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5 PLANO REAL E OS IMPACTOS NA BALANÇA COMERCIAL

5.2 CONTINUAÇÃO DA ABERTURA COMERCIAL: A POLÍTICA DE

Como foi assinalado no capítulo anterior, a abertura da economia brasileira pode ser dividida em três fases. Aqui será analisada a terceira fase da abertura comercial (política de importação do Plano Real), de modo a explicitar sua relação com a estabilização dos preços e os impactos no comportamento da balança comercial.

De acordo com Azevedo e Portugal (op. cit., p.37), a política de importação do Plano Real pode ser dividida em três etapas. A primeira estendeu-se de julho de 1994 ao 1º trimestre de 1995 e foi marcada pela adoção de políticas nitidamente liberalizantes. Na segunda etapa, 2º trimestre de 1995 ao 2º trimestre de 1996, verifica-se um recuo na política de abertura comercial. A terceira etapa, com início desde o 3º trimestre de 1996, se caracterizou como um período de nova flexibilização da política de importação, mas com um ritmo e uma intensidade menor dos que a verificada no final de 1994, cabendo salientar o aumento tímido no grau de proteção da economia, principalmente no biênio 1997-1998.

O que caracteriza a primeira etapa é a utilização da política tarifária como instrumento de estabilização de preços, ou seja, a intenção era expor ao máximo o mercado nacional à concorrência externa, de modo que os produtores nacionais tivessem menos liberdade para praticar aumento de preços e/ou até reduzissem os preços praticados internamente. Isso fica claro ao observar que o governo diminuiu a alíquota de importação de produtos com elevada participação na formação dos índices de preços internos. Esse aspecto é bem comentado em Moreira e Correa (op. cit., p.18):

A partir de março de 1994, a condução da política de importações passou a se subordinar ao objetivo de estabilização de preços, e várias alíquotas de produtos com participação elevada nos índices de preços internos foram reduzidas para 0% ou 2%, com o objetivo de impedir aumentos de preços a curto prazo.

Além da queda substancial das tarifas de uma série de produtos com peso nos índices de preços, merece destaque a antecipação da Tarifa Externa Comum do Mercosul, que iria vigorar em janeiro de 1995 e foi antecipada para setembro de 1994. De acordo com Kume (1996, p.5), as principais mudanças ocorridas em 1994 podem ser resumidas da seguinte forma:

a) diminuição das alíquotas do imposto de importação para 0 ou 2%, sobretudo nos casos de insumos e bens de consumo com peso significativo nos índices de preços, como mecanismo auxiliar no combate à inflação. Esta medida representava uma punição aos aumentos de preços considerados inadequados [...] b) antecipação para setembro de 1994 da tarifa externa comum do Mercosul que vigoraria a partir de janeiro de 1995. Como regra geral, nos casos em que ocorreria uma elevação da tarifa, em virtude da tarifa vigente no Brasil ser inferior a aprovada no Mercosul, foi mantida a menor alíquota.

A evolução da alíquota nominal média de importação, que diminuiu de 13,2 em julho de 1993 para 11,2% em dezembro de 1994, permite dimensionar o efeito desse conjunto de medidas liberalizantes. A tabela 4 mostra a evolução da tarifa nominal por atividade, de modo que torna possível verificar quais os setores sofreram maiores impactos com as medidas tomadas, bem como o retrocesso que se verificou na política de importação em 1995.

