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Na apresentação do primeiro Atlas Sociolinguístico dos Povos Indígenas da América

Latina, coordenado e editado por Inge Schira (UNICEF, 2009, p. 3), explica-se que este foi

concebido a partir de suas questões: a primeira, ligada à defesa da necessidade de se refletir sobre as semelhanças e diferenças entre os povos indígenas da América Latina, considerando

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Urubu-Kaapor é nome de uma tribo do Estado do Maranhão, dentre outros nomes, também são conhecidos como Ka‟apor. Língua de origem Tupi-guarani. O grupo Urubu-Kaapor, devido ao seu elevado número de indígenas surdos, já tem sua Língua de Sinais Kaapor Brasileira–LSKB.

que não há homogeneidade aí entre as culturas, muito embora estejam no mesmo continente; a segunda, apoiada na importância que teve para os povos indígenas da América Latina a aprovação, em Assembléia Geral das Nações Unidas, da Declaração das Nações Unidas

sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNIC, 2007), validando-o como um instrumento

importante para a promoção das relações entre esses povos e a sociedade e garantindo aos indígenas direitos individuais e coletivos por conta de reconhecê-los como pertencentes a uma etnia.

De acordo com o referido Atlas, a população indígena dos 21 países da América Latina em toda sua extensão compõe-se de 479.824.248 indígenas, sendo que Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, Suriname e Guiana Francesa totalizam um contingente de 247 povos de diferentes etnias. Em toda a América Latina, há 522 povos indígenas. Ainda nesse documento, os Guarani estão registrados como povos de fronteira. O Brasil aparece com três etnias: Guarani Nhandeva, Guarani Mbya e Guarani Kaiowá. Em relação à língua usada, 44 povos utilizam o castelhano e 55, a língua portuguesa. Das quatrocentos e vinte línguas em uso na América Latina, cento e três (24,5 %) são fronteiriças.

Sobre a população indígena latino-americana, emerge o debate acerca das políticas objetivadas no movimento pró-indígena. Mignolo (2005), Hamel (2000) e Canclini (2009) alertam para a existência de um processo de colonialidade em meio à modernidade. Com base nessas leituras poderia ser visualizado, sim, o fenômeno de “colonização” agindo pela imposição da língua e da cultura. Nessa direção, o domínio do colonizador transcenderia os limites geográficos e passaria a moldar os sujeitos à cultura dominante.

Historicamente, o intuito desbravador com o qual os colonizadores vieram do ocidente europeu, representados por Portugal e Espanha, rumo às terras do Brasil, permaneceu ativo e impulsionou o movimento pela expansão do que hoje se denomina território brasileiro. Essa atividade representou a necessidade emergente de modernidade da Europa, possível a partir da execução do projeto de colonialidade das Américas. Esse fato, também conhecido como “missão colonizadora”, chegou à América latina trazendo consigo sua cultura e deixando a sua marca nos povos indígenas que no Brasil habitavam.

Saviani (2008), na obra Ideias pedagógicas no Brasil, concorda com a perspectiva do processo colonizador no Brasil. Muito embora o autor não faça menção à “colonização epistemológica”, assim como o faz Mignolo (2005), Saviani (2008) discute o período de colonização no Brasil e sua influência ocidental na educação, no conhecimento e na cultura

indígena realizada pela Companhia de Jesus45. O autor afirma que, antes do trabalho dos jesuítas, a educação da criança indígena era espontânea e integral: o menino aprendia a arte da caça com o pai e a menina a semear, plantar, colher e fiar com a mãe. Era na prática social que se iniciava o trabalho de assimilação das necessidades do grupo e se aprendia que o trabalho era uma forma de atender a interesses comuns. Contudo, esse princípio educativo foi alterado pelos jesuítas, sendo substituído por um ensino de cunho pedagógico e com o olhar voltado para o molde cultural e econômico da Europa, “centro” dominante no período.

Também Mignolo (2005) argumenta na mesma direção, quando evidencia a importância do ensino na alteração das estruturas de poder mundo/moderno/colonial e salienta que, na contemporaneidade, ainda há colonização, embora silenciosa, influenciando a construção do conhecimento.

A chamada missão colonizadora, originada na Europa, criou para si mesma a imagem de “centro” que atravessou gerações. Dessa forma, embora as relações econômicas pós- Segunda Guerra tenham mudado o desenho do cenário econômico mundial, favorecendo os Estados Unidos da América, o olhar, quando se tratava de educação, cultura e ensino, ainda se voltava para Europa. Tal concepção “eurocêntrica” foi sendo lentamente alterada à medida que a potência econômica representada pelos EUA se consolidava. Com isso, outro ciclo colonizador emergiu em meio às relações sociais.

