dessas teorias começa a aprofundar-se, no intuito de detectar os seus limites e buscar a sua superação.

Deve-se notar que a crítica já vinha sendo formulada na própria ori­ gem, isto é, na França, como o ilustram os trabalhos de Vincent Petit, “Les contradictions de ‘La réproduction” (Petit, 1973), e de Georges Snyders, École,

classe et lutte de classes (Snyders, 1976b). No Brasil, partindo desses trabalhos, procuramos aprofundar a crítica explicitando os limites dessas teorias, mo­ mento esse em que cunhei a expressão crítico-reprodutivismo para caracte­ rizar esse grupo de teorias. Contra essa denominação, argumenta-se que ela teve o efeito de desqualificar as referidas teorias, conduzindo os educadores a concluir que não era necessário estudá-las. Diante desse argumento, são oportunos os seguintes esclarecimentos:

a) Admito que as críticas formuladas possam ter produzido nos pro­ fessores o efeito mencionado. No entanto, devo frisar que jamais foi esse o meu entendimento. Ao contrário. Como professor, sempre incluí nos programas das disciplinas que ministrava o estudo des­ sas teorias. E, se no caso das outras teorias eu me contentava em debater com os alunos os textos indicados para leitura, no caso de

A reprodução, de Bourdieu e Passeron, consciente das dificuldades

que os alunos teriam em compreendê-la, eu fazia, em classe, uma leitura comentada das proposições constitutivas do livro 1 da refe­ rida obra.

b) O fato de as teorias que chamei de “crítico-reprodutivistas” não apre­ sentarem alternativa, isto é, não fornecerem uma orientação pedagó­ gica para a prática educativa, não pode ser considerado, em sentido próprio, como um limite, uma vez que jamais tiveram essa pretensão. Conforme uma distinção sugerida por Luiz Antônio Cunha em nos­ sas muitas conversas sobre essas questões, trata-se de “teorias sobre a educação” e não de “teorias da educação”. Seu objetivo é, pois, compreender e explicar o modo de funcionamento da educação e não orientar a forma de realização da prática educativa.

c) O fato de serem “teorias sobre a educação” e não “teorias da edu­ cação” não implica que não tenham trazido elementos da maior

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importância para se entender a própria prática educativa. Ao con­ trário. Estando empenhadas em compreender e explicar o modo de funcionamento da educação, tais teorias formularam categorias de grande relevância para o entendimento da prática educativa. Estão nesse caso os conceitos de “Aparelhos ideológicos de Es­ tado” (Althusser), “Rede PP: Primária-Profissional” e “Rede SS: Secundária-Superior” (Baudelot/Establet), “Capital Cultural” e, principalmente, habitus (Bourdieu/Passeron). Eu próprio lancei mão do conceito de habitus, a meu ver equivalente ao conceito de “segunda natureza” (Gramsci), ao tentar compreender e explicar a natureza e especificidade da educação.

d) Em suma, as referidas teorias já podem ser integradas no âmbito das abordagens clássicas da educação que, como tais, devem ser estuda­ das por todos aqueles que pretendem, de modo sério, protagonizar o “campo educativo”. E o conceito de “campo” é outra categoria que devemos a Bourdieu.

Após esses esclarecimentos retomo a contextualização histórica.

O contexto do final da década de 1970 era de busca de alternativas. Em 1978 houve um seminário de educação brasileira em Campinas. Nele ainda é possível perceber como a visão crítico-reprodutivista era predominante. Mas em 1979 as três principais entidades da área de educação, que acabavam de ser constituídas, unem-se para organizar a série das conferências brasileiras de educação. Trata-se da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), surgida em 1977, do Centro de Estudos Educação e

Sociedade (Cedes), articulado em 1978, e Associação Nacional de Educa­ ção (Ande), fundada em 1979.

Em 1980 realiza-se a I CBE. A temática relativa à busca de alternativas fez-se presente, de maneira forte, em sua programação. Isso também estava associado à situação política do país. Nesse período, a oposição ao Regime Militar já tinha conquistado algumas prefeituras e tinha feito experiências de políticas educacionais alternativas, como foi o caso de Lages e Piracicaba. E, restabelecidas as eleições diretas para governadores dos estados, tinham início, já em 1980, as campanhas para as eleições que iriam ocorrer em 1982. Assim, abria-se a perspectiva real de a oposição chegar ao poder nos estados, o que trazia a exigência de se formular uma política educacional consoante com o discurso da oposição.

A CBE de 1980, de alguma forma, espelha essa problemática. Nessa conferência participei do simpósio “Abordagem política do funcionamento

DERMEVAL SAVIANI 117 interno da escola de primeiro grau”. Dadas as circunstâncias em que ocorreu o simpósio, decidi fazer a abordagem do tema invertendo os termos em que a pedagogia tradicional e a pedagogia nova se contrapunham na visão dos professores. A exposição foi gravada e transcrita, dando origem ao artigo “Es­ cola e democracia ou a teoria da curvatura da vara”, publicado, primeiro, no número 1 da Revista da Ande e depois incluído no livro Escola e democracia.

E para fazer o contraponto usei expressões bem antípodas.