TABELA 4

A partir do início de 1995, segunda etapa, a política de importação retrocede. Esse recuo pode ser explicado por dois fatores: o primeiro deles foi o acúmulo de crescentes déficits na conta de comércio do país, gerando desequilíbrio nas contas externas; o segundo fator foi a dificuldade para financiar esse desequilíbrio por conta da conjuntura internacional desfavorável (crise cambial mexicana), que afugentou os capitais voláteis das economias emergentes, entre elas o Brasil. Esse aspecto é bem comentado em Azevedo e Portugal (op. cit., p.45):

[...] no início de 1995, novos rumos foram dados à política de importação. Devido aos déficits contínuos da balança comercial, e após a formação de um quadro externo desfavorável ao financiamento destes déficits, marcado pela crise cambial mexicana e a elevação das taxas de juros internacionais, a situação se alterou. Buscando evitar que os déficits comerciais sinalizassem uma situação de risco potencial para os investidores externos – o que inviabilizaria o equilíbrio do balanço de pagamentos via entrada líquida de capitais -, a política econômica teve de se alterada, com reflexos na política de importações.

A t i v i d a d e j u l / 9 3 d e z / 9 4 d e z / 9 5 2 0 0 6 / T E C A g r o p e c u á r i a 4 , 5 4 , 1 4 , 7 4 , 7 E x t r a t i v a m i n e r a l ( e x c e t o c o m b u s t í v e i s ) 2 , 8 2 , 6 4 , 0 4 , 0 E x t r a ç ã o d e p e t r ó l e o e c a r v ã o 0 , 0 0 , 0 0 , 0 0 , 0 P r o d u t o s m i n e r a i s m e t á l i c o s 1 0 , 7 9 , 2 1 1 , 5 1 1 , 5 S i d e r u r g i a 5 , 5 5 , 9 7 , 9 7 , 3 M e t a l u r g i a d o s n ã o - f e r r o s o s 7 , 4 7 , 6 1 0 , 0 9 , 8 O u t r o s p r o d u t o s m e t a l ú r g i c o s 1 6 , 3 1 4 , 3 1 6 , 0 1 5 , 0 M á q u i n a s e t r a t o r e s 1 9 , 1 1 8 , 9 1 8 , 2 1 3 , 9 M a t e r i a l e l é t r i c o 1 8 , 8 1 8 , 4 2 1 , 5 1 6 , 0 E q u i p a m e n t o s e l e t r ô n i c o s 2 0 , 7 1 9 , 0 2 2 , 1 1 3 , 1 A u t o m ó v e i s , c a m i n h õ e s e ô n i b u s 3 4 , 0 1 9 , 9 5 5 , 5 1 9 , 6 O u t r o s v e í c u l o s e p e ç a s 1 7 , 9 1 7 , 4 1 7 , 9 1 3 , 8 M a d e i r a e m o b i l i á r i o 9 , 5 8 , 8 1 1 , 0 1 1 , 0 C e l u l o s e , p a p e l e g r á f i c a 9 , 3 8 , 3 1 0 , 5 1 1 , 9 I n d ú s t r i a d a b o r r a c h a 1 4 , 4 1 2 , 1 1 2 , 8 1 2 , 8 F a b r i c a ç ã o d e e l e m e n t o s q u í m i c o s 1 2 , 4 8 , 8 6 , 7 1 4 , 2 R e f i n o d e p e t r ó l e o 3 , 3 1 , 8 2 , 6 2 , 7 P r o d u t o s q u í m i c o s d i v e r s o s 1 0 , 9 6 , 6 7 , 6 7 , 8 I n d ú s t r i a f a r m a c ê u t i c a e p e r f u m a r i a 1 2 , 8 4 , 6 9 , 8 1 0 , 0 A r t i g o s d e p l á s t i c o 1 6 , 8 1 5 , 7 1 6 , 7 1 6 , 5 I n d ú s t r i a t ê x t i l 1 4 , 4 1 2 , 4 1 6 , 4 1 5 , 8 A r t i g o s d o v e s t u á r i o 2 0 , 0 1 9 , 4 1 9 , 6 1 9 , 6 C o u r o s e c a l ç a d o s 1 4 , 2 1 3 , 2 1 7 , 3 1 4 , 2 I n d ú s t r i a d o c a f é 1 2 , 2 9 , 8 1 1 , 3 1 1 , 3 B e n e f d i c i a m e n t o d e p r o d u t o s v e g e t a i s 1 0 , 5 9 , 7 1 2 , 8 1 1 , 8 A b a t e d e a n i m a i s 9 , 9 7 , 1 9 , 6 9 , 7 I n d ú s t r i a d e l a t i c í n i o s 2 0 , 0 2 4 , 7 2 3 , 0 1 5 , 5 A ç u c a r 2 0 , 0 1 0 , 1 1 6 , 0 1 6 , 0 F a b r i c a ç ã o d e ó l e o s v e g e t a i s 8 , 8 8 , 0 8 , 6 8 , 7 B e b i d a s e o u t r o s p r o d u t o s a l i m e n t a r e s 1 6 , 3 1 2 , 8 1 4 , 1 1 4 , 5 P r o d u t o s d i v e r s o s 1 6 , 4 1 4 , 4 1 5 , 0 1 4 , 4 F o n t e : K u m e ( 1 9 9 6 ) T a r i f a N o m i n a l ( e m % ) p o r A t i v i d a d e - D a t a s S e l e c i o n a d a s e T a r i f a E x t e r n a C o m u m

