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Contradições expressas acerca das possibilidades de participação dos alunos

Na segunda sessão de autoconfrontação simples é interessante analisar um movimento da professora no sentido de apontar a importância da participação dos alunos em sala de aula. Levada à reflexão, a professora manifesta o seguinte pensamento:

a partir do momento que você fez uma pergunta ou fez uma colocação a respeito do assunto, é porque você pensou naquilo, entendeu? Então aquilo ou te chamou atenção ou fez você lembrar de uma coisa que você quer falar, ou te, assim, te espantou, ou te deixou alegre ou fez você lembrar alguma coisa. Então eu falo pra eles, aí a gente vai instigando mesmo, será que você não tem nada pra falar mesmo?

[...] Então, se ninguém quer falar, então você fala: ah, mas será que não aconteceu nada? Pensa bem, veja, olha, lembra um lugar que você foi, aí você vai dando, vai direcionando.

Provocada pelas imagens de sua atividade e pelos questionamentos a ela direcionados durante a entrevista e as sessões de autoconfrontação simples, a professora inicia um processo de reflexão sobre a questão da participação dos alunos nas aulas. Durante essa sessão, a professora manifesta um pensamento diferente do que até então havia aparecido. Destacamos a importância deste processo na afirmação de Vigostki (2000a?) de que todo pensamento tem um movimento, um fluxo, cumpre alguma função, sendo que esse fluxo de pensamento se realiza como movimento interno, como transição do pensamento para a palavra e da palavra para o pensamento. E Clot (2006a) esclarece que nessa metodologia a verbalização é em si mesma uma legítima atividade do sujeito, e a linguagem, longe de ser para o sujeito apenas um meio de explicar aquilo que ele faz ou que se vê, torna-se um meio de o levar a pensar, sentir e agir.

Assim, salientamos esse movimento da professora de reconhecimento da importância da participação dos alunos, passando a considerar que se a criança participa é porque o

conteúdo fez algum sentido para ela. É curioso que a professora, em outros momentos, queixou-se de comentários sobre assuntos diversos que não diziam respeito ao tema trabalhado, dizendo que as crianças, quando pediam para falar, contavam casos sobre o papagaio, o vizinho, dentre outros. Neste momento, ela diz incitar as crianças a relacionarem os conteúdos com alguma experiência que elas tenham vivido.

Concordamos com tal fala da professora de que na medida em que a criança é capaz de compreender os objetivos de cada tarefa ou exercício e na medida em que ela atribui sentido à atividade proposta, o desejo de participar aumenta, e, portanto, essa participação deve ser estimulada e vista como um retorno positivo da atividade proposta.

Apesar de percebermos esse movimento da professora, sabemos também que nenhuma ruptura ou transformação é imediata, mas atravessada por momentos de conflito e de crise. Deste modo, ao mesmo tempo em que a professora traz um novo discurso de valorização da participação, ela retoma falas em que percebemos um retorno ao caráter restritivo: Tem hora que a gente tem que falar pra eles: agora ninguém vai poder perguntar.

No entanto, percebemos que a professora pondera esses momentos em que os alunos são impedidos de participar, de modo a dividir sua aula em períodos em que permite a participação e em períodos em que, segundo suas próprias palavras, ninguém vai poder perguntar.

Não estamos ignorando o fato de que a professora precisa controlar as interrupções no momento em que ela está explicando algum conteúdo para as crianças. O que nos chama atenção é o espaço que ela destina aos momentos em que a criança pode interagir com ela e com os colegas, em que podem fazer perguntas e comentários: parece ser um espaço marginalizado, que se resume a poucos minutos, em geral no final das aulas. Aprofundando em nossa análise, mais do que permitir a participação em momentos restritos, considerados como “menos importantes”, ela parece considerar que a participação dos alunos consiste na

interação entre eles e com ela em momentos de brincadeiras sem fins pedagógicos claros e em momentos da saída da escola.

Assim, como ocorreu no terceiro núcleo da entrevista com a professora, ela divide o tempo em momentos de explicação de conteúdos, que por serem mais importantes, não podem ser interrompidos, e em momentos de descontração, em que a participação é privilegiada. Novamente também a professora coloca o brincar no âmbito da simples diversão e distração, ignorando seu papel no processo de desenvolvimento da criança.

Esse momento é o momento de, faltam cinco minutos pra bater o sinal, então eu deixo eles perto de mim, aí eles conversam, brincam um pouquinho, entendeu?

[...] Porque a gente sabe que tem momentos que vai ter que ficar quieto, não pode falar, não pode perguntar, que é uma hora de atividade, uma hora de uma leitura, entendeu?

Esse momento do brincar é considerado pela professora como o momento em que se dá a participação dos alunos, por ser menos denso e mais tranquilo. A participação dos alunos parece não consistir, portanto, nas contribuições dos alunos durante o processo de apropriação do conhecimento, extraindo a importância das dúvidas nesse processo.

Portanto, neste núcleo, consideramos como importante o movimento da professora em passar a reconhecer a importância da participação dos alunos. No entanto, a dicotomia que ela estabelece entre o controle e a permissão da participação dos alunos, derivada da ideia, que neste núcleo se reafirmou, de que no momento do brincar espontâneo a participação dos alunos é possível e que, ao contrário, no momento mais sério, de conteúdos disciplinares, essa participação é impossível constitui um elemento de sentido importante para a compreensão dos sentidos dessa professora sobre essa questão.