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5 PLANO REAL E OS IMPACTOS NA BALANÇA COMERCIAL

5.4 FRAGILIZAÇÃO DAS CONTAS EXTERNAS (1994-1998)

Foi enfatizado acima que a utilização da política cambial e da abertura da economia como instrumentos de estabilização de preços, levou ao comportamento deficitário da balança comercial que, aliado ao aprofundamento do problema estrutural da conta de serviços, aprofundou a dependência do país relativamente aos fluxos financeiros internacionais. A compreensão do desequilíbrio gerado no setor externo a partir de 1994 é de fundamental importância no entendimento da crise cambial de janeiro de 1999.

5.4.1 Transações Correntes

Do lado das transações correntes a sobrevalorização da moeda impactou, negativa e diretamente, tanto a conta de comércio do país quanto a conta de serviços, com o surgimento de déficits na primeira e elevação do gastos com viagens internacionais na segunda. Indiretamente causou, na conta de serviços, através dos mecanismos de atração de capitais, o aprofundamento do problema estrutural, verificando-se crescimento tanto no pagamento de juros quanto na remessa de lucros e dividendos.

O aumento nas despesas com viagens internacionais a partir de 1994 foi conseqüência da sobrevalorização do câmbio, ao tornar mais barata a viagem para o exterior. O crescimento no pagamento de juros é explicado pela expansão do montante da dívida externa. A partir

de 1994 ocorre um crescimento considerável da dívida externa do país, principalmente a privada, que teve como causa principal a política de juros altos levada a cabo pelo governo.

O crescimento na remessa de lucros e dividendos no período é conseqüência do extraordinário ingresso de investimentos estrangeiros diretos a partir de 1994, bem como o resultado de um conjunto de medidas adotadas, cujo objetivo era dar um tratamento mais favorável ao capital estrangeiro. Esse aspecto é bem comentado em Laplane e Sarti (1999, p.29):

O aumento das remessas de lucros pode ser principalmente explicado pelo próprio aumento dos fluxos de investimento que, como foi visto, iniciaram trajetória bastante ascendente a partir de 1994 [...] Também contribuíram para esses maiores volumes de remessas as medidas de desregulamentação na área. A Lei nº 9 249/95 e a Medida Provisória nº 1 602 concedem isenção ao imposto de 15% que havia sobre as remessas de lucros e dividendos a partir de 1996.

TABELA 9

O agravamento do desequilíbrio externo a partir de 1994 (crescimento dos déficits em transações correntes), pode ser visualizado na tabela a 10. Dados os grandes déficits em transações correntes, tornou-se necessárioa a implementação de um conjunto de políticas, para que se criasse, do lado da conta de capitais, os meios de financiar esse desequilíbrio.

Período Juros Viagens Inter. Lucros e Div. Saldo

1990 -9.748 -121 -1.591 -15.369 1991 -8.621 -211 -665 -13.542 1992 -7.253 -319 -574 -11.338 1993 -8.280 -799 -1.831 -15.585 1994 -6.337 -1.181 -2.483 -14.743 1995 -8.158 -2.420 -2.590 -18.595 1996 -9.173 -3.598 -2.374 -20.443 1997 -10.388 -4.377 -5.597 -26.278 1998 -11.947 -4.146 -7.181 -28.800 Fonte: Ipeadata

TABELA 10

5.4.1 Balanço de Capitais

Concomitante ao programa de abertura comercial da economia brasileira, ocorria, a partir do início da década, o movimento de liberalização da conta de capitais, que tornou-se, como explicado em Filgueiras (op. cit., p.158), fundamental para o programa de estabilização colocado em prática:

Com relação à balança de capitais, houve notoriamente um crescimento da entrada líquida de capitais no país, a partir de 1992, que expressou exatamente a nova situação, de grande liquidez, dos mercados financeiros internacionais, bem como a incorporação dos “mercados emergentes” nos novos circuitos internacionais de capital, circunstância em que se apoiou a estratégia de estabilização do Plano Real.

