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Capítulo 5. Os dados não dados: análises dos resultados

5.1. Contextualizando as instituições abrigo

A escolha por pesquisar abrigos, surgiu da necessidade de pensar estas instituições também como promotoras de educação e de ações que garantam às crianças e adolescentes os direitos que lhes foram violados e negados (ECA, art. 94, I a XX), principalmente no ambiente familiar. Utilizou-se a definição de abrigo nesta pesquisa de Silva e Mello que tomam por base o ECA em seu artigo 90, que define o abrigamento como medida de proteção às crianças e adolescentes que necessitem ser afastados do convívio familiar, “funcionando como uma moradia alternativa até o retorno à família de origem ou até a colocação em família substituta” (2004, p .37). O encaminhamento dessas crianças deve ser feito através de decisão da Justiça da Vara da Infância e da Juventude e também através dos Conselhos Tutelares (idem.).

De acordo com o dicionário de sociologia, instituição é definida como “um conjunto duradouro de idéias sobre como atingir metas reconhecidamente importantes na sociedade” (1997, p. 130). De modo geral, quase todas as sociedades possuem instituições,

como por exemplo, a família.

Tais instituições variam de acordo com as funções sociais que exercem. Retomando o exemplo da família, essa instituição teria por função social a procriação, o cuidado com a prole, sua proteção e socialização. Para Albuquerque (1986, p. 34), a família seria o “terreno onde nascem as relações humanas”.

Nesta perspectiva, as instituições são criadas na tentativa de atender às demandas sociais produzidas através das relações estabelecidas entre os diferentes grupos sociais e suas necessidades concretas.

Berger e Luckmann (1976, p. 79-80), complementam que:

As instituições implicam, além disso, a historicidade e o controle [...]. As instituições têm sempre uma história, da qual são produtos. É impossível compreender adequadamente uma instituição sem entender o processo histórico em que foi produzida. As instituições, também, pelo simples fato de existirem, controlam a conduta humana estabelecendo padrões previamente definidos de conduta, que a canalizam em uma direção por oposição às muitas outras direções que seriam teoricamente possíveis.

Com efeito, toda e qualquer instituição social desempenha funções concretas que, por sua vez, são vivenciadas pelos indivíduos que por elas passam e que podem através de sua participação mudá-las ou não.

Nesse sentido pode-se entender a instituição abrigo como resposta a uma necessidade social de criar mecanismos capazes de acolher, no caso específico desta pesquisa crianças e adolescentes, que se encontram em situação de vulnerabilidade social por ocasião da prisão dos pais. Vale ressaltar aqui que esta concepção está pautada no tempo presente e que ao longo da história do Brasil as funções das instituições de acolhimento caracterizavam-se basicamente em recolher, controlar, vigiar e punir as crianças e adolescentes que por elas passavam (RIZZINI e RIZZINI, 2004).

Por definição28 o termo abrigo significa: local que serve para abrigar; algo que oferece proteção contra os rigores do tempo; casa de assistência social onde se recolhem pobres, velhos, órfãos ou desamparados; qualquer refúgio ou asilo. Nessas acepções percebe-se a idéia de afastamento social, situação muito comum em se tratando de abrigos para crianças e adolescentes, tendo em vista as políticas de abrigamento desenvolvidas ao longo da história, conforme apresentado no capítulo I.

Na atual conjuntura, após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente através da Lei 8069 de 13/06/90, as instituições de acolhimento passaram a

28 Consulta ao dicionário de língua portuguesa Houaiss on-line. Disponível em

ser uma medida de proteção provisória e excepcional no atendimento de crianças e adolescentes, sem perder de vista as garantias dos direitos adquiridos, sobretudo a garantia da convivência familiar e comunitária. Assim, as instituições de acolhimento que outrora internavam as crianças e adolescentes privando-os da vida em comunidade, com a conquista do ECA passaram para a prática do abrigamento, visando o cuidado e a proteção desse público, sem afastá-los, contudo, da convivência familiar e comunitária.

No entanto, a institucionalização ainda persiste apesar de tão criticada e nociva ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, esta não deixou de ocorrer e foi ao longo da história a solução encontrada para as questões da infância. Desencadeando uma série de problemas como ressalta Roberto da Silva (1998, p.176):

Os efeitos mais duradouros do processo de institucionalização são os danos causados à constituição da identidade, a afirmação do “estigma”, a incorporação do sentimento de inferioridade e a redução significativa da auto-estima.

O Estatuto da Criança e do Adolescente apontou novos rumos para o processo de institucionalização e propôs o caminho inverso do que vinha sendo feito, ou seja, a desistitucionalização, que correspondeu “a sistemática de favorecer a integração com

relação ao atendimento da criança dentro da família, ainda que substituta [...]” (Idem,

p.44). Essa mudança de paradigma estabeleceu responsabilidades a serem compartilhadas entre família, Estado e sociedade civil, visando à efetivação das garantias dos direitos básicos das crianças (RIZZINI, et al. 2006).

Nessa perspectiva, as instituições de abrigo deveriam cumprir o que reza a lei no que tange principalmente ao direito à convivência familiar e comunitária, porém, na realidade a situação se apresenta bem diferente. De acordo com a pesquisa29 realizada no

município de São Paulo sobre a qualidade da oferta e serviços prestados pelos abrigos, constatou-se que do total da amostra pesquisada (quatro mil e quinhentas crianças e adolescentes), 52,9% das crianças e adolescentes abrigados permanecem no abrigo por

29 Pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo NCA/PUC-SP e Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo AASPT/SP, juntamente com a Fundação Orsa e a Secretaria de Assistência Social do Município de São Paulo - SAS. Ver referência completa na Bibliografia.

mais de dois anos, contrariando o princípio de provisoriedade da medida de abrigamento. Outro dado preocupante revelou que 35% do total não possuem contato com a família, dificultando o processo de reintegração dessa criança com os seus familiares.30 Sobre esse assunto o Plano Nacional de Convivência familiar e Comunitária (2006, p.34) declara que:

Os espaços e as instituições sociais são, portanto, mediadoras das relações que as crianças e os adolescentes estabelecem, contribuindo para a construção de relações afetivas e de suas identidades individual e coletiva. Nessa perspectiva, se o afastamento do convívio familiar for necessário, as crianças e adolescentes devem, na medida do possível, permanecer no contexto social que lhes é familiar. Além de muito importante para o desenvolvimento pessoal, a convivência comunitária favorável contribui para o fortalecimento dos vínculos familiares e a inserção social da família.

Feita essa caracterização da instituição abrigo e destacando dentre suas funções a de garantir à criança e ao adolescente que suas relações sociais e familiares sejam mantidas, será descrito agora, como foi realizada a minha tentativa de aproximação com essa instituição.