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CONTINUAÇÃO DO ARGUMENTO

No documento WINNICOTT, D.W. - O Brincar e a Realidade (1) (páginas 160-165)

Esta exposição torna necessário um exame do destino desse espaço potencial, que pode ou não entrar em evidência como área vital na vida psíquica da pessoa em desenvolvimento.

O que acontece se a mãe dá início a um fracasso gradativo de adaptação, a partir de uma posição de adaptação plena? Esse é o ponto crucial da questão e o problema requer estudo, por influenciar nossa técnica como analistas, quando temos pacientes que são regressivos, no sentido de serem dependentes. Na boa experiência média, nesse campo de manejo (que começa tão primitivamente, e está sempre recomeçando), o bebê encontra prazer intenso, até mesmo doloroso, associado à brincadeira imaginativa. Não há jogo estabelecido, de modo que tudo é criativo, e, embora o brincar faça parte da relação de objeto, tudo o que acontece é pessoal ao bebê. Tudo o que é físico, é imaginativamente elaborado, investido de uma qualidade de primeira vez. Posso dizer que esse é o significado pretendido para a palavra 'catexizar'?

Posso perceber que me encontro no campo do conceito de 'busca do objeto' (em oposição à 'busca de satisfação'), de Fairbairn (1941).

Como observadores, notamos que na brincadeira tudo já foi feito antes, sentido antes, cheirado antes, e onde surgem símbolos específicos da união do bebê e da mãe (objetos transicionais), esses próprios objetos foram adotados, não criados.

Contudo, para o bebê (se a mãe puder proporcionar as condições corretas), todo e qualquer pormenor de sua vida constitui exemplo do viver criativo. Todo objeto é um objeto 'descoberto'. Dada ia oportunidade, o bebê começa a viver criativamente e a utilizar, objetos reais, para neles e com eles ser criativo. Se o bebê não receber essa oportunidade, então não existirá área em que possa brincar, ou ter experiência cultural, disso decorrendo que não existirão vínculos com a herança cultural, nem contribuição para o fundo cultural.

A 'criança privada' é notoriamente inquieta e incapaz de brincar, apresentando um empobrecimento da capacidade de experiência no campo cultural. Essa observação conduz a um estudo do efeito da

privação na época da perda do que se tornou aceito como fidedigno. O estudo dos efeitos da perda em qualquer estádio primitivo envolve-nos no exame dessa área intermediária, ou espaço potencial entre sujeito e objeto. O fracasso da fidedignidade ou perda do objeto significa, para a criança, perda da área da brincadeira e perda de um símbolo significativo. Em circunstâncias favoráveis, o espaço potencial se preenche com os produtos da própria imaginação criativa do bebê. Nas desfavoráveis, há ausência do uso criativo de objetos, ou esse uso é relativamente incerto. Já descrevi (Winnicott, 1960a) o modo como a defesa do eu (self) falso e submisso aparece, quando se oculta o verdadeiro eu (self) com potencial para o uso criativo de objetos.

Em casos de fracasso prematuro da fidedignidade ambiental, ocorre um perigo alternativo, o de que esse espaço potencial possa ser preenchido com o que nele é injetado a partir de outrem que não o bebê. Parece que tudo o que provenha de outrem, nesse espaço, constitui material persecutório, sem que- o bebê disponha de meios para rejeitá-lo. Os analistas precisam estar atentos para evitar a criação de um sentimento de confiança e uma área intermediária em que a brincadeira se possa efetuar, e, depois, injetar nessa área ou inflá-la com interpretações que, com efeito, provêm de suas próprias imaginações criativas.

Fred Plaut, analista junguiano, escreveu um artigo (1966), do qual cito:

'A capacidade de formar imagens e utilizá-las construtivamente pela recombinação em novos padrões, diferentemente dos sonhos, ou fantasias, depende da capacidade do indivíduo em confiar.'

A palavra confiança, nesse contexto, demonstra compreensão do que quero significar pela construção da confiança baseada na experiência,

na época da dependência máxima, antes da fruição e do emprego da separação e da independência.

Espero que tenha chegado o momento em que a teoria psicanalítica comece a prestar tributo a essa terceira área, a da experiência cultural, que é um derivado da brincadeira. Os psicóticos insistem em nosso conhecimento dela, e sua importância cresce para nossa avaliação das vidas dos seres humanos, antes que de sua saúde. (As duas outras áreas são a realidade psíquica pessoal, ou interna, e o mundo real em que o indivíduo vive).

RESUMO

Tentei chamar a atenção para a importância, tanto na teoria quanto na prática, de uma terceira área, a da brincadeira, que se expande no viver criativo e em toda a vida cultural do homem. Essa terceira área foi contrastada com a realidade psíquica interna, ou pessoal, e com o mundo real em que o indivíduo vive, que pode ser objetivamente percebido. Localizei essa importante área da experiência no espaço potencial existente entre o indivíduo e o meio ambiente, aquilo que, de início, tanto une quanto separa o bebê e a mãe, quando o amor desta, demonstrado ou tornando-se manifesto como fidedignidade humana, na verdade fornece ao bebê sentimento de confiança no fator ambiental.

Chama-se a atenção para o fato de que esse espaço potencial é fator altamente variável (de indivíduo para indivíduo), ao passo que as outras duas localizações — a realidade pessoal ou psíquica e o mundo real — são relativamente constantes, uma delas sendo determinada biologicamente e a outra, propriedade comum.

O espaço potencial entre o bebê e a mãe, entre a criança e a família, entre o indivíduo e a sociedade ou o mundo, depende da

experiência que conduz à confiança. Pode ser visto como sagrado para o indivíduo, porque é aí que este experimenta o viver criativo.

Em contraste, a exploração dessa área leva a uma condição patológica em que o indivíduo sofre o estorvo de elementos persecutórios dos quais não consegue livrar-se, já que não dispõe de meios para tanto.

A partir daí, talvez seja possível perceber quão importante pode ser para o analista reconhecer a existência desse lugar, o único em que a brincadeira pode ser iniciada, lugar este encontrado no momento de continuidade-contiguidade em que os fenômenos transicionais se originam.

Minha esperança é a de que tenha começado a responder minha própria pergunta: onde se localiza a experiência cultural?

No documento WINNICOTT, D.W. - O Brincar e a Realidade (1) (páginas 160-165)