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4.2 ETAPA 1 – “CHAPEUZINHO VERMELHO”

4.2.1 Leitura

Em um primeiro momento, buscamos motivar os alunos e verificar quais seriam suas expectativas em relação à primeira etapa do projeto. Para isso, os alunos foram levados para a biblioteca e fizemos uma roda de conversa. Questionamos sobre suas expectativas em relação às três versões diferentes do conto de fadas “Chapeuzinho Vermelho” que iriam ler, no entanto eles não se manifestaram, talvez por timidez ou por não conhecerem muitas das obras. Disseram conhecer apenas a versão em que há um caçador que mata o lobo mau e não conheciam as demais. Não adiantamos muito sobre as versões que não conheciam, mas avisamos que eles iriam conhecer versões muito diferentes e que gostaríamos que ficassem atentos às diferenças entre elas.

As obras que compõe nosso corpus são dotadas de seres fantásticos e sobrenaturais. Por isso, antes de iniciar a leitura, os alunos fizeram uma pesquisa no laboratório de informática sobre o conceito de sobrenatural e ficção. Entender esses conceitos se fazia necessário para que compreendessem como a ficção (re)cria a vida, produzindo novas possibilidades de real, por meio do que Iser (2002, p. 957) denomina de fingimento: “Como o texto ficcional contém elementos do real sem que se esgote na descrição deste real, então o seu componente fictício não tem o caráter de uma finalidade em si mesma, mas é, enquanto fingida, a preparação de um imaginário”. Segundo essa perspectiva, consideramos que, ao desenvolver habilidades capazes de entender o texto como ficção, os alunos enxergariam em textos aparentemente distantes de sua realidade, como os contos de fadas, por exemplo, uma ancoragem para o mundo real, ressignificando assim sua própria realidade.

Ao final da pesquisa, realizamos uma roda de conversa para discutir os resultados. Prontos para iniciar a leitura, questionamos qual versão do conto de fadas “Chapeuzinho Vermelho” os alunos tiveram maior contato, com o objetivo de investigar o que já conheciam sobre essa história. Os alunos responderam que conheciam a versão em que o caçador matava o lobo ao final. Repetindo o que já lhes havia dito antes, dissemos a eles que finalmente conheceriam a primeira versão. No entanto, antes era necessário que eles conhecessem um

pouco do contexto histórico, social e cultural do século XVII, pois somente ao entender a cultura daquela época, poderiam olhar para o texto com o olhar de outrora. Era necessário considerar que o texto pode ser o mesmo, mas o leitor muda, bem como o contexto, a cultura e os costumes, portanto, a leitura torna-se diferente. Assim, conversamos sobre a infância no século XVII, os direitos inexistentes, o cotidiano das mulheres e crianças, e a forma como ambos eram enxergados por uma sociedade machista e patriarcal. Acrescentamos que esse conto, assim como muitos outros, não foi criado por Charles Perrault, pois eram contados há centenas de anos, oralmente, por parentes ou empregados das casas, com o objetivo de assustar as crianças e as mulheres.

Os alunos ouviram com muita atenção essa contextualização, fizeram perguntas, sempre com muita curiosidade e interagiram. A leitura foi realizada pela professora e, ao iniciar, os alunos pareciam estar motivados e ouviram com muita atenção como se buscassem identificar o motivo desse conto não ser adequado para as crianças. Ao final perguntaram: “Onde está o caçador?”; “Quem salva a Chapeuzinho?”; “Essa história está diferente.” O conto de fadas na versão de Perrault resultou em um longo debate sobre temas presentes na obra.

Na sequência, a leitura do conto de fadas “Chapeuzinho Vermelho” dos Irmãos Grimm foi realizada pelos alunos. Acordamos em fazer leitura compartilhada com os alunos sentados em círculos no interior da biblioteca da escola. Após a leitura, os alunos foram convidados a falar sobre o texto. Muitos disseram que era a essa a versão que ouviram quando criança. Um de nossos objetivos nessa etapa era levá-los a perceber as principais diferenças entre as versões do conto, por isso os questionamentos foram feitos levando-os a fazer comparações e reflexões acerca das duas versões lidas. Os discentes foram elencando: “nesse conto há um caçador”, “o lobo morre”, “a barriga do lobo está cheia de pedras”, “os alimentos da cesta mudaram”, “o lobo não consegue comer Chapeuzinho”. Questionamos sobre o que eles pensavam sobre essas mudanças e se eles saberiam dizer o porquê de elas acontecerem. Os alunos não souberam responder, então explicamos que, conforme o tempo passa, os costumes mudam e os contos vão recebendo novas versões que dialogam com a realidade em que seus leitores vivem. Por isso, surgem novas versões ainda hoje, como verão mais no final dessa primeira etapa. Um dos momentos mais gratificantes da aula foi quando um aluno comentou que quando a aula é boa, o tempo passa voando. Essa afirmação nos motivou a continuar nos esforçando para que as próximas propostas também resultassem em leitura literária com prazer.

