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A Educação a Distância e a Telessala

1. Contextualizando os novos Espaços do Saber

A hipótese de Lévy (1998:22) é que o mundo contemporâneo abre a perspectiva de um novo espaço de conhecimento para o ser humano: o espaço do saber. Este espaço insere-se no que o autor chama de espaço antropológico. Para o autor, são quatro os espaços antropológicos: a terra, o território, as mercadorias e o saber. Estes espaços coexistem, em toda parte, de forma diferenciada, com significação e com infra-estrutura próprias. Assim, linguagens e relatos para a Terra; campos para o Território; impressos e máquinas para o espaço das mercadorias; redes digitais, universos virtuais e vida artificial para o espaço do saber. (Lévy, 1998:128)

O espaço antropológico nasce das interações entre as pessoas. Surge, portanto, ao longo da vida humana, sendo, então, extensivo ao conjunto da humanidade.

1.1. Caracterização do Espaço do Saber

O espaço do saber surge no século XX, mas é iniciado com o processo de desterritorialização possibilitado pelo espaço das mercadorias. Dessa forma, fica sugerida a relação de implicação entre o surgimento do espaço de saber e a mundialização da cultura. O espaço do saber tem, entretanto, suas peculiaridades. Assim, esse espaço caracteriza-se pela alta velocidade de evolução dos saberes, pela enorme massa de pessoas convocadas a aprender e produzir novos conhecimentos e, enfim, pelo surgimento de novas ferramentas (as do ciberespaço) que são capazes de realizar operações complexas que jamais poderíamos imaginar que pudessem ser produzidas no espaço de tempo tal como possibilitado pelas modernas máquinas.

Para Lévy, o espaço do saber não deve ser confundido com o objeto das ciências da cognição. O ser humano pensa desde a origem da espécie e cada espaço desenvolve formas

específicas de conhecimento. Como criação antropológica, é um plano vivo, qualitativamente diferenciado, desenvolvido pelas metáforas e navegações dos intelectuais coletivos que o percorrem. Este espaço não é um recipiente abstrato de todos os saberes possíveis: ele produz uma forma específica de saber, e reorganiza, hierarquiza e insere no meio ativo, que é o seu, os modos de conhecimento resultantes dos outros espaços antropológicos. (Lévy, 1998:127)

Em cada campo antropológico há um tipo específico de conhecimento. O que difere o chamado espaço de saber em nossa perspectiva civilizatória atual, é a velocidade de evolução dos saberes, a quantidade de pessoas 'convocadas' a aprender e produzir novos conhecimentos, e o surgimento de novas ferramentas. (Lévy,1998:24).

1.1.1. A relação dialógica todos-todos

Lévy (1998:27) parte do pressuposto de que o aprendizado recíproco faz a mediação das relações entre os 'homens'. Não se justifica, assim, a dominação de um sujeito sobre o outro, já que os saberes são diferentes.

Na interpretação de Lévy, no espaço do saber, os indivíduos podem trocar livremente suas informações sobre as coisas, sem ver sua capacidade de aprendizado ser bloqueada por programas ou pré-requisitos. O espaço do saber seria, nesses termos, um legítimo espaço de liberdade.

Isto quer dizer que as pessoas possuem conhecimentos que podem ser compartilhados. Todos possuem conhecimentos sobre algumas áreas, ao mesmo tempo que são ignorantes em outras. Essa sociabilidade do saber instaurado no quarto espaço antropológico permite a construção de novas identidades, que são as identidades do saber. As conseqüências éticas da instituição da subjetividade são imensas, como aponta Pierre Lévy:

“Todos possuem conhecimentos sobre algumas áreas, ao mesmo tempo que são ignorantes em outras. Essa sociabilidade do saber instaurado no quarto espaço antropológico permite a construção de novas identidades, que são as identidades do saber. Quem é o outro? É alguém que sabe. E sabe coisas que eu não sei. O outro não é mais um ser assustador, ameaçador: como eu, ele ignora bastante e domina alguns conhecimentos. Mas como essas zonas de inexperiência não se justapõem ele representa uma fonte possível de enriquecimento de meus próprios saberes. Ele pode aumentar meu potencial de ser, e tanto mais quanto diferir de mim. Poderei associar minhas competências às suas, de tal modo que atuemos melhor juntos do que separados." (Lévy,1998:27)

1.1.2. O espaço do saber constrói-se numa situação informal, portanto não sistematizado.

Os mecanismos do espaço referido não estão propriamente ligados à educação formal, mas, sim, a uma situação informal de aprendizado. Se, nesse espaço, a relação com o outro é fundamental na construção dos saberes, como se caracteriza a relação entre os conhecimentos adquiridos formalmente e aqueles adquiridos por meio da experiência de vida?