Embora na visão dominante a Escola Nova seja uma concepção consi­ derada inovadora e não propriamente revolucionária, a visão que os professo­ res subjetivamente têm é que a inovação é sempre uma coisa muito avançada, que está na ponta, na frente. Então eu carreguei nas tintas e usei a expressão

revolucionária. E, para contrapor, usei o termo reacionário. Assim procedi

no intuito de fazer uma provocação. Daí o enunciado da primeira tese: “Do caráter revolucionário da pedagogia tradicional e do caráter reacionário da pedagogia nova”. A divulgação dessa análise, de cunho polêmico, teve grande repercussão e provocou muitas reações.

No ano seguinte, em novembro de 1981, quando participei de um semi­ nário sobre a estrutura do ensino na universidade brasileira na Universidade Federal de São Carlos, já no final do debate apareceu uma pergunta indagando se não seria conservador defender a pedagogia tradicional contra a Escola Nova. Respondi em tom jocoso: bem, isto é uma coisa que espero esclarecer em um outro texto que estou pensando em elaborar e que provavelmente se chamará “Para além da teoria da curvatura da vara”. De fato, no número 3 da Revista da Ande foi publicado, em 1982, o artigo “Escola e democracia II:

para além da teoria da curvatura da vara”, que veio a constituir o capítulo III do livro Escola e democracia, cuja primeira edição é de 1983. Nesse texto, estão esboçadas as linhas básicas daquilo que posteriormente viria a ser chamado de pedagogia histórico-crítica, que, mantendo a terminologia utilizada no artigo anterior por razões polêmicas, aparecia com o nome de pedagogia revolucionária.

A denominação histórico-crítica veio como um desdobramento des­ se processo. Na PUC-SP, os alunos passaram a me cobrar a oferta de uma disciplina optativa que aprofundasse o estudo da pedagogia revolucionária. Claro que eu poderia atender a essa demanda, sem dúvida, justificada. Mas a dificuldade era propor uma disciplina com o nome de pedagogia revolucio­ nária. Com efeito, falar de uma pedagogia revolucionária é algo problemático, uma vez que a atitude revolucionária diz respeito à mudança das bases da sociedade. Era preciso, pois, encontrar uma denominação mais adequada.

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Nessa busca, a primeira alternativa que me veio à mente foi pedagogia dialé­

tica. De fato, o que se pretendia era uma proposta pedagógica que estivesse

atenta aos determinantes sociais da educação e que permitisse articular o trabalho pedagógico com as relações sociais. Mas isso não se poderia dar de forma mecânica. Teria que ser em termos dialéticos, ou seja, teria que levar em conta a ação recíproca em que a educação, embora determinada, em suas relações com a sociedade reage ativamente sobre o elemento determinante, estabelecendo uma relação dialética. Mas havia o problema da ambiguidade da palavra dialética e da expressão pedagogia dialética. Essa ambiguidade tem a ver não apenas com a dialética idealista de Hegel, mas com outras versões que remontam às origens gregas em que o termo dialética aparecia como sig­ nificando contraposição de ideias e aproximando-se, pela raiz da palavra, de

dialógica, diálogo. Esse significado etimológico foi retomado pela orientação

filosófica da fenomenologia que restabelecia a dialogicidade lançando mão da palavra dialética dentro desse contexto teórico.

No campo pedagógico também tínhamos alguns complicadores. Um deles era o livro de Schmied-Kowarzik (1983), cujo título era exatamente

Pedagogia dialética. Eu não tinha muita segurança sobre a orientação teó­

rica do autor porque não conhecia mais de perto a sua trajetória, mas em minha percepção o autor entendia por dialética o movimento do real e não propriamente uma concepção. Só dessa forma é possível entender porque ele colocava tantos autores, que claramente não tinham uma concepção dialética de educação, nesse campo. Como se pode configurar, senão dessa forma, uma concepção dialética de educação que vai desde Aristóteles até Paulo Freire como está registrado no subtítulo da tradução brasileira? Nós sabemos que a dialética só se formula, como uma concepção, a partir de Hegel. Antes dele não podemos falar numa concepção dialética. É possível falar de precursores, de antecedentes. Nesse sentido é que se pode remontar a Heráclito. Mas enquanto formulação articulada e sistemática, isto é, como lógica e teoria do conhecimento, a dialética só se constitui a partir de Hegel. É ele quem introduz a negatividade como categoria lógica. Até aí domina a lógica formal.

Um outro complicador era representado pelo livro de Moacir Gadotti,

Concepção dialética da educação, publicado em 1983. Esse livro era composto

de quatro capítulos. Os dois primeiros, denominados, respectivamente, “A dialética: concepção e método” e “Crítica da educação burguesa”, estavam constituídos por um trabalho de erudição no qual se multiplicavam as refe­ rências de autores situados, de um ou outro modo, no universo do marxismo.

DERMEVAL SAVIANI 119 O último capítulo é dedicado à educação brasileira, percorrendo sua trajetória desde 1930 ao momento da publicação, no início da década de 1980. No tercei­ ro capítulo, sob o título “Crítica da pedagogia crítica”, o autor discorre sobre as pedagogias não diretivas, concluindo com a apresentação da experiência de pedagogia institucional da qual participou quando fazia o seu doutorado em Genebra. Mas nem a pedagogia institucional pode ser considerada expressão da concepção dialética de educação nem o autor, naquela época, adotava uma