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2.2 ÉTICA, MÍDIA E DISCURSO POLÍTICO

2.2.1 Dois lados da moeda

Apesar extintas ou enfraquecidas, essas práticas deixaram vestígios nos dias hoje e permeiam o imaginário político na Paraíba, especialmente, quando reproduzidos dentro da esfera dos meios de comunicação. Atualmente, os chefes políticos e - a grosso modo

“coronéis-moderno” - ao invés de pegarem em armas, compram uma concessão pública de rádio e TV dominando agora o que Bourdieu define como poder simbólico e interferindo diretamente na agenda das pessoas. Neste sentido, Bourdieu (2015, p.69) reflete que “a manutenção da ordem simbólica contribui diretamente com a manutenção da ordem política”. E é justamente essa relação entre mídia e política que vamos investigar em detalhe a partir de agora.

dessa relação ocorreu nas eleições 1989, quando a estratégia presente no discurso político passou a dialogar com a técnica e a depender da gramática do próprio veículo, sob o fenômeno do espetáculo, ainda não verificado na época.

Com o passar dos anos, cada vez mais o discurso político ficou dependente do campo das mídias e expandiu seus horizontes acompanhando a evolução técnica dos media ao passo quer e inventou sua própria geometria discursiva para atender às exigências do meio – flertando dessa forma com as estratégias de intervenção social oferecidas pela midiatização.

Fausto Neto (2004) reforça que nesse processo é possível relativizar a hegemonia do campo político na exposição de valores porque é um campo formado também por interesses dos outros campos discursivos e nesse esquadro é inquestionável a influência dos veículos de comunicação. Esse contexto marca uma célebre frase, publicada no livro Comunicação e Política (1990, p. 15) onde o ex-presidente Lula, analisando o resultado da derrota contra Collor de Melo, em 1989, diz: “Os meios de comunicação deixaram de ser subordinados a uma política, uma ideologia, num poder autoritário, para serem eles próprios a materialização do poder”.

Lula denunciava, com isso, uma reconfiguração da estratégia política que deveria considerara partir dali as exigências do campo midiático, apontando sobre ele um caráter intervencionista na vida cotidiana.

Como se observa em várias ocasiões do processo político brasileiro mais recente, o campo das mídias e da TV não se constitui apenas num dispositivo de representação do que se passa na cena política, mas se converte, segundo estratégias discursivas distintas em dispositivos que não só narram, mas agem sobre o espaço público, evocando a si, muitas vezes, a condição de um poder a partir do qual põe em funcionamento estratégias de onde se aponta os caminhos e os destinos da política e os de seus atores (FAUSTO NETO, 2004, p.120).

Essa reflexão nos remonta novamente a Lula em 89, quando a Rede Globo pautou o ethos dele e de Collor a partir de processos evidentes de edição de imagens. Também em 1994, como traz Fausto Neto (2004, p.121), quando jornais e TV apostaram numa tática massiva de análises de pesquisas de opinião “construindo assim uma propaganda política peculiar, uma vez que procuravam agendar os dados das pesquisas, segundo óticas que enquadravam os candidatos em situações favoráveis e desfavoráveis. ”

O jornalismo assim praticado, alerta Fausto Neto (2004),é um desdobramento da política, pois sem ele e suas enunciações seriam impossível na sociedade midiatizada.

Neste sentido, analisar a relação entre mídia e política, especificamente a função do

jornalismo num cenário de eleições, é perceber, de antemão, a complexidade do tema diante a possibilidade de convergência ou não deste com o discurso político numa perspectiva em que o dois se transformarem atores de um mesmo processo, inclusive, a favor da mesma produção de sentidos.

Na visão de Miguel (2007, p.215), um dos problemas que levam a esse tipo de comportamento da mídia é a concentração do poder midiático nas mãos de poucos. “A concentração da mídia – isto é, a capacidade de produzir informações e de participar do debate político – é um dos principais pontos de estrangulamento da democracia brasileira”. O autor discute que não se trata apenas da existência de um conglomerado dominante, mas porque todas as grandes empresas do setor comungam dos mesmos pontos de vista pautando e compartilhando os mesmos valores.