Mesmo recuando no processo de liberalização, de acordo com Moreira e Correa (op. cit., p.19): "a preocupação com a estabilidade de preços, entretanto, tornou a induzir, ainda neste ano, a redução para zero das alíquotas de alimentos (milho em grão, tomates etc.), química (acrilonitrila, estireno etc.) e têxtil (linhas de costura, fibras sintéticas etc.)". A tabela 5 mostra o comportamento das tarifas nominal e efetiva, desde o início do processo de abertura da economia brasileira.

TABELA 5

Na terceira etapa, com início desde o 3º trimestre de 1996, observou-se que o governo voltou a assumir uma política de importações de cunho mais liberalizante, cujos fatores que contribuíram para isso foram: pressão exercida pelos países do Mercosul, risco de retaliação junto a OMC e o retorno dos capitais voláteis que haviam migrado por conta da crise cambial mexicana. A esse respeito, Azevedo e Portugal (op. cit., p.47) argumentam que:

No segundo semestre de 1996, o governo reassumiu uma postura liberalizante, tanto em função da pressão exercida pelos seus parceiros do Mercosul e do risco de retaliações junto à OMC, como pela solução da crise externa, com o retorno dos capitais voláteis que haviam migrado com o advento da crise cambial mexicana.

No ano de 1996 as principais modificações na política tarifária foram as seguintes (IEDI, op. cit., p. 333-334):

Discriminação Jul/88 Set/89 Set/90 Fev/91 J an/92 Out/92 Jul/93 Dez/94 Dez/95

Tarifa nom inal

Média sim ples 38,5 31,6 30,0 23,3 19,2 15,4 13,2 11,2 13,9

Média ponderada 34,7 27,4 25,4 19,8 16,4 13,3 11,4 9,9 11,5 Mediana 40,2 32,6 31,3 20,8 20,2 14,4 12,8 9,8 12,8 Mínim o 0,2 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Máxim o 76,0 75,0 78,7 58,7 48,8 39,0 34,0 24,7 55,5 Desvio Padrão 15,4 15,9 15,1 12,7 10,5 8,2 6,7 5,9 9,5 Tarifa efetiva

Média sim ples 50,4 45,0 45,5 35,1 28,9 22,5 18,9 14,4 23,4

Média ponderada 42,6 35,7 33,7 26,5 21,7 17,2 14,5 12,3 12,9 Mediana 52,6 38,1 34,6 24,0 20,0 16,7 15,1 11,3 14,6 Mínim o 54,5 -4,4 -4,3 -3,3 -2,8 -2,3 -2,0 -1,9 -1,9 Máxim o 183,0 219,5 312,9 225,2 185,5 146,8 129,8 44,6 270,9 Desvio Padrão 33,4 39,8 53,3 39,7 32,7 25,2 21,7 9,7 45,9 Fonte: Kume (1996)

• Retirada dos produtos petroquímicos da Lista de Exceção Nacional e formulação de um cronograma de redução tarifária. O cronograma previa uma redução gradual das tarifas de 2, 3 e 4% ao ano, a depender do produto, até alcançar a Tarifa Externa Comum em 2001.

