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Contribuição das Viagens e Expedições Científicas à Identificação dos Kaiab

A OCUPAÇÃO DO MATO GROSSO

II.7. Contribuição das Viagens e Expedições Científicas à Identificação dos Kaiab

Além das viagens de exploração geográfica e de alguns relatos não científicos, são inexpressivas as contribuições no campo cultural nos primeiros século de colonização, como bem descreve Holanda (1993a). Os primeiros legados culturais, citando apenas alguns, e nas palavras deste autor, foram:

(...) os de La Condamine ao longo do rio Amazonas, os relatos de Hans Staden, as obras dos missionários franceses Thevet e Lery, de Anchieta, de Magalhães Gandavo, de Gabriel Soares de Sousa, de Ambrósio Brandão, de Fernão Cardim, de Claude d´Aubeville e Ives d´Evreux, do Frei Cristovão de Lisboa (p.161-174).

No século XVII, durante as invasões holandesas (1637-1644), há um curto período em que se desenvolvem estudos de natureza científica incentivados por Maurício de Nassau, circunscritos à região de domínio holandês. Da missão científica que chegou ao Brasil em 1637, Holanda destaca os estudos de João de Laet, Willem Pies, Geoger Marcgrav e de Piso sobre a nosologia brasileira, sobretudo a História

Naturalis Brasiliae (1648) deste último, considerada o marco inicial do estudo científico das plantas, dos animais, da geografia e dos índios da região ocupada pelos holandeses, além de outras obras sobre observações astronômicas, cujo destino é ignorado (id. ibidem, p. 161-174).

Em fins do século XVIII, com a reforma da Universidade de Coimbra (1772), realizada no governo de Pombal, e a ida de numerosos brasileiros para cursá-la, a atmosfera cultural começa a mudar, embora vigore ainda a proibição imposta ao Brasil de possuir imprensa própria (id. ibidem).

Nesse período se dá incentivo à formação científica e realização de numerosos trabalhos, entre os quais os do baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, autor da Viagem

Filosófica, encarregado da Coroa de investigar as riquezas naturais da Colônia. Após longa viagem pela Amazônia, onde explora a bacia do rio Negro e do Madeira, Rodrigues chega ao Mato Grosso em 1789, sendo alvo de destaque nos relatos de Barbosa de Sá e Augusto Leverger. Participa de expedições destinadas a subsidiar os trabalhos de demarcação de fronteiras, explorando os rios Guaporé, Cuiabá, São Lourenço e Paraguai. Descreve minuciosamente a flora, a fauna e as populações indígenas das regiões por onde passou (id. ibidem, p.161-174). Mas, não identifica os Kaiabi, ao menos sob esta denominação.

Entre as grandes viagens e expedições científicas ao Brasil, realizadas depois da transferência da Corte Portuguesa para a Colônia e da Abertura dos Portos brasileiros, e que visitaram o Mato Grosso, apenas uma teve contato direto com os Kaiabi. Trata-se da segunda expedição do etnólogo Max Schmidt, realizada em 1927, já no período republicano, e sobre a qual voltaremos mais adiante. As demais, obtêm informações

indiretas, ou por meio de outras tribos contatadas, ou por outros meios. Dos inúmeros viajantes e cientistas que exploraram a região matogrossense, destacam-se: Naterrer (1827), Langsdorff (1827), Castelneau (1844), Chandless (1861), Barbosa Rodrigues (1875), Gonçalves Tocantins (1875), von den Steinen (1844 e 1887), Coudreau (1896), Lourenço Telles Pires (1889) e Max Schmidt (1901 e 1927).

Com o propósito de compreender como as pesquisas científicas contribuíram para o entendimento da região, para o conhecimento de seus habitantes e à identificação dos Kaiabi, procedeu-se a uma revisão das expedições científicas que percorreram a região.

Johan von Natterer visitou as cidades de Cuiabá e de Mato Grosso, em 1824. Ele integrava o grupo de naturalistas que o governo de Viena enviou ao Brasil na comitiva da arquiduquesa Leopoldina, quando do seu casamento com Dom Pedro I. Dos dezoito anos que permaneceu no Brasil (1817-35), sete foram dedicados ao Mato Grosso, e dois à Cuiabá. Além de coletar material zoobotânico, Naterrer compilou, também, sessenta vocabulários indígenas. O material coletado e seus manuscritos foram enviados ao Museu de Ciências Naturais de Viena, mas perdidos com o incêndio que destruiu o museu em 1848 (Holanda 1993b, p.455-456).

