• Nenhum resultado encontrado

Precisar o momento em que surgiram os contos de fadas é tarefa difícil, pois antes de serem escritas e publicadas, essas narrativas eram contadas oralmente e recebiam versões diferentes. Com isso, os inicialmente chamados “contos de velhas” foram se modificando e se adequando ao contexto de cada tempo às luzes de sua cultura.

O conto de fadas está ligado à noção do maravilhoso, do sobrenatural, pois as ações se dão fora do que se considera como real, com seres do imaginário em um mundo não natural. No entanto, os acontecimentos fazem parte de um sobrenatural que não é questionado, sendo totalmente aceito tanto por leitores como personagens, embora não obedeçam às leis naturais de ações do mundo que se considera como real.

Segundo Mendes (2000), Charles Perrault publicou “Griselides”, o primeiro conto de fadas, em 1691. O livro Contos de Mamãe Gansa, publicado pela primeira vez em 1697, é a coletânea mais conhecida de contos de fadas, embora ainda existam dúvidas se foi escrito por Charles Perrault ou por seu filho Pierre Darmancour, ou ainda se foi escrito a quatro mãos. A hipótese mais aceita entre os estudiosos é que as narrativas tenham sido escritas por seu filho Pierre Darmancour reproduzindo as histórias contadas oralmente pela família ou pelas amas, e o pai tenha contribuído escrevendo a mensagem moralista ao final, transmitindo valores morais e pedagógicos da classe burguesa a que pertencia. A autoria das histórias seria, então, de pai e filho. Em 1781, Contos de Mamãe Gansa passa a ser atribuído somente a Charles Perrault.

Outro momento de destaque para os contos de fadas só seria conhecido no século XVIII com os Irmãos Grimm. Os irmãos alemães recontaram as narrativas de Perrault, retirando delas a moral e adequando-as à cultura alemã da época, como defende Mendes (2000, p.89): “Como a coletânea alemã foi publicada em 1812, em plena explosão do romantismo, muitos quiseram ver nesse final feliz a influência dos ideais românticos. Mas foi sempre reconhecida a fidelidade dos Grimm ao folclore alemão.” Assim, o desejo de amenizar a violência dos contos de Perrault e a explosão dos ideais românticos do período podem justificar as novas versões dos contos escritos pelos Irmãos Grimm.

No Brasil, a versão dos Irmãos Grimm é a mais conhecida, principalmente por ter inspirado filmes produzidos por Hollywood e Disney, como afirma Mendes (2000, p.83), “em nosso século, seu prestígio aumentou graças às versões cinematográficas de Walt Disney que, na Hollywood dos anos 40 e 50, deram vida às personagens por meio de desenhos animados, músicas e diálogos cheios de romantismo.”. A partir da difusão dos contos dos irmãos alemães,

surgem, ainda nos dias de hoje, diversas versões diferentes dos contos de fadas com adequações voltadas à cultura e aos valores do tempo em que são escritas, como é o caso de Chapeuzinho

Vermelho – uma aventura borbulhante, de Lynn Roberts.

É útil lembrar, que, inicialmente, os contos de fadas não eram destinados às crianças, uma vez que traziam em suas narrativas o incesto, o canibalismo, o adultério, as mortes violentas e outros temas que são mais propícios ao imaginário adulto. As narrativas originais eram direcionadas às pessoas de maior idade, embora, no século XVII e XVIII, as crianças não tivessem nenhum tratamento especial, sendo vistas como miniaturas de adultos e, por isso, recebiam o mesmo tratamento, circulavam pelos mesmos espaços, faziam os mesmos trabalhos, vestiam o mesmo estilo de roupas e não tinham nenhum direito. Assim, as crianças ouviam as histórias nos ambientes em que também estavam os adultos. Os contos eram narrados oralmente por profissionais que repassavam esse oficio de pais para filhos, pois grande parte da população era analfabeta. Somente depois de sofrerem adaptações, essas narrativas passaram a fazer parte do universo das crianças, trazendo elementos fantásticos e românticos que preenchiam o imaginário dos pequenos.

O uso dos contos de fadas sempre teve o objetivo de preservar as bases morais e ideológicas da sociedade no tempo em que surgiram. Mendes (2000, p.104) afirma que “os personagens do conto maravilhoso, por mais diferentes que sejam, realizam sempre as mesmas ações, fato que já fora observado pelos historiadores das religiões nos mitos e crenças, mas não pelos estudiosos dos contos populares.”. Para Mendes (2000, p.104), estão presentes em quase todos os contos “afastamento, proibição, transgressão, interrogatório, informação, ardil, cumplicidade, dano e mediação”, culminando com o casamento no final feliz. Os contos são, constantemente, marcados pela presença de uma mulher ou uma criança no papel de herói ou heroína e pelo afastamento de alguém da família que teria a missão de protegê-lo. No caso de Chapeuzinho Vermelho é o afastamento da mãe que a deixa ir sozinha à casa da avó. A proibição e/ou transgressão geralmente ocorre com a presença do antagonista. No conto de Perrault, a desobediência não está explícita, mas, na versão de Grimm, ela ocorre quando Chapeuzinho vai pelo caminho mais longo, contrariando as orientações da mãe. Nesse momento, aparece o Lobo Mau (malfeitor) que significa o fim da paz e o início dos problemas da protagonista. Interrogatório e informação estão presentes na ingenuidade de Chapeuzinho, que se deixará envolver e ser enganada pelo Lobo, que se mostra ardil nos planos que faz para comer a avó e depois a neta. O dano e a mediação serão observados com a chegada do herói salvador que, no caso da versão de Perrault, não há, pois no final da narrativa a menina também é devorada pelo Lobo. Somente na versão dos irmãos Grimm, temos a presença do caçador que

salvará a menina. Com frequência, o herói das narrativas é sempre um personagem masculino, ressaltando o papel dos homens como seres protetores e defensores das frágeis mulheres. Para Bettelheim (2002), é característica desses contos a presença de um dilema existencial de forma sucinta e categórica. Esse dilema vem carregado de grandes desafios, encantamentos, animais humanizados, fadas madrinhas, lobos e bruxas personificando o mal, a recompensa para os bons e o castigo para os maus, o casamento, o final feliz que faz parte da maioria dos contos. Todas essas características além de serem muito eficazes na promoção da obediência de mulheres e crianças, mostram-se também, como afirma Mendes (2000, p.144), “eficientes na função de envolver emocionalmente as crianças e inebriá-las com os encantamentos mágicos.”.

Esses elementos ficcionais, contidos na estrutura dos contos de fadas, se tornam relevantes para que a criança reflita sobre as ações e sentimentos das personagens, por isso, suscitam grandes crenças nas crianças por revelarem como elas pensam, experimentam o mundo e “expressam em palavra e ações as coisas que se passam nas mentes infantis” (BETTELHEIM, 2002, p. 195). Esse mundo fictício permite que ela encontre um espaço para compreender, mesmo que mais tarde, seus conflitos, seus medos e suas angústias, muitas vezes projetados nos personagens que personificam o bem e o mal.