• Adição de 50% sobre a Tarifa Externa Comum de 20% aplicável aos brinquedos. Essa medida foi tomada em junho de 1996, com validade até 31 de dezembro do mesmo ano. • Publicação do decreto 2.072 em novembro de 1996, estabelecendo um aumento das

alíquotas do imposto de importação para o setor de autopeças (4,8 no restante de 1996, 7,2% em 1997, 9,6 em 1998 e 1999, até atingir o limite da Tarifa Externa Comum de 16% em 2000).

No biênio 1997-1998, o que se observa é uma mudança na gestão da política de importação, no sentido de conferir um maior grau de proteção ao mercado nacional, o que é bem comentado pelo Iedi (op. cit., p. 336):

Se no período anterior (1994-1996) teve preponderância as mudanças de tarifas de importação sob justificativa de estabilização dos preços, além da adequação à TEC, no período 1997-1998, a excessiva exposição externa da produção nacional motivada pela política cambial e o baixo nível de tarifas determinaram – no contexto de sucessivas crises externas e elevados déficits comerciais do setor externo brasileiro -, o predomínio de medidas na direção de uma proteção um pouco maior.

De acordo com o Iedi (op. cit., p. 334-336), no biênio 1997-1998, as principais medidas tomadas na gestão da política tarifária foram as seguintes:

ƒ Portaria Interministerial nº 174 de 25/07/1997. Revogou as isenções do imposto de

importação para os produtos incluídos no regime "ex-tarifário"8.

ƒ Decreto 2.376 de 13/11/1997. Negociação com os demais participantes do Mercosul, para elevação de três pontos percentuais da Tarifa Externa Comum (TEC).

8 Mecanismo através do qual, desde 1990, era concedida isenção do imposto de importação para as compras de máquinas e equipamentos sem similar nacional.

ƒ Redução, em 01/01/1998, das alíquotas do imposto de importação de produtos constantes da Lista de Exceção Nacional à Tarifa Externa Comum em conformidade com o cronograma estabelecido em 1996.

ƒ Decreto 2.638 de julho de 1998, mudando o regime automotivo brasileiro em função de uma queixa formal feita pelo governo dos EUA à OMC.

A tabela 6 mostra importantes mudanças na alíquota média total do imposto de importação. A variação de três pontos percentuais na alíquota no período 1997-1998 reflete a elevação 3% da TEC, promovida pelo decreto 2.376 (11/1997), bem como a revogação do regime "ex-tarifário". Em 1999, a alíquota média do imposto de importação apresenta diminuição acentuada como conseqüência da diminuição ocorrida tanto em material de transporte quanto em bens de consumo.

Desse modo, mesmo com o aumento no grau de proteção do mercado nacional, a partir, principalmente, de 1997, "é importante observar que os números mostram que a economia brasileira, dadas as atuais alíquotas de importação e a composição da pauta de importações, é uma economia aberta" (IEDI, op. cit., p. 338).

TABELA 6

5.3 POLÍTICA CAMBIAL: SOBREVALORIZAÇÃO DO CÂMBIO E BALANÇA COMERCIAL

Tendo em vista a utilização da sobrevalorização cambial como instrumento de estabilização de preços, cabe destacar os impactos dessa política em termos do comportamento da

1997 1998 1999

Mat. Primas e Prod. Intermediários 9,4 12,5 9

Bens de Capital 11,2 16,2 14,1 Bens de Consumo 25,9 26,7 12,6 Equipamentos de Transporte 19,4 20,6 10,6 Combustíveis e Lubrificantes 9,1 9,6 5,4 Materiais de Construção 14 17,4 14,2 Total 13,8 16,7 10,7 Fonte: IEDI (2000c)

balança comercial. O período em análise se estende de julho de 1994 a janeiro de 1999, isso porque no início de 1999 tem-se uma mudança significativa na política cambial que será analisada em uma seção posterior. Azevedo e Portugal (op. cit., p.48) dividem a política cambial do Plano Real em três fases distintas (jul/1994 a out/1994, out/1994 a mar/1995, a terceira fase com início desde março de 1995).

