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3 OS FUNDAMENTOS DO DEBATE SOBRE OS PROCESSOS DE

3.4 Virginia Fontes e o Capital imperialismo: a reprodução contínua dos

3.4.2 Um contraponto as teses de David Harvey

A tese de Harvey (2004), parece se aproximar da discussão proposta por Fontes (2010), no entanto diferenças importantes, merecem ser ressaltadas, em especial a contraposição entre expropriação e espoliação e, em seguida, o tema da

produção de externalidades. Salientamos que não se trata de divergências conceituais, ou tampouco, terminológicas. O debate proposto pelos autores guarda diferenças significativas.

A crítica de Fontes sobre a tese da acumulação por espoliação de Harvey (2004), reside em dois aspectos: 1) o duplo aspecto da acumulação capitalista, “acumulação por espoliação” contraposta por ele à acumulação por reprodução expandida; 2) as dimensões interna e externa dos movimentos do capital.

Sobre o primeiro aspecto de sua crítica, Fontes compreende que a noção de duplo aspecto da acumulação apresentada por Harvey (2004), entre um capitalismo de econômica “normalizada” e um capitalismo “predatório” não se sustenta. Fontes explica que a cada momento histórico, forças capitalistas dominantes (seja em países centrais ou nos demais) aproveitam-se de situações sociais, históricas e culturais díspares, subalternizando populações sob relações desiguais, mas imbricadas, utilizando ou recriando formas tradicionais como trampolim para sua expansão.

Neste aspecto, Fontes defende que a expansão histórica do capitalismo jamais correspondeu a uma forma plenamente “normalizada”42, pois jamais dispensou a especulação, a fraude, o roubo aberto e, sobretudo, as expropriações primárias. Países de capitalismo tardio, como é o caso do Brasil, as expropriações são sempre mais predatórias, o que é explicável pelo modo subordinado de inserção ao sistema econômico global, de tal modo que, nos momentos históricos em que o capitalismo requer o recurso das expropriações, estas são ainda mais agressivas que nos países centrais. Segundo Fontes (2010), apesar de um período aparente de paz social vivenciado nos chamados “anos gloriosos”, a experiência do Estado de bem-estar social, foi acompanhada de permanente expropriação, relacionada com a recriação de formas compulsórias de trabalho superexplorado nas periferias, não

42 “A passagem para a grande indústria, no século XIX, impôs a colonização brutal da Ásia; a intensa tecnologização da produção, já em plena etapa monopolista caracterizada pelo fordismo, exigiu violentas lutas de partilha do mundo, com o recrudescimento da colonização, e foi atravessado por duas guerras mundiais. Finalmente, os chamados “anos gloriosos” do Welfare State em alguns países conviveram com a imposição de ditaduras ferozes nos mais distantes pontos do planeta: Oriente Médio, América Latina (com especial truculência na América Central), na própria Europa – Grécia, Portugal e Espanha – e na Ásia, sendo o mais dramático o caso da Indonésia. Em muitos países, a subalternização de trabalhadores foi realizada sob condições extremas, com o decidido apoio militar dos países centrais e, em especial, dos Estados Unidos cidade de trabalho e, deste ponto de vista, disponíveis sem a utilização de coerção direta pelo capital que as explora” (FONTES, 2010, p. 64).

sendo portanto, viável considerar como externa ao capital. Neste trecho, Fontes (2010), demonstra seu posicionamento:

A violência primordial do capital é permanente e constitutiva: a produção em massa da expropriação, sob formas variadas, em função da escala da concentração de capitais, jamais se reduziu ou “normalizou” em escala mundial. Mais ainda: esse fenômeno não resulta necessariamente de uma coexistência entre países capitalistas (“normalizados”) e não capitalistas (primitivos), mas, ao contrário, das formas históricas da expansão desigual do capitalismo, tanto no interior de cada país, quanto entre os países. Todos, porém, respondem crescentemente a uma mesma dinâmica social. Em outros termos, a normalização das relações capitalistas corresponde à expansão sempre mais truculenta de expropriações, tornando normalizada a existência de massas crescentes da população do planeta necessitadas da venda de sua capacidade de trabalho e, deste ponto de vista, disponíveis sem a utilização de coerção direta pelo capital que as explora. (FONTES, 2010, p. 64-65).

