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3.3 TRAJETÓRA DOS MOVIMENTOS DE PAZ

3.3.1 A continuidade das ações: de 1993 a 1999

Entre todos os intervalos citados no segundo capítulo, o espaço temporal, que vai de 1993 a 1999, corresponde ao auge do ativismo e da mobilização pela paz.

Os movimentos políticos que definiram as mobilizações pela paz nesse período foram a declaração da “guerra integral” pela administração de Gaviria e a crise decorrente do Processo Judicial 8000 a respeito da doação de dinheiro do tráfico de drogas para a campanha eleitoral do presidente Ernesto Samper. (FERNÁNDEZ, DURÁN, SARMIENTO, 2004, p.20)

Dessa forma, principalmente no fim dos anos 1990, isto é, entre 1997 e 1999 – fim do governo Samper, período eleitoral e início da administração de Andrés Pastrana – houve uma escalada no número de ações pela paz. Assim,

Não só foi evidente a existência de uma demanda pública, organizada e massiva pela paz [...] mas igualmente uma cobertura geográfica de caráter nacional e uma extensa

rede de organizações com uma identidade e segurança de sua atuação como conglomerado. (DURÁN, 2006, p.141)

Tal aumento se deve entre outras coisas, à crise econômica e política, provocada durante o governo Samper. Um exemplo concreto é o envolvimento do setor do empresariado com as propostas do processo de paz, apresentadas por Andrés Pastrana desde a sua campanha (ALVES, 2005, p.75). Houve uma movimentação no setor que se traduziu em um documento, promulgado durante a Assembleia Nacional da Associación Nacional de Empresarios de

Colombia (ANDI) de 1999, que trazia o posicionamento favorável dos empresários em

relação à Agenda Comum por uma nova Colômbia. Tal agenda tinha como pauta a preocupação com a qualidade de vida da população colombiana e com uma distribuição de renda mais equitativa, incluindo a realização da reforma agrária integral – buscando uma relação democrática entre Estado e sociedade (ALVES, 2005, p.75).

Ademais, as mobilizações sociais pela paz continuaram aumentando seu repertório de ações, variando com relação às frentes de ação e consolidando as estratégias próprias – resistência civil, criação de zonas de paz e prêmios pela paz – dos movimentos pela paz, além daquelas típicas aos movimentos sociais. Assim, ações educativas – numa tentativa de remover a violência já instaurada e inserir a cultura de paz no cotidiano colombiano – pertencentes à primeira estratégia, são amplamente utilizadas, chegando a representar 56% das ações realizadas no período (DURÁN, 2006, p.142).

Algumas dessas atividades – periódicas ou pontuais – em formato de campanhas e programas com o propósito de promover a defesa à vida, aos direitos humanos e a convivência cidadã pacífica, são: a Semana por la paz; Semilleros por la paz; Jornadas de

desarme; Gertores de paz; Cultura para la vida; Paz y equidad entre mujeres y hombres; Um cuento por la paz; Mujeres por la paz; Quiero mi colégio em paz; Los derechos humanos son paz; Deja tu huella em siglo XX: adiós a la violência; e La paz de lós mil dias47. Além desse viés, outros formatos voltados à educação foram fortalecidos, como é o caso dos encontros, foros e seminários, sendo, entretanto, direcionados ao tema da paz e sobre como fomentá-la, no lugar de debater sobre a situação de violência. Alguns desses eventos devem ser destacados pelo significante resultado político e social, dando origem a algumas importantes organizações, entre eles estão o Encuentro Nacional de Iniciativas contra la Guerra y por la

47Busca contrapor-se fazendo uma crítica à guerra civil que marcou profundamente a história do país, durante o século XX e que ficou conhecida como Guerra de los Mil Días.

Paz, que serviu de base para a criação, em 1993, da Redepaz48; já no ano de 1995, o

Seminario Nacional Paz Integral y Sociedad Civil49; a Cumbre del Mandato de los Niños por

la Paz50e a Asamblea por la Paz51, no ano de 1996; por fim e com grande importância, em 1998, a Primera Plenaria de la Asamblea Permanente de la Sociedad Civil por la Paz52.

A criação das organizações ou a expansão das existentes, representando a estratégia de número dois, deteve, nesse intervalo temporal, seu maior crescimento. As mais importantes instituições foram criadas, como é o caso da Redepaz ou Red Nacional de Iniciativas por la

Paz y contra la guerra (1993); do Comité de Búsqueda de la Paz y la Comisión de Conciliación Nacional (1995); Ruta Pacífica de las Mujeres (1996); La Red de Universidades por la Paz y la Convivencia (1997); Consejo Nacional de Paz y la Asamblea Permanente de la Sociedad Civil por la Paz (1998); e o encontro do No Más em combate aos sequestros e

desaparições forçadas (1999) (DURÁN, 2006, p.144).

No que diz respeito à atuação política – terceira estratégia –, “até os anos finais do período de 1997 a 1999, se consolidam os conselhos e as comissões locais e regionais que têm como fim impulsionar os diálogos e os processos de concertação sociais” (DURÁN, 2006, p.145). Exemplos relevantes disso são a concepção – por parte da Comissão de Conciliação Nacional – de uma proposta de política de paz a ser realizada pelo Estado, em 1997, a criação da Frente Social Amplio por la Vida e contra la Guerra, em 1998 e o estabelecimento de grupos de trabalho pela paz a nível local. De igual modo, ações de cunho político-eleitoral tiveram grande efeito em ocasiões como é o caso da campanha Voto em Blanco por la Paz – ligada a diversas organizações – e a organização de Mandatos, como é o caso do Mandato

Ciudadano por la Paz, la Vida y la Libertad, “[...] que obteve o respaldo de dez milhões de

votos [...].” (DURÁN, 2006, p.146).

