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Livro III 84 O terceiro se restringe a um posicionamento mais de linha teológica, ainda que interligado ao problema central da obra que é sobre o conhecimento humano.

2.3 Livro I: Uno e o Máximo Absoluto

2.3.3. A Forma que dá forma

Toda forma dada as coisas foram criadas pela “forma essendi”. Aquele que cria e dá forma (“formante”) a todas as coisas sem com isso participar da mesma forma criada, por isso ele é a forma formarum (formado de forma). Esse é o aspecto criacionista que diferencia Nicolau de Cusa da causa formal aristotélica. Esse é o Uno enquanto Deus criador.

Deus é a forma essendi, é doador de todo ser, e as coisas na medida em que são formadas neste caso, retomam o sentido criacionista. Como resultado evidente, dizer que tudo em Deus é como causado na causa não significa de maneira alguma que o causado de identifique com a causa. O sentido causal da forma formarum se compreende no sentido de “formante” (MACHETTA, 2007, p. 171)

Para Nicolau toda contradição lógica entre a multiplicidade dos entes e o Máximo Absoluto (Deus) é superada na figura do Uno. Também não haveria heresia ao afirmar que os ser (forma) dos entes possui o Ser Absoluto (a forma essendi) concretizado (suposta heresia de panteísmo). Isto porque Nicolau parte do princípio de que a “forma e matéria” dos entes criados se distinguem da forma incriada (forma essendi), ou seja, são qualidades formais

diferentes. Um dá a forma, e outro recebe, mas o inverso não é verdadeiro. Não havendo relação qualitativa, portanto não há como dizer que ele estaria defendendo que Deus e os entes criados são os mesmos em essência ou forma. A forma dos entes é uma forma dependente do Ser Absoluto, que subsiste por “participação” nele, portanto existência formal diferente.

Por isso a única “forma simples” (esse simpliciter) é o Uno (Deus). A forma das coisas são apenas “formas exemplares” advindas do Uno. O Uno (Deus) é a “causa exemplar” 91. Assim não há como existir comparação ontológica entre criação e Criador. Deus dá forma, mas por analogia, por exemplaridade e não por qualidade.

A consequência de todos participarem da mesma forma simples de Deus, é a de eliminar qualquer diferença ontológica entre os entes criados, já que toda criação são exemplares advindos da mesma forma essendi. Como dito anteriormente, não há como identificar a forma partindo de um ente em particular. “Dentre todas as criaturas, nenhuma tem o poder de abrir-se ao que bate e de mostrar-se o que é, visto que nada são sem ele, que está em tudo” (CUSA, 2002, p. 164). Tudo que foi criado não recebe um ser de alguma forma ou substância diferente, o que eles recebem são potencialidades diferentes para cada um executar sua função para qual foi criado. Dessa forma Nicolau de Cusa chega afirmar a possibilidade de vida em qualquer outro lugar do universo, uma vez que não se pode desqualificar nenhuma possibilidade (potencialidade) que Deus viesse concretizar. “Nessas coisas tão admiráveis, tão variadas e diversas, experimentamos, pela douta ignorância, consoante o que foi dito antes, que nós não podemos saber nenhuma razão de todas as obras de Deus” (CUSA, 2002, p. 165).

A única distinção ontológica existente é entre a criação e o próprio Uno. “Tire Deus da criação e não sobrará nada” (CUSA, 2002, p. 120). Tudo está no Uno na mesma qualidade em que o Uno está em tudo, porém só ele é Uno, enquanto o todo múltiplo dele é diferente.

Enfatizando estes esclarecimentos [Nicolau] acrescentou: se Deus é unidade, “não pode a criatura enquanto criatura ser chamada una, porque descende da unidade, nem pode ser chamado múltiplo, porque seu ser é proveniente do uno, nem ambos copulativamente” porque Deus, que é, certamente, ‘forma essendi’ não constitui com a criatura um composto. A criatura não é Deus, provém Dele, não pode, então, predicar-se do próprio Deus: a unidade, porém não é múltiplo, porque a multiplicidade na realidade é um conceito que se opõe a entidade própria da criatura. (MACHETTA; D’AMICO, 2007, p. 79)

Mas como representar a unidade na multiplicidade? Nicolau continua sua linguagem matemática. Se o múltiplo, por definição, se refere à comparação, à ordem dos números, logo é também mensurável. Mas uma vez que há o múltiplo, implícito nesse conceito está unidade, já que da unidade surge o múltiplo. Nicolau afirma que

Do mesmo modo o divino Platão, que, segundo relata Calcídio, afirmou no Fédon ser o uno, como é em si, o modelo ou ideia de todas as coisas; relativamente às coisas, porém, que são múltiplas, parece existirem vários modelos (CUSA, 2002, p. 76).92

Apenas a unidade (o Uno) não está sujeita a comparação ou mensuração, pois ela é que da forma, origem, ao múltiplo. Assim o múltiplo tem como princípio a unidade. Assim a multiplicidade enquanto explicatio do Uno tem o Uno como sua complicatio (unidade). Toda multiplicidade segue de uma unidade, portanto a unidade está em toda a multiplicidade, o que não implica o contrário. “Por sua parte, a explicação serve a pluralidade enquanto tal: ‘explicar a unidade o que significa que tudo está em pluralidade.’ O número ou pluralidade não tem nenhum outro ser como o ser-que-vem-da própria unidade” (MACHETTA, 2007, p. 83).

Esse uso da linguagem matemática que relaciona o múltiplo ao uno é o empréstimo do neoplatonismo (pitagórico), que Nicolau acentua a partir do seu contato com estudos matemáticos, como veremos mais adiante.

O Uno é a forma de todos os entes, é a unidade na multiplicidade, o que dá potencialidade aos entes os atualizando infinitamente. Não há ente que represente a substância ou da forma do Uno, antes diante da multiplicidade que na coincidentia oppositorum, apontam para o Máximo Absoluto, que a todos superam, e só nele é possível postular a forma absoluta.

Porém essa forma – o Uno - se apresenta na multiplicidade. E para isto Nicolau procura representar essa “imanência” em linguagem representativa nas figuras matemático- geométricas, ainda que qualquer tentativa de apreender o Uno enquanto manifesta nos entes ultrapasse “toda nossa intelecção a qual não consegue combinar por via da razão (...)” (CUSA, 2002, p. 50). Por esse motivo, vejamos mais adiante a apresentação matemático- geométrica como forma representativo-simbólica que aponta para uma visio intellectualis acerca do Máximo Absoluto.

92 Reinholdo Ullmann comenta que Calcídio (IV), foi um “filósofo neoplatônico” que “traduziu em parte o

Timeu, de Platão e fez comentários”. Foi um importante propagador da cosmologia de Platão para o “conhecimento no medievo” (ULLMANN, 2002, p. 76)