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CAPÍTULO 4: Uma escola dentro de outra escola: reflexões a partir de paradoxos, tensões e

4.1. O que dizem os dirigentes, professores e estudantes acerca do Recreio Escolar

4.1.3. Contradições

Ao analisarmos os discursos dos sujeitos pesquisados, os documentos que tivemos acesso e as observações no campo de pesquisa, encontramos vários conflitos, tensões, distorções e mesmo contradições. Nessa primeira parte vamos nos ater a apresentar essas contradições presentes nas falas dos sujeitos entrevistados e na análise documental. Na segunda parte desse capítulo iremos adicionar mais um elemento que foram as observações em campo. Com isso, pretendemos levar o leitor a entrar, cada vez mais, na complexidade do

nosso tema que extrapola o próprio objeto investigado que é o recreio escolar. Como havíamos dito anteriormente, ao procurarmos a prática escolar do recreio nos deparamos com práticas outras que trouxeram à luz, as dificuldades enfrentadas pelas escolas angolanas. Outro aspecto que começou a ser delineado é o fato de Angola se encontrar em uma fase de transição para reafirmar sua identidade cultural. O fato de ter se libertado da colonização portuguesa recentemente e de ter passado por uma guerra que a devastou, coloca o país em um momento de repensar sua própria identidade. Então, fica mais evidente o choque de culturas; entre a cultura portuguesa e a cultura do povo angolano. Transpareceu-nos que ainda existem na gestão atual, práticas entendidas como herança do regime colonial. Estas, sobrepostas a outras, apresentam um emaranhado de significados cada vez mais instáveis. Recordando nosso referencial teórico, e nas palavras do próprio Vygotsky,

o sentido é sempre uma formação dinâmica fluida, complexa, que tem varias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais uma zona mais estável, uniforme e exata. Como se sabe em contextos diferentes, a palavra muda facilmente de sentido. O significado ao contrário é um ponto imóvel e imutável que permanece estável em todas as mudanças de sentido da palavra em diferentes contextos

(VYGOTSKY, p.465, 2000, apud Asbahr p.5, 2011).

Em um momento em que o país vive todas essas transformações, os significados que deveriam estar mais estáveis, uniformes, exatos se veem problematizados. Assim é o caso do recreio escolar e da menção, pelos dirigentes, dos momentos em que eles próprios viviam o recreio escolar. Naquela época, com a educação pautada pelos valores da cultura portuguesa, essa prática tinha seu significado estabilizado. Já não é o que encontramos nos dias de hoje.

As contradições são várias e apresentamos aqui apenas aquelas que mais se repetiram na fala de todos: o aproveitamento do tempo para a formação dos angolanos; a interpretação da lei 13/2001 sobre a Segunda Reforma Educativa artigo 49 (formação extra escolar); a sobrecarga dos tempos de trabalho dos professores; alunas proibidas de realizar o jogo antigo denominado  “zero”,  pelo  fato  de  constituir  poluição  sonora  no  ambiente  escolar;;  a  existência   ou não do recreio escolar; a questão da inserção de mais disciplinas no currículo; o número de alunos por sala segundo o que está estabelecido na reforma e a realidade no terreno.

Vamos articular as falas para que possamos notar essas divergências. Os dirigentes na sua   fala   ressaltam   o   seguinte:   “devemos   aproveitar   o   tempo   para   a   formação,   e   isto   é   algo   muito sério e é um compromisso para com a nação angolana e isso consta na lei 13/01”.   (Entrevista com o Consultor para o Ensino Superior Angola, Minas Gerais, 18/05/2014). Mais adiante  o  diretor  da  escola  afirma  que  “as  turmas  devem  ser  constituídas  por  45  alunos”.  Mas na prática são, em média, 60 alunos ou mais tal como constam da lista da turma B3 (Anexo

1).  Ainda  sobre  o  tempo  em  respeito  ao  decreto,  no  seu  artigo  49  diz  que  “as  aprendizagens   extraescolares  são  feitas  no  período  oposto  das  aulas”.  No  mesmo  artigo, no ponto dois, diz que a formação extraescolar realiza-se nos tempos livres de aulas, aproveitando o tempo de recreação,   actividades   desportivas   etc.”   Na   prática,   o   que   se   realiza   no   período   oposto,   segundo o que consta do horário escolar, é disciplina de educação física por falta de tempo suficiente para cobrir os seis tempos diários, porque as disciplinas aumentaram com a Reforma Educativa. Ao analisarmos o horário escolar, notamos também que não existe tempo reservado para a recreação tampouco para as atividades extraescolar. Consta do horário escolar apenas o intervalo de cinco minutos entre as aulas, fazendo 25 minutos de descanso em cinco horas por dia.