A mídia brasileira carece, conclui Miguel, de um maior pluralismo para não se colocar em xeque a própria democracia. Desse modo, a noção de pluralismo midiático converge com ado próprio jornalismo, para que ele possa trabalhar com diversos pontos de vista. Num contexto de eleições, essa atitude dá ao cidadão o direito de observar os diversos jogos ideológicos presentes no palco midiático para que o leitor ou telespectador possa, a partir daí, tirar suas próprias conclusões. Isso evita que o debate político na imprensa, por exemplo, seja unilateral e a favor de certos contextos e candidatos, comprometendo, portanto, o resultado do processo eleitoral.

Nunes (2004, p.367) relativiza esse perfil manipulador da imprensa refletindo que eleições, mídia e expectativas do povo estão intimamente relacionadas, mas, neste contexto, o eleitor participa ativamente do processo selecionando discussões, apontando falhas e acertos, influenciando também diretamente na construção do ethos do candidato num processo coletivo. “Na verdade, a estratégia não é de manipulação, mas de identificação dos interesses coletivos, capitalização desses interesses e transformação num produto atraente e digerível para as massas, elaborado pelos meios da comunicação”.

Com isso, não se trata, somente, de dizer que a imprensa é capaz de influenciar os cidadãos a votar em determinado candidato, mas sim de reconhecer que todas as informações repassadas são absorvidas e interpretadas por cada um dos leitores, formando um painel importante de consulta simbólica e ressiginificação, ao qual as pessoas podem recorrer para apoiar suas escolhas. Desse modo, atualmente, a política deve ser pensada inevitavelmente, incorporando a comunicação como ferramenta indispensável para a sua realização.

Também refletem neste sentido Aldé (2007), Figueiredo (2007) e Mendes (2007), ao encarar a politização da imprensa não como algo negativo, mas a partir do pluralismo proposto anteriormente por Miguel (2007):

A politização da imprensa não é, em si, condenável ou louvável. O posicionamento em relação a temas e projetos da pauta pública contribui para alimentar o repertório disponível aos cidadãos para que formem opiniões e tomem decisões. No entanto, o democrático é que haja uma pluralidade de informações e opiniões à disposição do público. Este pluralismo pode ser interno – quando cada veículo pretende trazer todas as versões e interpretações para as notícias – ou externo, quando várias empresas jornalísticas dividem o público de acordo com as suas opiniões políticas, oferecendo linhas editoriais explicitamente diferentes (ALDÉ, FIGUEIREDO, MENDES, 2007, p. 170).

Por outro lado, outros pesquisadores encaram negativamente essa postura politizada da imprensa ao identificar que o papel do jornalismo ultrapassou a mera divulgação do fato político, o que evidencia o poder de interferência dos medias no contexto eleitoral. Na visão de Amaral (apud Nunes, 2004, p.360), os veículos de comunicação estão agindo de forma politizada e partidarizada, o que lhe parece um novo papel assumido pelos meios de comunicação atualmente.

(...) politizados, partidarizados, construtores do discurso único, do discurso unilateral, do discurso monocórdio do sistema. esses meios – que no passado, tão relevantes serviços prestaram à democracia – de há muito abandonaram o clássico papel de intermediação social. são hoje atores. não reportam: interferem no fato e passam a ser o fato; não narram, invadem o andamento do fato em narração; não informam, constroem a opinião, não noticiam, opinam. mas do que nunca a realidade é o fato, mas a sua versão.

Essa discussão nos leva inevitavelmente à reflexão sobre o papel que o jornalismo desempenha durante o período eleitoral, no sentido de auxiliar o cidadão a formar ou reforçar uma opinião política, oferecendo diferentes cenários a respeito dos candidatos na missão de deixar o leitor o mais bem informado possível. Câmara (2015, p.64) reforça essa reflexão afirmando que o jornalismo durante o período eleitoral deve procurar localizar os cidadãos nas discussões sem buscar interferir na pauta política, porque se torna alvo das tentativas de interferência também pela instância política. “Os candidatos, sabendo desse caráter de guia do jornalismo, pensam em formas de usar os recursos midiáticos em benefício próprio, tornando suas propostas especialmente simplificadas para os diversos formatos de mídia”.

Dessa forma, o comportamento mais adequado seria apresentar à população candidatos e suas propostas, viabilizando um painel didático diante do qual o eleitor pode preencher suas lacunas de dúvidas e indecisões.