No âmbito da sociologia crítica do trabalho, autores como Ruy Braga (2016; 2017), recorre as teses de acumulação por espoliação desenvolvida por Harvey (2004), para se remeter as violentas políticas de austeridade conduzida pelo governo Temer, enxergando na desestruturação dos direitos sociais e do trabalho a dimensão violenta das expropriações de direitos que antes limitavam a disponibilização da força de trabalho a exploração desmedida do capital, incidindo também sobre estratos da classe trabalhadora que até então, acreditavam estar protegidos de tal eventualidade. Em sua mais recente publicação A rebeldia do

precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global (2017), Braga aprofunda essa

tese.

Segundo o autor, “a característica mais marcante da acumulação capitalista é a permanente transição da centralidade da acumulação por exploração econômica para a centralidade da mercantilização do trabalho, da terra e do dinheiro, e vice- versa” (BRAGA, 2017, p. 246. Grifo do autor). Braga compreende que a natureza especifica da mercantilização do trabalho contemporânea torna-se bem mais definida quando emprega o conceito de “acumulação por espoliação” na intenção de interpretar a redefinição dos mecanismos de acumulação no Brasil, que expõe os trabalhadores um agressivo e renovado processo de “espoliação” dos sistemas de proteção social e dos direitos do trabalho, balizado pela política neoliberal.

Conforme nos deteremos no próximo capítulo, apesar da violenta contrarreforma conduzida pelo governo do presidente Michel Temer, guardando as devidas diferenças, ao longo dos governos petistas o compromisso com as políticas neoliberais de ajuste fiscal foi preservado. Percebemos que vivenciamos na conjuntura recente, o acirramento das políticas de austeridade que incidem de forma severa na condição de vida e de trabalho de milhões de brasileiros. Quando não ponderado essas questões, supõem-se reafirmar o ponto de vista da teoria de “acumulação por espoliação” e apostar numa econômica “normalizada” contraposta a uma forma de reprodução capitalista “predatória”. A forma econômica “normalizada” nunca seria possível em todos os países. Nem mesmo os países centrais, obrigatoriamente, gozariam desse privilégio todos ao mesmo tempo. A única verdade é que as economias de capitalismo tardio dificilmente alcançam esse patamar.

O segundo ponto da crítica de Fontes, situa-se na compreensão da existência da produção de novas “externalizações” (ou conforme seu próprio termo, novas fontes de espoliação) pelo próprio capital. Fontes (2010), afirma que Harvey adota a tese de Rosa Luxemburgo, sobre a pressuposição da necessidade de uma “exterioridade” para que o capital se reproduza, recorrendo ao posicionamento do autor, “o capitalismo sempre precisa de um fundo de ativos fora de si mesmo para enfrentar e contornar pressões de sobreacumulação”, e complementa, caso esses “ativos não estejam à mão, o capitalismo tem de produzi-los de alguma maneira” (HARVEY, 2004, p. 119).

Na interpretação de Fontes (2010), Harvey considera que o próprio capital passou a produzir externalidades, assegurando terreno para sua expansão, sendo este um dos elementos distintivos da acumulação “primitiva” da acumulação por espoliação. Fontes considera que a tese do geógrafo inglês é fundamental, e contribui para evidenciar a permanência do processo de expropriação na contemporaneidade, porém, também aponta algumas dificuldades em sua aceitação, em especial, no aspecto que sugere a existência de um “lado de fora” do capital. Em sua compreensão, a existência dessa externalidade, não parece convincente em um período em que a tendência mais perversa é a subordinação de todas as formas de existência humana ao capital.

Por essa razão, em sua compreensão “O conceito de expropriação, como base fundante da relação social que sustenta a dinâmica capitalista, permite melhor

apreender a dinâmica interna da lógica do capital, como ponto de partida, meio e resultante da concentração de capitais” (FONTES, 2010, 73-74). E complementa:

A aparência de uma agregação ou produção de “externalidades”, ou ainda de uma atuação unilateral, como a “apropriação” ou “mercantilização”, não deve encobrir o fato de que, em todos os casos, trata-se de uma intensificação das características mais fundamentais da reprodução do capital (que não se reduz a uma forma econômica aparentemente “normalizada” em alguns períodos) e que envolve o conjunto das relações sociais (FONTES, 2010, p. 74).