" Se os outros são fonte de conhecimento, a recíproca é imediata. Também eu, qualquer que seja minha provisória posição social, qualquer que seja a sentença que a instituição escolar tenha providenciado a meu respeito, também sou para os outros uma oportunidade de aprendizado. Por meio de minha experiência de vida, de meu percurso profissional, de minhas práticas sociais e culturais, e dado que o saber é co-extensivo à vida, ofereço recursos de conhecimentos a uma comunidade. Mesmo que esteja desempregado, que não tenha dinheiro, não possua diploma, mesmo que more no subúrbio, mesmo que não saiba ler, nem por isso sou 'nulo'. Não sou intercambiável. Tenho imagem, posição, dignidade, valor pessoal e positivo no Espaço do Saber. Todos os seres humanos têm direito ao reconhecimento de uma identidade de saber."(Lévy, 1998:28)

O espaço do saber é um espaço democrático. Para fazer parte dele, é necessário que se dominem as ferramentas de acesso: manipulação da linguagem do computador, conhecimento de uma língua estrangeira, domínio da leitura e escrita, telefone, recursos para pagar a conta telefônica e o provedor da internet. De posse destes pré-requisitos, este espaço configura-se como uma ágora nos tempos de Sócrates. No ciberespaço, o ser humano configura-se como um sujeito único, valorizado por suas capacidades e pronto para compartilhar saberes. A troca de conhecimentos virtuais acontece dentro de um sistema que neutraliza as diferenças sociais. Todos podem inserir-se no debate e compartilhar seus conhecimentos com outros dentro de uma dinâmica que desconhece preconceitos e classificações fundadas em valores subjetivos. Nesse espaço, não existem saberes nobres e outros ignóbeis. Todos podem inserir-se no ciberespaço valendo-se de sua identidade qualquer que ela seja.

1.1.3. A relação do espaço do saber e a ágora socrática.

A relação do espaço do saber e a ágora socrática, consiste no fato de que o ciberespaço caracteriza-se mediante a possibilidade de rompimento com as fronteiras do espaço do saber. Na ágora socrática está a possibilidade de popularização e de

democratização da palavra. O ciberespaço talvez seja mais democrático que o acesso à educação escolar formal. Isto coloca-se como um paradoxo, já que a leitura e a escrita são os pressupostos de acesso ao ciberespaço.

No ciberespaço, a relação dialogal é de todos-com-todos, característica do universo informacional. Na ágora socrática, o diálogo está relacionado com a busca de conceitos, e a relação é de um-com-outros, característica do universo pedagógico. Levy refere-se, de forma entusiástica, ao significado das possibilidades oferecidas pelo ciberespaço. Assim, o autor destaca que esse espaço propicia a interação entre diferentes comunidades, de indivíduos que são, ao mesmo tempo, singulares e múltiplos. Isso propicia o surgimento de uma inteligência coletiva que “...longe de fundir as inteligências individuais em uma

espécie de magma indistinto, a inteligência coletiva é um processo de conhecimento, de diferenciação e de retomada recíproca de singularidades." (Lévy, 1998:31 e 32)

Se buscarmos a compreensão do processo educativo como uma construção que é histórica, é possível inferir que as contribuições da tecnologia para a educação adquirem um papel importante no que diz respeito às possibilidades de inclusão das pessoas no espaço do saber.

Há um patrimônio acumulado historicamente pela humanidade e que o processo educativo tem tido o papel de preservá-lo. A educação assume, desta forma, um papel de conservar a cultura produzida ao longo da trajetória humana. Há uma dimensão do processo educativo, porém, que é o de criar as condições para que as novas gerações possam agir no mundo tendo em vista promover as transformações desejadas. Neste sentido, a educação assume seu caráter transformador. Assim, as ações realizadas nesse tempo histórico, bem como o produto decorrente delas, se transformarão no patrimônio das gerações futuras. Assumindo esta dupla perspectiva da educação, coloca-se o problema de situar no tempo presente as condições que resguardam a possibilidade de se avançar rumo ao futuro e em que medida o conjunto da humanidade dominará os mecanismos para acompanhar e interferir nas mudanças propostas.

A velocidade com que a tecnologia da informação se estabelece na configuração do espaço do saber, como aponta Lévy (1998), possibilita o rompimento das fronteiras do conhecimento, o que certamente causará uma mudança na concepção da escola e da educação. O que tudo isso parece indicar é que é preciso caracterizar essa mudança e

determinar em que sentido as relações pedagógicas serão alteradas. Isso põe, ainda, a necessidade de se analisar se o diálogo, como um fenômeno que ocorre entre os sujeitos do ato pedagógico, é possível nesta nova configuração.