• Nenhum resultado encontrado

Contornos e amplitude do normativo constitucional

SESSÃO 3. DIREITO AO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

3.1 Contornos e amplitude do normativo constitucional

A CRP prescreve no seu artigo 58º, nº1 que “todos têm direito ao trabalho”.

Ainda que inserido como um direito económico, este preceito constitucional tem por objeto acima de tudo um direito fundamental social. De acordo com a posição já anteriormente exposta, temos em mente a noção de que o titular do direito fundamental tem condições de pleitear judicialmente o seu interesse, que está juridicamente tutelado perante aquele que é o destinatário do direito, ou seja, aquele que tem a obrigação de prestá-lo. Quando o direito prestacional em questão é o direito ao trabalho, torna-se complexa a definição de quanto eficaz poderá ser esse direito, uma vez que a resposta passa pela positivação que lhe foi dada no texto constitucional e, principalmente, nas especificidades do seu objeto e âmbito de proteção.

Os direitos sociais têm por objeto a conduta positiva, um agir, ou seja, promover uma prestação de natureza fáctica. No entanto, é difícil concretizar no que se traduz o objeto da prestação do direito social.

Como podemos então definir o objeto do direito fundamental ao trabalho? Dele decorre um direito apto a ser pleiteado jurisdicionalmente? Se assim não for, essa impossibilidade retira o seu caráter fundamental ou podemos defender que um direito subsiste ainda que não tenha capacidade jurídica na sua imposição por meio de demanda judicial?

Se considerarmos apenas o texto literal e a classificação tradicional dos direitos fundamentais pelo seu objeto,58 o facto de a Constituição Portuguesa definir o direito ao trabalho como um direito social não permite uma interpretação muito além da ideia unanimemente recusada do “direito a um posto de trabalho”.

58 Por nós já afastada na Sessão anterior

40

Tomando-se como base o objeto do direito, pode-se dizer que o mesmo pode prescrever tanto uma ação positiva como uma ação negativa. Utilizando-se um exemplo clássico, “todos têm direito à vida, a ação do destinatário pode ser através de uma omissão, ou seja, o sujeito tutelado pelo direito tem frente ao Estado o direito de que este não o mate, ou ainda mediante uma ação positiva, o sujeito tem frente ao Estado direito que este crie mecanismos para proteger a sua vida frente a intervenções de terceiros.

Assim, considerando o Estado como destinatário do objeto e quando este visar uma conduta de omissão (ou direito de ação negativa), estamos perante os chamados direitos de defesa. Por outro lado, quando do objeto decorra uma ação positiva, estamos perante os direitos a prestações de facto.

Os direitos dos cidadãos a ações negativas por parte Estado podem dividir-se em três grupos, sendo o primeiro o direito a que o Estado não impeça ou crie obstáculos a determinadas ações do titular do direito; o segundo por direitos a que o Estado não afete determinadas propriedades ou situações do titular do direito; e o terceiro por direitos que o Estado não elimine determinadas posições jurídicas do titular do direito59. O primeiro grupo determina que o Estado não frustre as ações do titular do direito, pois este tem frente ao Estado um direito a que este não lhe impeça a realização de determinada ação. O segundo grupo determina que o dever do Estado não está apenas em não afetar determinadas propriedades ou situações do titular do direito, pelo que o sujeito tem frente ao Estado um direito a que este não afete a sua situação relativamente àquele direito. No que concerne ao terceiro grupo, este contém o direito do Estado não eliminar determinadas posições jurídicas do titular do direito. Tais posições jurídicas são determinadas pelas normas correspondentes, pelo que o direito do cidadão frente ao Estado está centrado no facto de que este não suprima determinadas normas, ou seja, o sujeito tem direito frente ao Estado que este não elimine a sua posição jurídica.6061

59 Robert Alexy, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, tradução de Virgílio Afonso da Siva, São

Paulo, Malheiros Editora, Lda., 2008, pág. 189.

60

O artigo 53º da CRP, ao estabelecer a proibição dos despedimentos sem justa causa, confere um verdadeiro direito à estabilidade no emprego que se reflete diretamente no regime jurídico do despedimento consagrado na lei ordinária.

41

Os direitos dos cidadãos a ações positivas do Estado podem ser divididos em dois grupos, considerando ser o objeto de uma ação fáctica ou uma ação normativa.

O direito fundamental como um todo é um objeto bastante complexo, está composto de elementos com uma estrutura bem definida, ou seja, as distintas posições do cidadão frente ao Estado, das quais se depreendem relações de precisão, relações de meio/fim e relações de ponderação.

Assim, percebe-se quão árdua pode ser a tarefa de delimitar qual seria o objeto tutelado pelo artigo 58º, nº1 da nossa Constituição no tocante ao direito fundamental ao trabalho. Numa escala de interpretações possíveis podemos ir desde o direito utópico a dar a cada indivíduo um trabalho, independentemente do tempo e lugar, até ao direito compensatório de receber ajuda em caso de desemprego. Portanto como poderemos delimitar a sua abrangência?

Não é tarefa simples responder à questão, uma vez que não estamos perante um direito único, mas sim, de acordo com Gomes Canotilho62, um complexo de posições

jus fundamentais, isto é, de n posições jurídicas definitivas e prima facie (regras e

princípios) que, não obstante, integrarem a ideia do direito ao trabalho, podem muito bem funcionar autonomamente.

O direito fundamental como um todo é um direito que se pode colocar em qualquer das posições jus fundamentais acima referidas, ou seja, liberdade jurídica, direito a ações negativas e do direito a ações positivas.

Partindo-se do princípio que o direito ao trabalho é um direito fundamental como um todo, sendo que um dos seus aspetos é ele abranger não só relações jurídicas concretas, mas também proteger uma relação jurídica em potencial, conclui-se que o poder público, maxime Estado, tem o dever de proteger esse direito fundamental, inclusive proteger o sujeito que ainda não se encontra na situação de trabalhador (apenas o é potencialmente).

61 Reconhecendo o carácter garantístico do artigo 53º da CRP, mas discordando sobre o seu alcance,

Maria do Rosário Palma Ramalho, “Insegurança ou diminuição do emprego? A rigidez do sistema jurídico português em matéria de cessação do contrato de trabalho e de trabalho atípico”, in X Jornadas Luso-Hispano-Brasileiras, Anais, Coimbra, 1999, Almedina, p 91 e ss.

42

Assim difícil se torna a tarefa de proteção desse direito fundamental, principalmente pelo facto de que nem sempre se consegue dissociar o trabalho prestado da dignidade do Homem que o produz. E Kant já dizia que não se valoriza economicamente a dignidade humana, sendo o ser humano inigualável a qualquer outro na sua essência.63 A vinculação do valor (conceitual) de trabalho com a dignidade humana será melhor analisada posteriormente no nosso trabalho.

Concluindo, do Estado pode ser exigida a proteção e promoção do direito fundamental ao trabalho em todas as suas esferas, através de políticas públicas, elaboração de normas jurídicas ou repressão de ações que visem o seu incumprimento, conforme podemos depreender das diversas normas do texto constitucional.

Desta feita, na árdua tentativa de delimitar o objeto do direito fundamental ao