A leitura de Chapeuzinho Vermelho – uma aventura borbulhante foi realizada pela professora. Utilizamos o datashow da biblioteca para reproduzir o DVD com as ilustrações do

livro8, que, muitas vezes, arrancavam gargalhadas dos alunos. As ilustrações traziam imagens inusitadas e engraçadas, cuja função era complementar o texto escrito. Utilizamos recursos, como mudar a voz, para os dif0erentes personagens, fazer barulhos com onomatopeias, entre outros, cujo objetivo era chamar a atenção dos alunos para o texto. Já no início da leitura, causou-lhes estranhamento o fato de Chapeuzinho Vermelho ser um menino. Ouve muitos comentários durante a história como: “esse chapeuzinho é um gayzinho” evidenciando a cultura machista em que estão inseridos. Ouvíamos os comentários enquanto fazíamos a leitura e deixamos as intervenções para o final da história. Ao término, questionamos se haviam gostado do conto e quais eram as principais diferenças entre essa versão e as outras duas contadas anteriormente? Os alunos disseram que estranharam não ter caçador nessa história, pois o lobo não foi punido. Explicamos que essa versão já está adaptada para a cultura dos dias de hoje e que, atualmente, é politicamente incorreto maltratar os animais. Além disso, esse conto nos ensina que a violência não se faz necessária para resolvermos nossos problemas, uma vez que temos a possibilidade de dialogar. Nesse momento, um aluno disse que essa versão não está livre de violência, pois Chapeuzinho acerta a cabeça do lobo com uma vassoura. Demonstrando assim que estava atento às principais diferenças, não deixando de lado sua criticidade.

Outro aluno comentou sobre Chapeuzinho ser um menino que usa roupa vermelha. Questionamos se eles já utilizaram alguma roupa vermelha, ou se somente mulheres poderiam usar essa cor. Alguns disseram que não usam de jeito nenhum, pois vermelho e rosa são cores femininas. Explicamos que todos devem se sentir livres para usar a cor que quiserem e se sintam bem. Foi discutida também a necessidade de os homens ajudarem nos cuidados com os pais, com a casa, com os avós e que essa não deve ser uma tarefa exclusiva das mulheres.

Os alunos fizeram também uma atividade com o texto fatiado. Nessa atividade, deveriam ler e recortar as partes de dois textos com diferentes versões sobre o conto de fadas. O material lhes foi entregue desordenadamente, os alunos deveriam organizá-lo se atentando para a coerência da narrativa. Durante a atividade, percebemos que, embora o texto fatiado parecesse simples, os alunos demonstraram dificuldades em organizá-lo. Assim, solicitamos que os discentes, inicialmente, numerassem as partes para que somente após a correção fizessem a colagem no caderno, pois seria difícil arrancar, caso houvesse necessidade de corrigir.

8 Chapeuzinho Vermelho – uma aventura borbulhante é composto por um livro e um CD que apresenta as ilustrações sem a presença do texto escrito.

Figura 12 - Exemplo 1 – Atividade texto fatiado

Fonte: Aluno participante desta pesquisa, 2018

Figura 13- Exemplo 2 – Atividade texto fatiado

Figura 14 - Exemplo 3 – Atividade texto fatiado

Fonte: Aluno participante desta pesquisa, 2018

Nessa atividade, buscamos trazer versões inusitadas e diferentes do conto tradicional, em que as mulheres são independentes e autossuficientes, contrastando com o perfil da personagem indefesa e ingênua apresentada nos contos lidos. O objetivo era provocar os alunos para que fizessem uma relação entre o perfil das personagens dos contos de fadas (ficção) e o perfil das mulheres que vivem em nosso meio social (real). Os alunos perceberam o contraste e a partir da leitura, discutimos o machismo presente nas narrativas antigas, em que a mulher é sempre a vítima indefesa que precisa da proteção de um homem. Durante as discussões um aluno disse que o texto da atividade ainda era violento com os animais, pois a Vovozinha e a

Chapeuzinho atacavam o lobo com uma arma de choque. Esse comentário refletiu o desenvolvimento da criticidade dos alunos e reforçou nossa convicção de que a literatura é o caminho para adquirir esse avanço.