Em síntese, Fontes demonstra que as expropriações são a contra face necessária da concentração de capitais e que menos do que a produção de externalidades, conforme sugere Harvey (2004), são a forma mais selvagem da expansão (e não do recuo) do capitalismo. Quanto a isso, a autora é contundente. Em suas análises, não se trata de afirmar o retorno a modalidades anteriores, “primitivas de acumulação”, “mas de um desenvolvimento do capital que é, ao mesmo tempo, o aprofundamento da tragédia social” (FONTES, 2010, p. 93), e completa,

As expropriações não ocorrem de maneira homogênea e, ao contrário, ainda que incidindo sobre elementos similares (como a terra, as águas, direitos, etc.) em diferentes países, ocorrem de maneira extremamente desigual e contribuem para aprofundar desigualdades, também no interior das classes trabalhadoras (FONTES, 2010, p. 94).

Estas reflexões mostram-se profundamente relevantes para o estudo subsequente a que iremos nos deter. Valendo-nos das reflexões de Virginia Fontes, importa-nos identificar e compreender o sentido dos processos de expropriação que se manifestam nos processos de contrarreforma do Estado conduzido pelo governo de Michel Temer.

4 DINÂMICA CAPITALISTA E A ATUALIDADE DOS PROCESSOS DE EXPROPRIAÇÃO NA CONTRARREFORMA DO ESTADO

“E de que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? Por um lado, reforçando a destruição da massa de forças produtivas; Por outro lado, pela conquista de novos mercados e por uma exploração mais completa dos antigos. A que leva a isso? Ao preparo de crises mais extensas e destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las” (MARX; ENGELS, 1848).

Com o objetivo de identificar as expropriações como uma mediação da contrarreforma do Estado e da exploração da força de trabalho, nos deteremos na apreensão de alguns aspectos da conjuntura de exaurimento dos Governos Petistas, cujo receituário neoliberal, em curso no país desde os anos 1990, sofre o seu mais violento processo de radicalização na conjuntura recente, através da agenda política implementada pelo governo ilegítimo de Michel Temer. O acirramento das diretrizes políticas do neoliberalismo adquire materialidade com a publicação do documento

Uma ponte para o futuro, que respalda o mais amplo programa de contrarreformas

conduzido pelo Estado desde o período da redemocratização do país.

A princípio procuramos apreender as manifestações da crise econômica no Brasil, que têm levado autores de diversas áreas de conhecimento a retomarem o debate sobre a vigência dos processos de expropriações na contemporaneidade.

Pretendemos destacar ao longo desta exposição que a decisão de priorizar o ajuste fiscal e o adensamento das políticas neoliberais na atual conjuntura, não é algo restrito ao governo de Michel Temer. Tais diretrizes também constituíram o ponto de pauta política dos governos Lula e Dilma Rousseff, ainda que tenhamos que ressaltar, que tais diretrizes não se aplicaram de forma tão intensa e agressiva quanto os processos em curso.

4.1 Crise contemporânea do Capital: a reposição contínua das contradições históricas da acumulação de capital

Na interpretação do economista Carcanholo (2009), o que assistimos atualmente no mundo capitalista é muito mais do que uma simples crise financeira, ou creditícia. Não se trata mais de interpretar seus efeitos e causas como uma “crise cíclica”, ou tampouco, devemos compreende-la como o resultado da aplicação de uma política inconsequente de “desregulação de mercado”. Segundo Carcanholo (2009, p. 50),

[...] assistimos, na atualidade, o início do processo de colapso de uma etapa específica do capitalismo. A crise financeira iniciada nos Estados Unidos, no setor imobiliário dos subprime, e a qual se estendeu a todo o sistema financeiro e ao setor da economia real, é só o princípio desse processo.

Isso não implica dizer que o sistema capitalista por si só, irá fenecer. O autor refere-se a capacidade desse sistema se auto reconstruir, de superar-se, buscando em cada etapa de seu desenvolvimento, estratégias que possibilitem reconstruir novas bases para sua reprodução.

Embora o discurso seja o de crise, o capital não demonstra seu esgotamento. Longe disso, a expansão do capital se concretiza e alcança dimensões capazes de capturar todos os aspectos da vida humana, e submeter a lógica mercantil. A análise de Fontes (2010), nos permite refletir sobre a maneira como as crises atuam no processo de reconstrução e expansão das bases de acumulação do capital. A historiadora destaca que o fato de a lógica capitalista lançar a humanidade em crises sucessivas e cada vez mais profundas não significa que o capitalismo esteja em processo de recuo ou de estreitamento de suas bases sociais.