Na primeira fase, que compreendeu o período de julho a outubro de 1994, observou-se relativa flexibilidade na política cambial, provocando, dado a grande oferta de divisas no mercado interno, uma valorização demasiada da moeda nacional. Desse modo, o Iedi (op. cit., p. 16) comenta que:

A introdução da nova moeda em julho de 1994, foi acompanhada do estabelecimento de um teto formal para a cotação do dólar (1 real por dólar), o que, associado ao alto nível de taxa de câmbio real, reservas e juros prevalecentes, levaram a uma forte entrada de capitais e a uma apreciação da nova moeda. Vista pela equipe econômica como desejável para assegurar o processo de estabilização, esta apreciação foi, no entanto, excessiva [...]

Na segunda fase, que perdurou de outubro de 1994 a março de 1995, assistiu-se ao aprofundamento da valorização da moeda nacional, de modo que foi estabelecido um sistema informal de bandas (intervalo de R$ 0,83/US$ 1 a R$ 0,85/US$ 1).

A terceira fase da política cambial, que pode ser considerada como uma resposta do governo brasileiro à crise cambial mexicana, é caracterizada pelo estabelecimento de um regime formal de bandas e atuação efetiva do Banco Central para manter a cotação da moeda no intervalo. Essa mudança na política cambial é também destacada pelo Iedi (op. cit., p. 17):

[...] O Banco Central promoveu uma minidesvalorização do Real no início de março de 1995, estabelecendo um sistema de bandas formais para a taxa de câmbio. O piso, fixado em R$ 0,88 por dólar, e o teto, estabelecido R$ 0,93por dólar, são alterados após alguns dias para 0,91 e 0,99, respectivamente. A desvalorização foi em torno de 8 a 9%. Com a alteração, o Banco Central aliviou as pressões sobre o câmbio ocasionadas pela expectativa de uma depreciação da moeda brasileira, enquanto uma política de juros altos procurava estancar a perda de reservas.

Esse sistema de bandas, com a desvalorização lenta e gradual da taxa nominal de câmbio, prevaleceu até janeiro de 1999.Entretanto, a partir do início de 1995 o governo passou a operar no mercado com a chamada intra-banda, ou seja, além do piso e do teto, o Banco Central passou a intervir no mercado para determinar o sentido da variação da taxa no interior do intervalo, sem, contudo, se comprometer oficialmente com a trajetória da variação.

Para esse trabalho, o aspecto que mais interessa é o uso da política de sobrevalorização cambial como instrumento de estabilização de preços e seus impactos no comércio exterior brasileiro. Ou seja, como Guerra (1997, p.3) deixa claro: “A possibilidade de importar a baixo preço, viabilizada pela queda das alíquotas de importação e pela política cambial, foi e continua sendo uma das principais explicações para o notável progresso no combate à inflação.”

A sobrevalorização da moeda constitui-se em importante instrumento de estabilização de preços, na medida em que expõe o mercado nacional à concorrência internacional, cujas empresas, grandes conglomerados tecnologicamente avançados, produzindo com rendimentos crescentes tanto dinâmicos quanto estáticos, operam a custos unitários baixos e com preços bastante competitivos.

Não é difícil imaginar os impactos que uma política de estabilização calcada na sobrevalorização da moeda provoca nos setores produtivos. A indústria brasileira passara mais de uma década protegida da concorrência externa, deixando de incorporar progressos tecnológicos e de gestão em andamento nos países do centro do capitalismo (reestruturação produtiva), produzindo a custos elevados e com grande ineficiência. Pode-se então ter idéia do quão predatória foi a política cambial, exigindo um esforço extremo de reestruturação das empresas e, principalmente, causando impactos significativos na conta de comércio do país.