Poucos anos depois, em 1827, chega a Cuiabá a expedição científica financiada pelo imperador da Rússia, chefiada pelo seu consul no Rio de Janeiro, o austríaco Barão de Langsdorff. Além deste, compunham a expedição: o astrônomo Rubzoff, o botânico Riedel e os desenhistas Hercules Florence e Amado Taunay. Após demorada estadia naquela cidade, o grupo se separa, marcando encontro em Manaus. Taunay e Riedel seguem o rumo do Madeira via Guaporé, onde o primeiro morre afogado. Langsdorff, Florence e Rubzoff partem de Diamantino, no sentido do Tapajós. Rubzoff morre no Arinos, Langsdorff atacado por malária, enlouquece na altura do Juruena. A expedição, que deveria chegar ao Amazonas, fracassa e termina tragicamente. A narrativa feita por Florence (1848) e os diários de Langsdorff, recentemente publicados no Brasil, mencionam a passagem da expedição pelo rio Arinos, pela barra do rio dos Peixes e a acolhida que tiveram nas aldeias Apiaká (id. ibidem, p. 429).

A expedição científica chefiada pelo conde Francis Castelneau realizada entre 1843 e 1847, por ordem do governo francês, visava o estudo da bacia Amazônica e da viabilidade de navegação e de comunicação de seus rios com os da bacia do Paraguai. A

expedição chega à Cuiabá em 1844, depois de passar por Goiás, onde navega os rios Araguaia e Tocantins e estabelece contato com várias tribos da região. De Cuiabá parte para Assunção pelo rio Paraguai e volta ao Mato Grosso, passando por Vila Bela no Guaporé. A viagem continua na Bolívia e termina no Peru, onde ataques de índios causam a morte de um dos componentes (id. ibidem, p. 460).

Durante a permanência em Diamantino, Castelneau (1850) obtém informações indiretas acerca das tribos da região, que identificam os Kaiabi. Estas passam a ser as primeiras referências publicadas sobre estes índios, as quais transcreve-se a seguir:

Les Bacchayris, qui habitent les sources de l’Arinos, sont des moeurs très douces; ils font des jolis paniers et d’autres petits ouvrages qu’ils vendent à Diamantino; ils sont en guerre avec les Cajahis. Les Tapanhunas, tribe hostile, sont établis sur une rivière de même nom qu’eux, qui est un bras de l’Arinos; ils parlent la même langue que les précédents; ils se teignent entièrement en noir (p.306-307).

Willian Chandless, geógrafo inglês, que realizou estudos de reconhecimento geográfico de alguns afluentes meridionais do rio Amazonas, explorou os rios Arinos, Juruena e Tapajós, em 1861, e o Juruá e o Purus em 1865. No relato que faz à Real Sociedade Geográfica de Londres a respeito destes rios e das populações que habitam as terras banhadas por eles, menciona os Bakairi das cabeceiras do Arinos; os Tapayunas e Nambiquara, que habitavam a margem direita deste rio, e com freqüência atacavam as embarcações que por ele passavam; os Apiaká; e ainda, um outro grupo, possivelmente os Kaiabi, que não se relaciona com brancos e vive no rio São Manoel (Holanda 1993b, p.431; Grünberg s/d, p. 25).

Por ordem do Governo Imperial, o botânico brasileiro João Barbosa Rodrigues, realizou uma série de explorações na Amazônia, incluindo o rio Tapajós, a partir de 1871. Autor de um grande número de estudos sobre a flora, a arqueologia, a etnologia e a linguística nativas, foi o primeiro a proceder estudos antropométricos em índios brasileiros. Seus estudos informam sobre os Paribitatás, grupo que possui língua e pinturas corporais semelhantes às dos Apiaká, e que teriam migrado para o Alto Teles Pires. Tais observações sugerem à Grünberg que o povo descrito poderia ser, na verdade, os Kaiabi (id. ibidem).

Em 1875, viajando pelo alto Tapajós, o engenheiro Antônio Manoel Gonçalves Tocantins, visitou as aldeias dos Munduruku no rio Cururu, fazendo um dos primeiros

estudos da cultura desta tribo. Em seus escritos, encontra-se, também menção aos Paribitatá e Paribitêtê. Os primeiros viviam em campos na direção de Cuiabá e os últimos nas cabeceiras do São Manuel ou Teles Pires (Grünberg s/d, p. 26).

