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Contribuição da Filosofia Apofática de Nicolau de Cusa

Nicolau de Cusa

3.10. Limitações e contribuições de uma “Filosofia Apofática”

3.10.2. Contribuição da Filosofia Apofática de Nicolau de Cusa

Nicolau de Cusa apresentou uma epistemologia que ao questionar os paradigmas existentes desde a escolástica à Renascença, permite que novas abordagens fossem sendo postas. E o avanço do conhecimento ocorre exatamente nos questionamentos dos antigos postulados, e isso ele teve a coração de fazer diante das grandes sistematizações vindas da escolástica. E a contribuição estava exatamente na força que o discurso apofático produz, pois é uma especulação apofática de lastro místico, que aponta para os limites que os discursos propositivos tendem a impor ao pensamento, ao conhecimento. A mística para a epistemologia, como diz Luiz Felipe Pondé: liberta-nos, enquanto episteme da “cultura condicionada” (sistemas de pensamento), já que todo o conhecimento vem de certa forma condicionado, o que “tem sérias ressonâncias para alguém que estuda mística apofática”, ou alguém que a produzia, como no caso de Nicolau de Cusa, já que seu intuído era exatamente sair desses condicionamentos teóricos e culturais vindos desde a Idade Média (PONDÉ, 2003, pp. 77-78).

Luiz F. Pondé chama de “epistemologia em cultura” que “agencia a doxa” (engessa o conhecimento), advinda da “inércia do hábito”, ou seja, tornam-se meras repetições, tanto práticas como teóricos, e disso não podemos acusar o cusano. Claro que Luiz F. Pondé situa essa fala na contemporaneidade, mas ela é aplicável para a época em que Nicolau esteve. Não é possível estabelecer, aqui nesta dissertação, se Nicolau de Cusa estava suficientemente distante desses engessamentos a ponto de propor uma epistemologia no sentido lato do termo, pois como vimos antes, Nicolau tentou conciliar duas formas díspares de “conhecimento”: lógica (matemática) e mística. Mas não podemos negar o seu esforço. “Lembremos que uma mística, por exemplo, não narra algo com o intuito de construir objetividade pública”, e esse interesse em Nicolau está na sua busca pela mística, pois a subjetividade, como visto, com

seria então o intuito de objetivar, mas de ampliar o próprio alcance do conhecimento, tanto para o próprio sujeito, como nas contradições postos no mundo (PONDÉ, 2003, p. 79).

Quando as possibilidades de apresentar respostar a partir de um conhecimento propositivo, entra em cena então essa mística apofática, que primeiro essas proposições para que haja o avanço epistêmico teórico com consequências culturais. Em referência a Sócrates, frequentemente citado por Nicolau de Cusa, Luiz F. Pondé diz

Este esgotamento em si é o “conhecimento daquilo que não se sabe”, isto é, o resto maiêutico é conhecimento negativo: a saída da caverna é, no limite, a construção de uma consciência negativa, pois a luz é apofática. (PONDÉ, 2003, p. 82)

Nesse sentido Nicolau de Cusa contribui para esse avanço epistêmico. É assim que pode ser definida a mística em Nicolau, um ascese, por meio especulativo, que ocorre pela negação (de forma dialética) e que funciona como quebra de paradigmas propositivos, permitindo que o conhecimento se livre das amarras habituais.

Portanto pela negação dialética, Nicolau estabelece um rompimento com a tradição que permite a ascensão do próprio conhecimento. Assim a negação e a contradição, tão estranha à linha positiva, afirmativa, não é na especulação apofática, pois “o uso de termos que parecem paradoxais é típico dessa tradição negativa”, que propõe novas formas conceituais para o conhecimento avançar (PONDÉ, 2003, p. 83). Ou seja, se é possível propor debates por via apofática, porque então negar essa condição de possibilidade de conhecimento? E nessa busca Nicolau de Cusa buscou unir toda essa especulação apofática com a mística, filosofia helênica e a própria fé cristã, pois “o intelecto é dirigido pela fé e essa é ampliada pelo intelecto” (CUSA, 2002, p. 212).

Para Nicolau de Cusa, a decisão está em simplesmente se aprofundar o conteúdo fundamental do próprio cristianismo. A Ideia de Cristo é invocada por ele para justificar, legitimar religiosamente e sanciona a ideia de humanidade (...) a ideia de Cristo, introduzida e tratada de forma especulativa no interior de De Docta Ignorantia, está longe de constituir um apêndice desvinculado de todo o resto; ao contrário: é só através dela que a força motriz do pensamento de Nicolau de Cusa ganha uma expressão e um desenvolvimento plenos. (CASSIRER, 2001, p. 65) A fé continuou para Nicolau seu princípio motivo relacional, epistemológico e ontológico. Era Cristo para Nicolau o único, na sua manifestação “máxima concreta”, que permite esse relacionamento de todos para com Deus. Desde o mais erudito ao mais “leigo”

Idiota De mente.126 Cassirer, comentado essa mesma obra do cusano:

A sabedoria não carece de qualquer apresto erudito: ela clama pelas ruas. Em meio à confusão e ao burburinho do mercado, nos afazeres cotidianos do homem, ela se oferece àquele que sabe compreendê-la. (CASSIRER, 2001, p. 84).

Como diz Nicolau de Cusa em Idiota De mente, na voz o “ignorante”: “Precisamente nessa minha arte simbólica de investigação eu alimento minha mente e compartilho tudo aquilo que nutri meu corpo” (CUSA, 2005, p. 41). Diz Sonia R. Lyra: “Nicolau traz uma forma de mística experienciada e teorizada já no que se denominou mística do logos ou mística especulativa”, de alcance a todos (LYRA, 2010, p. 23). Para Nicolau todo conhecimento e experiência ascendente ao Uno (Deus). Inicia na relação com o próprio mundo e não em uma ascese dele. Em si o homem traz “a totalidade de tudo o que é cognoscível”, por ser o único ente capaz de pensar, conhecer, o mundo. Porém para que esse conhecimento, essa “semente germine e produz frutos” em precisa partir do próprio mundo sensível (CASSIRER, 2001, p. 76).

Em tal conciliação entre o espírito e o mundo, entre o intelecto e a sensibilidade está o caráter fundamental daquela ‘teologia copulativa’, a que visa Nicolau de Cusa, e que ele opõe, com plena consciência metodológica, a toda e qualquer teologia meramente ‘disjuntiva’, negativa, e que opera por separações, apenas. (CASSIRER, 2001, p. 77)

Se por um lado Nicolau teve dificuldade em expor seus anseios em forma de filosofia para alcance de todos, por outro lado ele pretendeu que essa fosse a filosofia genuína: não limitada a clérigos, a eruditos, à tradição, a um sistema especifico, mas uma filosofia que contemplasse a diversidade que é aparente no mundo. Buscou dar “ouvidos” às vozes da tradição pagã, das variadas vertentes religiosas, olhar para o todo a partir das partes, contudo sem abdicar da própria fé, não fazendo dela mais um objeto mecânico de interesses político- religiosos, mas o fundamento inegociável na pessoa de Cristo. É nesse sentido que Nicolau também deixou seu legado para a posteridade.