Outra contradição em relação ao tempo respeitando as vozes dos dirigentes entrevistados   é   de   que   “o tempo   deve   ser   aproveitado”.   Pelo   que   observamos   há   um   descumprimento do horário escolar. Essa questão parece ser uma herança da cultura portuguesa ou mesmo da cultura do povo, mas que começa a ser incentivada na escola e está se tornado um fato da realidade angolana. São poucos os eventos que dão início na hora marcada e terminam no horário certo. Ao fazermos análise do nosso panorama de pesquisa, constatamos que existe uma falta de cumprimento de horário por parte de alguns professores, o que leva os alunos a se reorganizarem à sua maneira aproveitando o tempo livre quando não há professor. Surge, por conseguinte, a nossa curiosidade em saber de que eles se ocupam, qual é o aprendizado para sua formação? Se os professores se atrasam ou não se apresentam para  administrar  as  aulas,  contradiz  a  afirmação  do  professor  que  diz  que  “deve  sobrecarregar   o  tempo  de  trabalho  do  professor”.  Sendo  assim,  não  estamos  a  aproveitar  o  tempo  tal  como   pensado no decreto lei 13/01 e reforçado pelos dirigentes. A figura abaixo (Figura 11) é o planejamento dos tempos da turma investigada. Esse planejamento nos mostra a intenção de desenvolver as atividades de acordo com a política educacional que procura aproveitar ao máximo o tempo dos estudantes. No entanto, contradiz com o exposto na lei em relação as atividades extra escolares.

Podemos observar que a turma B3 da 7ª classe possui diariamente seis tempos de 45 minutos cada, por disciplina, podendo ter aulas geminadas, no caso das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Mais adiante vamos observar o que acontece na prática dessa turma. Recalcando sobre a lei 13/01, no artigo 49 a formação extraescolar realiza-se no tempo livre e nas atividades esportivas e jogos. Na prática, os alunos reclamam terem sido proibidos de jogar, no caso de falta de professores, por provocarem tumultos na escola. Alegam as alunas:   “Nos   proibiram   de   jogar   ‘Zero’ quando estamos sem aulas porque provocamos barulho  com  as  palmas”.

Quanto ao recreio escolar os dirigentes falam sobre sua concepção, embora na prática não ocorra. Como vimos no capítulo 3, o diretor da escola remete ao recreio como uma prática recorrente na escola para, em seguida, dizer que essa prática ocorria quando a escola atendia   crianças   de   níveis   básicos.   Diz   ele:   “Sim   existe   o   recreio,   mas   não   é   tão   bem  

aproveitado.”  Interessante  que  este  diretor  é  quem  distribui  os  horários  das  diversas  turmas,   como a B3, onde não consta um tempo determinado para o recreio. Na entrevista com um dos dirigentes   assim   ele   se   expressa:   “Bem,   não   é   uma   questão   de   Reforma.   A   Reforma   prevê   também  o  recreio  nas  actividades  extraescolares.”  Como  podemos  perceber,  uns  afirmam  que   existe recreio e outros não. Dessas afirmações contraditórias podemos inferir que o Programa Político não condiz com a realidade. Não está expresso o recreio em algumas páginas da lei 13 /2001 na Segunda Reforma e nem no plano das aulas.

Já alguns professores sabem que não existe o tempo de recreio no horário escolar. Assim, abrem um espaço no seu tempo de aulas para que os alunos possam ter pelo menos 15 minutos de descanso, porque percebem a importância desse tempo para os mesmos. Argumentou assim uma professora:

“as   vezes   quando   alguns   colegas não faltam, e se tenho dois tempos, tenho dispensado os alunos uns 15 minutos para relaxarem porque eles são crianças não aguentam   ficar   muito   tempo   na   sala   de   aula.”   (Entrevista com a professora de Língua Portuguesa, sala de professores, 19/03/2014)

Numa outra visão contraditória um professor diz que:

“os  alunos  têm  tido  recreio.  Eles  aproveitam  o  intervalo  de  cinco   minutos  para  se   recrearem, ir ao banheiro e comprarem merenda lá fora”.   (Entrevista com o professor de Educação Física, 09/04/2014)

É interessante perceber nesta fala, como a dimensão do tempo não é real. Com um intervalo de cinco minutos o professor espera que os alunos possam recrear ir ao banheiro e comprar merenda fora da escola. Esta mesma ideia foi sustentada pelo diretor da escola da seguinte forma:

“os  alunos  passam  tempo  fora  nos  corredores,  fazendo  barulho  incomodando  outros   que  estão  em  aulas  e  não  aprendem  nada”.  

Acrescentou ainda que

“por  isso  é  que  o  professor  nomeado  como  chefe  de  turno  e  os  delegados  de  turma   têm a responsabilidade de manterem os alunos na sala enquanto não tem professor. Mas  isso  tem  sido  muito  difícil  porque  eles  se  movimentam  demais  nos  corredores” (Entrevista com o diretor da escola 26/06/14).