TABELA 11

A tendência de crescimento no superávit da conta de capitais a partir de 1992 foi reforçada pela política de juros altos colocada em prática pelo governo a partir de 1994. Merece

Discriminação 1 992 1 993 1 994 1 995 1996 1997 1998 1999 2000

Balança comercial - FOB 15 239 13 307 10 466 -3 352 -5 599 -6 748 -6 604 -1 260 - 698

Serviços (líquido) -11 339 -15 585 -14 743 -18 594 -20 443 -26 278 -28 800 -25 829 -25 706

Transferências unilaterais 2 243 1 686 2 588 3 974 2 900 2 216 1 778 2 027 1 796

Transações correntes 6 143 - 592 -1 689 -17 972 -23 142 -30 811 -33 625 -25 062 -24 608 Fonte: Banco Central do Brasil

Transações Correntes em US$ milhões

Discriminação 1 992 1 993 1 994 1 995 1996 1997 1998 1999 2000

Investimento (líquido) 2 972 6 170 8 131 4 663 15 540 20 662 20 498 30 042 29 559

Reinvestimentos 175 100 83 384 531 151 124 ... ...

Financiamentos 13 258 2 380 1 939 2 834 4 307 19 616 22 156 15 948 11 295

Amortizações -8 572 -9 978 -50 411 -11 023 -14 419 -28 714 -31 381 -49 120 -34 690

Empréstimos a médio e longo prazos 14 975 10 790 52 893 14 736 22 886 28 964 42 648 28 316 31 199

Capitais a curto prazo 2 602 869 909 18 834 5 403 -19 025 -31 591 -8 452 -6 384

Outros capitais - 139 - 216 750 -1 069 - 290 4 224 -1 859 -2 569 - 764

Conta Capital 25 271 10 115 14 294 29 359 33 959 25 877 20 596 14 165 30 215 Fonte: Banco Centra do Brasil

destaque o aumento nos fluxos de empréstimos e financiamentos, bem como o crescente ingresso de investimentos, principalmente investimentos estrangeiros diretos (gráfico 3).

GRÁFICO 3

Os investimentos estrangeiros diretos constituem-se em importante fonte de financiamento dos déficits em conta corrente, porque são menos sensíveis à conjuntura e estão relacionados com perspectivas de mais longo prazo. Outro aspecto que merece destaque é sua contribuição para a modernização do parque produtivo do país, tanto em termos da incorporação de novas tecnologias, quanto de avançadas técnicas de gestão, de modo a gerar aumentos de produtividade.

A maioria dos investimentos estrangeiros diretos se dirigiu para setores produtores de não exportáveis e, como observado por Laplane e Sarti (op. cit., p.43), apresentam um viés pró- importação, impactando negativamente a balança comercial:

[...] o investimento externo estrangeiro tem contribuído para financiar parcela significativa do déficit em transações correntes, principal restrição externa ao crescimento. Por outro lado, os atuais projetos de investimento apresentam elevados coeficientes de importação de bens de capital, e isso pressiona a balança comercial.

Outro aspecto a ser notado sobre o desempenho da conta de capitais do país nesse período é o contínuo aumento no pagamento de amortizações. Mesmo considerando o crescimento das amortizações pagas, o saldo acumulado na conta de capitais, em vários momentos,

4.313 9.976 17.083 26.133 29.996 30.498 0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Investimento Externo Direto líquido em US$ Milhões

ainda foi suficiente para cobrir os déficits em transações correntes e acumular significativas somas de reservas.

Apesar da significativa participação dos investimentos externos diretos, cabe destacar a relevância assumida pelos capitais de curto prazo no financiamento dos déficits em transações correntes, expressando a fragilidade da inserção externa do país, dado que esses capitais são altamente voláteis e sensíveis à conjuntura, de modo que qualquer sinal de risco cambial os afugenta.

Sem embargo, o comportamento do setor externo no período em análise evidencia um crescente desequilíbrio, tanto na conta corrente, ocasionado pelos déficits nas contas comercial e de serviços, quanto na conta de capitais, pelo papel que assumiram os capitais de curto prazo no financiamento do balanço de pagamentos. Essa situação de extrema vulnerabilidade e dependência em relação aos fluxos financeiros internacionais torna-se especialmente importante nesse período, tendo em vista os vários momentos de conjuntura desfavorável na economia internacional, com ênfase para a crise da Rússia no final de 1998, que forçou o governo a abandonar a âncora cambial.

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