A sobrevalorização cambial incentiva as importações e desestimula as exportações, na medida em que muda os preços relativos em favor das primeiras, tornando os bens

domésticos mais caros em termos das moedas estrangeiras, e em sentido inverso, barateando as importações, o que é comentado em Damasceno (2001, p.18):

Com a sobrevalorização da moeda os nossos bens ficam mais caros em termos da moeda estrangeira e os bens importados ficam mais baratos em moeda nacional, causando impactos negativos na conta de comércio do país, e dessa forma os bens importados podem concorrer com os domésticos, pressionando o nível de preços para baixo, ou seja, passamos a importar deflação.

Somando à magnitude da sobrevalorização cambial, a abertura em curso na economia brasileira, e o que é mais importante, a relação interativa entre esses dois fenômenos, pode- se inferir, tendo em vista a estrutura produtiva do país, a dimensão dessas medidas em termos de seus impactos na competitividade das nossas exportações e comportamento do comércio exterior.

Dessa forma, tem-se duas forças atuando ao mesmo tempo e no mesmo sentido, estimulando as importações e comprimindo as exportações. A sobrevalorização da moeda por si só já produz efeitos significativos, e a interação com a abertura comercial, potencializando os efeitos desta, se refletiram desastrosamente no comércio internacional do país, com significativo crescimento das importações a partir de 1994 e desempenho tímido das exportações. Como argumenta Filgueiras (op. cit., p.149): “A abertura da economia e a sobrevalorização do Real escancarou o país às importações e tirou a competitividade das exportações, que cresceram num ritmo bem inferior ao das importações”.

Os efeitos da sobrevalorização da moeda puderam ser sentidos rapidamente. Isso fica claro se observarmos o desempenho da balança comercial a partir de novembro de 1994 (ver tabela 7), quando passamos a ter, mês a mês, saldos negativos, revelando os efeitos perversos da nova política cambial. Cabe observar também, que é no segundo semestre de 1994 que se intensifica o processo de abertura da economia brasileira (primeira etapa da política de importação do Plano Real), de modo que a persistência de superávits no período compreendido entre julho e outubro de 1994 estaria refletindo o tempo de ajustamento dos

contratos e formação de expectativas pelos agentes econômicos quanto ao comportamento das variáveis macroeconômicas afetadas pelas políticas implementadas.

TABELA 7

Porém, mesmo com os sucessivos déficits mensais no final do segundo semestre, a balança comercial ainda teve um superávit da ordem de US$ 10.466 milhões em 1994, mas já sinalizando os efeitos das políticas adotadas, que iriam delinear o comportamento futuro do saldo comercial. A ruptura histórica só se concretizou em 1995, quando as exportações líquidas foram deficitárias em UR$ 3.464 milhões, reversão de US$13.930 milhões, revelando, a partir desse momento, o perfil do comércio exterior do país pelo menos até 1998, quando sofreria nova inflexão.

A observação da tabela 8 permite notar dois momentos distintos, em termos de saldo, no

comportamento da balança comercial. No primeiro momento, que se estende de 1989 a 1994, tem-se como característica marcante a obtenção de grandes superávites, com saldo médio de US$ 12.742 milhões, e acumulado de US$ 76.454 milhões. É válido lembrar que nesse momento está em curso o processo de abertura da economia brasileira, que começou em 1988, tendo seus efeitos atenuados, como já foi comentado, pelo câmbio relativamente desvalorizado e profunda recessão que atingiu a economia brasileira no período.