Concordo com Mignolo (2005), quando defende que a modernidade contém em si formas de colonização, o que torna relevante instrumentalizar politicamente as minorias para romperem com o senso comum de que seriam possíveis composições homogêneas, desconsiderando as configurações geopolíticas com suas diversidades de ideologias. Para o autor, as mudanças provocadas pelo processo de colonização refletiram na maneira de compreender as missões civilizatórias e como elas se organizaram de Sul ao Norte das Américas, influenciando a configuração da latinidade contemporânea.

O processo de colonização e modernização aponta para o momento que o “hemisfério ocidental” alterou as estruturas de poder do mundo moderno colonial e implantou, na contemporaneidade, a gênese da colonização46. Segundo Hamel (2000), a educação indígena ganhou recentemente um significativo reconhecimento nos debates políticos, que influenciou

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A Institucionalização da pedagogia Jesuítica ou o Ratio Studiorum emerge juntamente com a organização da Companhia de Jesus no Brasil em 1549-1759. Saviani (2008) discute a atuação dos jesuítas pautada pelos avanços e retrocessos realizados na educação do período colonial.

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De acordo com Mignolo (2005), o México resistiu a esse processo e hoje possui uma das maiores organizações da América Latina em relação ao número de instituições indígenas.

a decisão de países da América Latina a terem programas específicos para a população indígena. O referido autor menciona também os avanços da política linguística brasileira introduzida por meio da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Fazendo referência à nossa Constituição, Hamel (2000) afirma que há em curso o reconhecimento dos direitos dos indígenas, da utilização de língua própria, da posse da terra, nas mais diversas áreas: jurídica, socioeducativa e cultural. Sobre a Colômbia, informa que apenas um 1% da população é composta por indígenas e que o país tem um plano arrojado de leis no campo da educação. A relevância na Bolívia refere-se ao avanço dos povos indígenas ocorrido no final dos anos de 1990, quando a interculturalidade se tornou texto de Lei. Ainda segundo o autor, a Guatemala apresenta avanços nas negociações pela paz, o que não se fazia há aproximadamente 35 anos. Como consequência dessas conquistas, ocorreu o fortalecimento político-cultural dos povos de indígenas da América Latina. O cenário nesses países é tido como um referencial a ser seguido pelos povos indígenas de outras partes da América Latina.

O Movimento Pró-Índio na América Latina se expandiu e, nesses cinco séculos que marcaram a história de colonização do território brasileiro, possibilitou que emergissem críticas à imposição da figura europeia aos indígenas e ainda aos processos de subalternização dos grupos marginalizados, como os afrodescendentes e outras minorias.

Contribuindo para o fortalecimento das minorias no Brasil, em particular os indígenas, César (2002) lembra as comemorações do 500º Aniversário do Descobrimento do país, na obra Lições de abril, em que critica a forma como foram conduzidas as comemorações em Porto Seguro, na Bahia, porque não tiveram os indígenas como protagonistas. Na ocasião, os indígenas foram tratados como figurantes quando, historicamente, deveriam ter o papel principal. O pensamento da autora chama a atenção para a relevância de se considerar sob qual perspectiva as opiniões foram expressas: a do colonizador ou a do colonizado? Historicamente os conflitos e os processos de luta pelas terras indígenas teriam suas raízes ainda no processo colonizador das terras brasileiras.

Essas reflexões trouxeram a esta tese o espaço que os indígenas latinos têm ocupado no âmbito mais amplo, sem perder de vista as questões locais como parte desse todo. A discussão sobre a posição do indígena no cenário da América Latina auxilia na compreensão do significado das lutas que envolveram os indígenas, os fazendeiros e a Usina de Itaipu no período da desocupação das terras. Assim, sirvo-me de um jargão utilizado na área - “Era

pouca terra para muito índio” – para dar a tônica dos embates que se ergueram para decidir quem ficava com a terra indígena47 às margens do Rio Paraná, no Oeste do Paraná.

Assim, na sequência, teço reflexões acerca de alguns conflitos pela manutenção das terras e da língua que permearam a história dos Avá-guarani da fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.

5.3 OS CONFLITOS MATERIALIZADOS NA DESOCUPAÇÃO DAS TERRAS DOS