Se o predomínio mundial do capital conduz a crises cada vez mais incontroláveis do capital e arrasta a humanidade para a catástrofe, Mészáros (2001), tal predomínio somente pode ocorrer expandindo exatamente sua contradição central, com a própria humanidade crescentemente convertida em mera força de trabalho (FONTES, 2010, p. 42).

Fontes (2010), afirma que o sistema de reprodução ampliada do capital assimilou uma estratégia renovada de “expropriações”, desenvolvendo-a em escala mundial. Em sua concepção, o capital portador de juros e sua derivação, o capital fictício, impõem uma aceleração exacerbada de extração de sobre trabalho, sem o menor receio de comprometer a vida de milhares de trabalhadores, como também, o conjunto da vida humana. Quanto mais tais capitais se expandem de maneira descontrolada, nutrindo-se da riqueza produzida no âmbito da produção, abre-se a possibilidade de intensificar as formas de exploração da força de trabalho, que por sua vez, ao acelerarem as condições da concentração e acumulação de capitais, tornam-se potencializadores de crises cada vez mais recorrente:

[...] pois ao acelerarem as condições da concentração e da acumulação, colocam-se na posição de acirradores de todas as contradições do capital, de maneira simultânea, tornando-se potencializadores de crises crescentemente incontroláveis. Fomentam simultaneamente mais produção e mais massa monetária procurando aplicação rentável: abrem-se crises exatamente pelo excesso de concentração, seja pela superprodução de bens que não mais são realizáveis no mercado, seja pela própria superacumulação de capitais, que não encontram mais como rentabilizar-se na mesma proporção anterior (FONTES, 2009, p. 4).

As características dessas novas expropriações se liga diretamente à concentração e à centralização de capital, que se manifesta na própria expansão do capital sobre o conjunto da vida social, destruindo “toda e qualquer barreira interposta à sua urgência de reprodução ampliada” (FONTES, 2010, p. 58), seja através da redução (ou eliminação) dos direitos sociais que historicamente se configuravam como “obstáculos” políticos implantados contra a total submissão dos trabalhadores ao capital; seja por meio da captura crescente, de recursos de origem salarial, para convertê-los em capital.

Na perspectiva de Carcanholo (2011), a atual crise pela qual passa o capitalismo contemporâneo pode ser compreendida como um desdobramento das próprias contradições que caracterizam seu processo histórico de acumulação de capital. Nos anos 1970, fugindo da baixa rentabilidade, os grandes capitais priorizaram em seus novos investimentos, o setor financeiro. A especulação financeira, muito mais que significar um “defeito” do sistema, surge como uma

tentativa de solucionar uma contradição estrutural: a tendência à queda da taxa de lucro.

Desde então, o sistema capitalista vem desenvolvendo múltiplas estratégias no sentido de criar e aprofundar espaços de valorização para uma massa de capital super acumulado, isto é, que havia sido produzida em excesso, para além das condições de manutenção das taxas de lucro. O processo de desenvolvimento do capitalismo conduzido pela lógica da financeirização e liberalização dos mercados, é, por sua vez, consequência das formas que o próprio capitalismo vem respondendo as suas crises, cada vez mais frequentes e em dimensões estruturais.

Segundo os estudos de Chesnais (2007), as origens da crise contemporânea que fez emergir o neoliberalismo como “solução”, cronifica as tendências (auto) destrutivas da reprodução do capital financeiro. Através da liberalização (desregulamentação e abertura) de novos nichos de mercado, o capitalismo procura amortecer os impactos da crise e se apropriar de espaços que possibilitem a superação do quadro de estagnação econômica. Tal estratégia conjuga três elementos:

[...] uma primeira exigência para a retomada da acumulação, sem a desvalorização necessária, é a expansão da massa de mais-valia produzida, de forma que esta consiga, de alguma forma, se adequar ao montante de títulos de apropriação super produzidos no período. Isso implica aumentar sobremaneira a taxa de mais-valia, isto é, a taxa de exploração do trabalho, de todas as formas possíveis, tais como: (i) arrocho salarial puro e simples; (ii) maior destituição de direitos da classe trabalhadora como forma de reduzir o valor da força de trabalho; (iii) prolongamento da jornada e/ou da intensidade do trabalho, sem a correspondente elevação salarial; (iv) avanço na reestruturação produtiva, com implicações sobre a rotação do capital e jornada/intensidade do trabalho. [...] Em segundo lugar, a massa de capital super acumulado, como sempre, necessita de (novos) espaços de valorização. Tampouco é ocasional que, neste momento, retorne o discurso por uma maior reforma do Estado, com maiores privatizações, reduções dos gastos públicos em rubricas de cunho social e aprofundamento das reformas previdenciárias. Trata-se de criar/expandir mercados para a atuação desses capitais sobrantes. Por último, enquanto os dois primeiros elementos não são concluídos, e os seus efeitos para a elevação das taxas de mais- valia e de lucro não é observado – uma vez que isso leva realmente um tempo considerável – é necessário que exista algum contrapeso para a tendência à desvalorização desse capital fictício super acumulado (CARCANHOLO, 2011, p. 81-82).

Esta última característica, segundo o autor, trata-se basicamente de destinar uma fatia significativa do orçamento público para a esfera financeira, no sentido de comprar (ou conferir algum status de garantia para) esses ativos com excesso de oferta. Ou seja, garante-se a ampliação dos recursos públicos para o “socorro” das instituições financeiras com problemas de liquidez. Do ponto de vista das contas públicas, isso promove sobremaneira a ampliação da dívida pública e, portanto, ao comprometimento futuro das receitas estatais. Assim, o aumento vertiginoso das dívidas públicas, por toda a economia mundial, é um reflexo da modalidade de atuação dos Estados na tentativa de enfrentamento dos efeitos da crise econômica (CARCANHOLO, 2011).

A crise estrutural do capitalismo no início do século XXI, se explica justamente pelo predomínio da lógica do capital fictício para a acumulação do capital. Conforme destaca Carcanholo (2011), entre os anos 2002-2007, onde prevaleceu a funcionalidade do capital fictício, as economias, inclusive as periféricas, desfrutaram de um cenário externo extremamente favorável.

A alta no ciclo do mercado de crédito internacional propiciou, por um lado, a considerável entrada de capital externo (especulativo e na forma de inversão direta), pressionando para baixo as taxas de câmbio dessas economias (e um controle da inflação em virtude do caráter mais barato das importações) e um considerável acúmulo de reservas internacionais, em alguns casos em quantidades superiores até aos compromissos externos mais prementes; por outro lado, o momento de alta nesse mercado levou a uma forte redução das taxas internacionais de juros que aliviaram as condições de financiamento externo e permitiram certa margem para a redução das taxas domésticas de juros (CARCANHOLO, 2011, p. 79).

No entanto, com a crise mundial em 2007/2008, o cenário externo se transformou. “A grande entrada de capitais externos, característica da fase anterior, se reverteu, e as taxas internacionais de juros deixaram de cair” (CARCANHOLO, 2011, 79). Assim, explica Carcanholo (2016), que as economias periféricas passaram a conviver com uma forte instabilidade cambial (e, nos momentos de desvalorização da taxa de câmbio, com pressões inflacionárias), redução no estoque das reservas internacionais, redução nos preços dos produtos exportados que, em conjunto com a desaceleração do volume de exportação, implica problemas nas contas externas (CARCANHOLO, 2016).

Os efeitos da crise no Brasil, foram intensificados diante da inserção dependente e subordinada ao comportamento da acumulação mundial de capital, que caracterizam nossa economia.

A princípio, os reflexos da crise sobre a economia brasileira se manifestaram da seguinte forma: 1) através do mercado financeiro, com a livre mobilidade dos capitais, por exemplo, a compra e venda de ações, títulos da dívida pública, etc.; 2) desaceleração do crescimento das exportações, em função da recessão mundial que diminui a demanda por nossos produtos; 3) redução dos preços das commodities (agrícolas e industriais), tanto pela recessão mundial como, principalmente, pela desvalorização do capital fictício aplicado na especulação dentro do mercado futuro de commodities. (FILGUEIRAS, 2007; CARCANHOLO, 2010).

Para conter esses efeitos imediatos, o governo brasileiro adotou uma linha político-econômica, que a princípio, buscou manter a “’ortodoxia’ na taxa de juros e