O etnólogo alemão Karl von den Steinen empreendeu duas importantes expedições etnográficas na região do Alto Xingu, em 1884 e em 1887; esta última em companhia de seu colega, Paul Ehrenreich. Nas duas expedições penetrou o Vale do rio Xingu, partindo de Cuiabá. A primeira revelou informações sobre os Manitsauá, Suiá e Bakairi orientais, entre outros, além de oferecer o levantamento cartográfico do Batovi e de parte do rio Xingu. A segunda descreveu as tribos do Coliseu: os Bakairi, Nafuká, Aweti, Trumai, Iualapiti e Kamaiurá, além dos Bororo do rio São Lourenço ou Porrudos (Steinen, 1940 e 1942). Como para inúmeros outros cientistas, foram-lhe muito úteis as descrições das tribos matogrossenses - essencialmente o minucioso relato dos Pareci - feitas por Antônio Pires de Campos, o caçador de índios.

Steinen descreve os Kaiabi como habitantes dos rios Verde e Paranatinga e auto- denominados por Paruá, prováveis parentes dos Kamaiurá e dos Apiaká, de filiação lingüística tupi, inimigos mortais dos Bakairi, com quem disputavam o monopólio dos machados de pedra, importante mercadoria nas trocas comerciais entre as tribos da região. Descreve também os alimentos que cultivavam, suas armas e ornamentos. Em nenhuma das duas expedições, Steinen manteve contato direto com os Kaiabi. As informações reproduzidas em seus relatos, foram obtidas junto aos Bakairi e nos arquivos da Diretoria dos Índios do Mato Grosso, sendo de maior importância os relatórios de Joaquim Alves Ferreira, responsável por esta Diretoria em 1846 (Steinen 1940, p. 500-501).

Em 1889, por ordem de D. Pedro II, os oficiais Lourenço Telles Pires e Oliveira Miranda realizam uma expedição para mensurar o rio Paranatinga. Um naufrágio acontece na Cachoeira das Sete Quedas, no Baixo São Manoel. Miranda e alguns outros tripulantes sobreviveram. O relato da viagem, escrito por Miranda, descreve admiráveis roças e ranchos de pouso de uma tribo habitante do São Manoel, que Felipe, um guia Bakairi, afirmara pertencer aos Kaiabi (Grünberg, s/d, p. 26-28)

Em 1896, o viajante e professor da Sorbonne, Henri Coudreau, no Brasil desde 1876, foi encarregado pelo governo do Pará de pesquisar o rio Tapajós até o Salto Augusto, e indicar o ponto mais adequado para se estabelecer o limite natural com o

Mato Grosso. A narrativa de sua expedição resultou na pormenorizada descrição geográfica da região, publicada em Viagem ao Tapajós. Coudreau (1977) relata suas observações e as que obteve de seringalistas que encontrou durante a viagem. Transcreve-se, a seguir, alguns trechos deste livro, que referem às tribos do Arinos e do Juruena, que embora contenham alguns equívocos, merecem destaque:

As tribos “bravas” e “mansas” são bastante numerosas nesta região ainda pouco povoada e mal conhecida; cito, além dos tapanhunas e nhambiquaras, os parintintins, os raipexixis ou aipoceris, os bacairis mansos e os bacairis bravos, os cajabis, os parauaretês, que ocupam a região entre o Arinos e os formadores do São Manoel.

Os tapanhunas vivem nos campos do rio dos Tapanhunas. Estes campos prolongam-se para leste na direção do Paranatinga, e para norte em direção ao São Manoel, mas não se acredita que se estendam sem interrupção até as margens desses dois rios; densas manchas de florestas virgens ocupariam, de acordo com os mundurucus, toda a região entre os campos dos tapanhunas e os do Paranatinga, e a Cachoeira das Sete Quedas.

Os tapanhunas, ao que parece, falam a língua geral, pois os apiacás afirmam que teriam compreendido perfeitamente sua linguagem nos encontros – aliás muito raros – que tiveram depois da migração dos apiacás para o norte. A tática de guerra dos tapanhunas não revela por parte desses índios um alto valor militar ou moral: consiste simplesmente no assassinato por traição. (...) Os cajabis bravos viveriam entre o Alto Tapajós e o São Manoel, e no Xingu, a norte dos bacairis bravos; portanto, entre tapanhunas e parintintins (p. 85-87).

Por volta de 1850 dois fatores tiveram importância fundamental para a expansão econômica da região matogrossense e de toda a Amazônia: a navegação a vapor que facilitou o acesso à região pelas rotas já quase abandonadas desde os tempos das

monções e a procura pela borracha que atraiu expressivos contingentes de migrantes, principalmente nordestinos, para áreas antes inexploradas. É sobre a expansão da economia da borracha em terras matogrossenses, seu avanço para as áreas ocupadas pelos Kaiabi e o contato destes índios com seringueiros e seringalistas, que se referem as próximas páginas.

CAPÍTULO III

OS PRIMEIROS CONTATOS DOS KAIABI COM A SOCIEDADE

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