48 A "Red Nacional de Iniciativas por la Paz y contra la guerra" (REDEPAZ) é uma organização que surgiu no ano de 1993. É uma iniciativa civil com o intuito de articular diversos processos regionais que se opunham à extensão da guerra e da violência. A Redepaz atua em todo o território nacional colombiano, tendo como objetivo a construção de uma nação que tenha como eixo a paz, a civilidade e a democracia. Para mais informações sobre a Redepaz, consultar: http://www.redepaz.org.co/

49 Foi o seminário que significou o auge dos encontros que haviam sido realizados no país com o objetivo de discutir propostas para um futuro processo de paz, com a Coordenadora Guerrilheira.

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Realizado para dar sequência ao Mandato de lós Niños y Niñas por la Paz, que aconteceu no ano de 1996 e surgiu da colaboração entre diversas instituições tais como a Redepaz, a UNICEF- Colômbia além de mais de 20 outros aliados. O Mandato possuía o objetivo de elevar o protagonismo das crianças na luta pelos seus direitos em meio aos conflitos do país. Para mais informações, consultar: http://www.saliendodelcallejon.pnud.org.co/buenas_practicas.shtml?x=7113.

51 “Assembleia de caráter nacional convocada pela USO, Ecopetrole a Oficina del Alto Comisionado para la

Paz, que promulgou a constituição de um amplo movimento nacional pela paz, proposta que buscou concretizar-

se dois anos depois na primeira plenária da Asamblea de la Sociedad Civil por la Paz.” (DURÁN, 2006, p.144) 52

Dentro das estratégias quatro e cinco, percebem-se em relevo os atos de protesto e as declarações de zonas de paz, respectivamente. As marchas e ações de contestação tiveram, portanto, um considerável aumento no fim dos anos 1990, já que as mobilizações pela paz, no geral, tronaram-se mais massivas53. Algumas das mais significativas são: La vida se toma

Medellín54, Abriendo el camino de la paz55, Ruta pacífica de las mujeres hacia Urabá56, além das inúmeras realizadas em apoio ao Mandato por la Paz57, e o No Más58. Por outro lado, diversas áreas do território colombiano se declararam nesse período, zonas de neutralidade59 sendo “por um lado, uma clara manifestação de fadiga frente à situação de violência e, por outro lado, por ter ultrapassado o ‘limite do medo’ (cf. Albo, 1993), que provocam as ações violentas dos vários atores armados” (DURÁN, 2006, p.148).

Entretanto, toda efusividade e grande número de ações dentro das mais variadas estratégias, em nenhum momento, entre os anos de 1993 e 1999, se traduziram em alto nível de confrontabilidade. Assim, “um fato interessante nesse período é que [...] não se registra nenhuma que tenha implicado no uso da violência ou o choque violento com as autoridades.” (DURÁN, 2006, p.149).

Por fim, analisando a extensão geográfica que as mobilizações atingiram, se constata que houve um aumento de 147 para 350 municípios e assim, pode-se dizer que, de fato, é algo que possui uma dimensão nacional – presença maior em municípios que enfrentavam um alto índice de violência, por outro lado, nas zonas de desmilitarizadas, onde se faziam as negociações com as FARC, as movimentações em favor da paz tinham um dinamismo relativamente baixo. Ainda, segundo Durán é possível perceber a:

[...] existência de dois recursos operantes dentro do movimento pela paz: um de caráter regional, que envolve mobilizações massivas e busca ter impacto nas políticas governamentais, particularmente nos processos em curso, e outro de ordem local, que implica um trabalho formativo e organizativo de médio a longo prazo, que busca gerar diversas expressões de poder nos processos regionais e locais (2006, p.149, tradução nossa).

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“Mais de 2,5 milhões de pessoas participaram de 40 marchas entre abril e setembro, e mais de 8 milhões de pessoas mobilizadas em 24 de Outubro de 1999, participando de passeatas e eventos em mais de 180 municípios [...].”(FERNÁNDEZ, DURÁN, SARMIENTO, 2004, p.21)

54Realizada em 1993 “[...] tem uma participação de 40.000 pessoas, que protestam contra a situação de violência que se vive na cidade.” (DURÁN, 2006, p.147).

55A marcha estudantil ocorreu em 1995 objetivando abrir caminho à tolerância, ao diálogo e ao respeito à vida. 56Realizou-se em 1996, com os objetivos de rejeitar a violência contra a mulher, pedir uma saída negociada do conflito e declarar que se negavam a conceber mais filhos condenados à guerra.

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Em 1997 foram realizadas diversas marchas para pedir ao governo que considerasse o diálogo como único mecanismo que poderia colocar fim no conflito.

58Marchas massivas contra os sequestros, realizadas durante todo o ano de 1999, mas principalmente no dia 24 de outubro quando ocorreram em 180 municípios em toda Colômbia.

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Desse modo, esse período, de fato, representa o vértice das mobilizações sociais pela paz e preenche todos os aspectos necessários para ser reconhecido como movimento e não como atividade pontual, com uma imensa rede de organizações em todos os níveis, desde o nacional ao local, articulados e consistentes.