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3 AS ELEIÇÕES ESTADUAIS DE 2014 E A CONSTRUÇÃO DAS NOÇÕES DE ÉTICA NOS JORNAIS

O tucano havia emprestado seu prestígio a Ricardo em 2010 para ajudá-lo a reunir votos pelo interior do Estado dando musculatura eleitoral e fortalecendo o nome de Coutinho em toda a Paraíba. Quatro anos depois, houve da parte de Cássio a tentativa de desconstruir o ethos que ele mesmo havia ajudado a criar na construção da imagem de Ricardo, que por sua vez, se esforçou no mesmo sentido, já que havia se aliado a Cássio confiante no legado político da família Cunha Lima em 2010.

Os papéis se renovaram, mas aspectos antigos da tradicional briga entre

“ronaldistas-cassistas” versus “maranhistas” se repetiram em 2014, bem como as estratégias de ataque e defesa. Algumas delas, arquitetadas por Cássio contra Maranhão em 2006, acabaram ressuscitadas contra Coutinho em 2014. Da mesma forma Ricardo, que havia disparado críticas contra Maranhão em 2010, mirou em 2014, os mesmos ataques a Cássio, herdeiro de um legado político histórico na Paraíba e que seguiu a trajetória do pai, o ex-senador Ronaldo Cunha Lima, como traz Mello (2010, p.60):

(...) esgotado o ciclo militar, em 1985, tornou-se dominante na Paraíba, ao eleger governadores, senadores, a maioria das bancadas federal e estadual em 1986, 1990 e 1994, além das prefeituras das principais cidades. Cristalizando dissensões próprias de agremiação que inchava, o episódio de 98 colocou frente a frente o governador José Maranhão, eleito vice-governador em 1994 e tornado titular com o falecimento de Antônio Mariz, em 16 de setembro de 1995, e o chamado grupo Cunha Lima, sob a liderança do senador Ronaldo.

Dentro do PMDB, enquanto Maranhão ampliava espaços, os Cunha Lima fortaleciam-se com o controle das prefeituras de João Pessoa, com Cícero Lucena, e Campina Grande, através de Cássio Cunha Lima, filho de Ronaldo e apregoado sucessor deste.

Neste sentido, Câmara (2015) reforça que o sobrenome Cunha Lima possuía uma relevância política capaz de decidir disputas eleitorais e que, por isso, sempre gozou de grande prestígio no meio político paraibano. Cássio ainda muito jovem foi fruto dessa cultura política paternalista, que o ajudou a ingressar cedo nas disputas eleitorais emplacando o primeiro mandato a deputado federal aos 23 anos em 1986 e depois a Prefeitura de Campina Grande em 1988, aos 25 anos, acumulando em anos posteriores mais três mandatos como gestor daquela cidade até tentar voos maiores, rumo ao Governo do Estado.

Aires (2014) reflete que a política paraibana contemporânea foi marcada pela cisão histórica entre as famílias Maranhão e Cunha Lima, na década de 1990, gerando uma polarização que chegou até a se reproduzir nos principais meios de comunicação do Estado. Nesse contexto, Vieira (2006) conta que ataques sofridos por Cássio durante campanhas sucessivas sempre relacionaram de forma pejorativa o poder que a família

Cunha Lima detém no meio político paraibano associando-a avelhas práticas e a um imaginário tradicional. O autor comenta que falar em Cássio, para os adversários:

Deveria remeter a características notoriamente nocivas ao desenvolvimento e à evolução cultural do povo paraibano: o coronelismo, a indústria da seca, os currais eleitorais, o voto de cabresto, os matadores de aluguel, os confrontos sanguinários entre famílias, a corrupção e a chantagem eleitoreira, entre outros conceitos que envergonham os paraibanos (VIEIRA, 2006, p.19).

Em oposição a isso, aparece Ricardo Coutinho com um currículo distante das heranças familiares da política e a após ter conquistado o primeiro mandato de vereador em João Pessoa em 1992. Em 1996, assegurou a reeleição. Em 1998, conquistou o mandato de deputado estadual e foi reeleito em 2002. Dois anos depois, Ricardo Coutinho venceu as eleições para prefeito da capital. Em 2008, ele garantiu um novo mandato. Em 2010, entra na disputa com José Maranhão para o governo do Estado, quando foi eleito pela primeira vez.

Coutinho vem de um berço calcado nos movimentos sociais e lutas sindicais e construiu seu ethos apostando numa imagem de trabalho e modernidade em contraponto à ideia de uma cultura política antiquada, de favorecimentos pessoais e apadrinhamento.

No entanto, Ricardo – mesmo sustentando um discurso progressista - entrou no jogo apoiado por Cássio, estratégia vista também como uma alternativa do tucano testar o seu poder novamente contra o clã “maranhista”.

Sobre isso, Câmara (2015) diz que a entrada de Ricardo na disputa ao Governo da Paraíba apoiado por Cássio em 2010 era a oportunidade de o tucano - além de garantir os interesses da família Cunha Lima no governo -, de colocar à prova, novamente, o poder político de Cássio no Estado. “Apoiando Coutinho contra Maranhão, Cássio poderia emergir como o grande vitorioso, já que mostraria que continua forte perante o eleitorado, mesmo depois de um escândalo político (CÂMARA, 2015, p. 84). A autora se refere aqui ao escândalo da FAC, que fez Cássio perder o mandato adquirido em 2006 após ser cassado em 2009.

Ironicamente, Ricardo – defendendo um discurso moderno - surfou na popularidade do imaginário de tradição (CHARAUDEAU, 2013) dos Cunha Lima para ser eleito. Se a disputa de 2010, de certo modo, foi a continuação da briga de poder que começou ainda na década de 1990 entre “ronaldistas” e “maranhistas” - posteriormente assumida pelos “cassistas” contra Maranhão -, a eleição de 2014apenas inverteu esses papeis, mas não a lógica da coisa. Pois em 2014, Ricardo – após conseguir levar a

campanha para o segundo turno, com uma pequena margem de votos atrás de Cássio – buscou o apoio do palanque de Maranhão. Portanto, em ambas as disputas (2010 e 2014) Ricardo surge como alternativa para atender aos interesses dos dois grupos mais tradicionais da Paraíba. Ou seja, Coutinho teve suas duas candidaturas ao governo do Estado alçadas tanto pela via “cassista” como a “maranhista”.

Curiosamente a ascensão de Ricardo como grande força política estadual foi turbinada pelos dois personagens que ele mais criticou na história recente da política paraibana. Como estratégia de desconstrução do ethos político de Cássio, Coutinho recorreu em 2014 a um discurso já marcado em eleições anteriores, afirmando que o PSDB representava o passado e as velhas práticas de clientelismo e favorecimentos pessoais.

Já Cássio tentou descontruir o ethos de trabalho e modernidade de Ricardo alegando que o socialista havia implementado um governo traidor dos interesses do povo após as promessas de 2010, tornando-se, após assumir o governo, um político perseguidor, corrupto, mentiroso e ceifador da liberdade do povo e dos funcionários públicos. Cássio denunciava aveia perversa de uma gestão que, segundo ele, mascarava a realidade. A eleição de 2014 resgatou novos e velhos discursos, rearranjos de antigos debates e o aprofundamento da polarização da política paraibana. É neste contexto que nossa análise acontece, investigando primeiramente as origens conceituais e filosóficas presentes no slogan das campanhas de Ricardo Coutinho e Cássio Cunha.