P er ío d o E xp Im p S ald o E xp Im p S ald o

J an 2.747 1.769 978 2.980 3.284 -304 F ev 2.778 2.030 748 2.952 4.012 -1.060 Mar 3.351 2.249 1.102 3.799 4.721 -922 A br 3.635 2.152 1.483 3.394 3.863 -469 Mai 3.862 2.625 1.237 4.205 4.897 -692 J un 3.728 2.499 1.229 4.119 4.897 -778 J ul 3.738 2.514 1.224 4.004 4.003 1 A go 4.282 2.776 1.506 4.558 4.461 97 S et 4.162 2.641 1.521 4.167 3.687 480 O ut 3.842 3.186 656 4.405 4.076 329 Nov 3.706 4.115 -409 4.048 4.137 -89 D ez 3.714 4.523 -809 3.875 3.932 -57 F onte: Ipeadata 1994 1995

TABELA 8

O segundo período (1995-2000), pode ser dividido em dois momentos distintos em termos do resultado comercial. Um primeiro (1995-1998), com a balança comercial registrando déficit médio anual de US$ 5.613 milhões, e acumulado de US$ -22.453. A característica mais marcante dessa fase do segundo período é que prevaleceu uma política cambial altamente prejudicial às exportações, com a sobrevalorização da taxa a partir de julho de 1994, aliada à continuidade do processo de abertura da economia, que ocorreu de forma mais intensa no período compreendido entre julho de 1994 e o primeiro trimestre de 1995. Ou seja, um contraste muito grande com relação ao primeiro período (1989-1994). A partir de 1999 até 2000, apesar da persistência dos déficits, tem-se um novo perfil no resultado comercial, provocado pela mudança na política cambial, bem como, com importância menor, pelo pequeno aumento no grau de proteção da economia.

O que fica claro nessa discussão é que a política cambial adotada a partir de julho de 1994, aliada á abertura da economia, teve impactos significativos na conta de comércio do país, delineando seu perfil deficitário a partir de então. Essa estratégia de utilizar a sobrevalorização cambial e a política tarifária como instrumentos de estabilização de preços, teve impacto desastroso não só na conta de comércio, mas também em todo o setor externo da economia. P e r í o d o E xp o r t a ç õ e s I m p o r t a ç õ e s S a ld o 1 9 8 9 3 4 .3 8 3 1 8 .2 6 5 1 6 .1 1 8 1 9 9 0 3 1 .4 1 4 2 0 .6 6 1 1 0 .7 5 3 1 9 9 1 3 1 .6 2 0 2 1 .0 4 1 1 0 .5 7 9 1 9 9 2 3 5 .7 9 3 2 0 .5 5 4 1 5 .2 3 9 1 9 9 3 3 8 .5 5 5 2 5 .2 5 6 1 3 .2 9 9 1 9 9 4 4 3 .5 4 5 3 3 .0 7 9 1 0 .4 6 6 1 9 9 5 4 6 .5 0 6 4 9 .9 7 0 - 3 .4 6 4 1 9 9 6 4 7 .7 4 7 5 3 .2 8 6 - 5 .5 3 9 1 9 9 7 5 2 .9 8 6 5 9 .8 4 2 - 6 .8 5 6 1 9 9 8 5 1 .1 2 0 5 7 .7 1 4 - 6 .5 9 4 1 9 9 9 4 8 .0 1 1 4 9 .2 1 0 - 1 .1 9 9 2 0 0 0 5 5 .0 8 6 5 5 .7 7 3 - 6 8 7 F o n t e : Ip e a d a t a B a la n ç a C o m e r c ia l - F o b e m U S $ m ilh õ e s

Desse modo, o que se pode observar é que os déficits da balança comercial (bem como o aprofundamento do problema estrutural da conta de serviços), geraram desequilíbrio nas contas externas, com crescimento dos déficits em transações correntes. Esse desequilíbrio tornou necessária a implementação de um conjunto de políticas de atração de investimentos externos (juros elevados) para fechar o balanço de pagamentos, provocando dependência do país em relação aos fluxos financeiros internacionais, com crescente fragilização das contas externas, que posteriormente, em um ambiente externo deteriorado, levaria forçosamente à adoção de uma nova política cambial.

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