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[...] se nas sociedades primitivas, caracterizadas pelo modo coletivo de produção da existência humana, a educação consistia numa ação espontânea, não diferenciada das outras formas de ação desenvolvidas pelo homem, coincidindo inteiramente com o processo de trabalho que era comum a todos os membros da comunidade, com a divisão dos homens em classes a educação também resulta dividida; diferencia-se, em consequência, a educação destinada à classe dominante daquela a que tem acesso a classe dominada. E é aí que se localiza a origem da escola. A palavra “escola”, como se sabe, deriva do grego e significa, etimologicamente, o “lugar do ócio”. A educação dos membros da classe que dispõe de ócio, de lazer, de tempo livre passa a se organizar na forma escolar, contrapondo-se à educação da maioria que continua a coincidir com o processo de trabalho. (SAVIANI, 2005c, p.234).

No texto O debate teórico e metodológico no campo da história e sua importância para a pesquisa educacional, elaborado para a Conferência de abertura do IV Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas ‘História, Sociedade e Educação no Brasil100, Saviani (2006) explica

que a história só se pôs como problema para o homem (como algo que necessitava ser compreendido e explicado), a partir da época moderna. Isto porque, as formas de vida prevalecentes até a Idade Média eram estáveis e sintonizadas com uma visão cíclica do tempo (os homens garantiam a própria existência no âmbito de condições dominantemente naturais, quando muito havia processos rudimentares de transformação). Esclarece que até então “[...] não se punha a necessidade de se compreender a razão, o sentido e a finalidade das transformações que se processam no tempo, isto é, não se colocava o problema da história.” (SAVIANI, 2006, p.07). Conforme o autor, com a ruptura das formas de vida que prevaleceram até a Idade Média, dando origem à época moderna,

[...] as condições de produção da existência humana passam a ser dominantemente sociais, isto é, produzidas pelos próprios homens. A natureza passa, assim, a ser entendida como matéria prima das transformações que os homens operam no tempo. E a visão do tempo deixa de ser cíclica, caracterizando-se agora por uma linha progressiva que se projeta para a frente, ligando o passado ao futuro por meio do presente. Surge aí a questão de se

compreender a causa, o significado e a direção das transformações. A

História emerge, pois, como um problema não apenas prático, mas também teórico. O homem, além de um ser histórico, busca agora apropriar-se da sua historicidade. Além de fazer história, aspira a se tornar consciente dessa sua identidade. (SAVIANI, 2006, pp.07-08).

Este entendimento e busca de compreensão da causa e direção das transformações, embasa a produção do autor acerca do fenômeno educacional, a busca da compreensão da educação em seu desenvolvimento em contraposição à tendência fragmentária, estruturalista, pós-moderna.

[...] dada a historicidade do fenômeno educativo cujas origens coincidem com a origem do próprio homem, o debate historiográfico tem profundas implicações para a pesquisa educacional, vez que o significado da educação está intimamente entrelaçado ao significado da História. E no âmbito da investigação histórico-educativa essa implicação é duplamente reforçada: do ponto de vista do objeto, em razão da determinação histórica que se exerce

sobre o fenômeno educativo; e do ponto de vista do enfoque, dado que

pesquisar em história da educação é investigar o objeto educação sob a perspectiva histórica. (SAVIANI, 2006, pp.11-12).

100 Evento realizado de 14 a 19 de dezembro de 1997 em Campinas. O referido texto foi publicado no ano seguinte como introdução do livro História e história da educação: o debate teórico-metodológico atual organizado por José Claudinei Lombardi, José Luís Sanfelice e Dermeval Saviani.

Entre outras produções, esse movimento foi realizado de maneira brilhante na obra História das ideias pedagógicas no Brasil, a qual o autor organizou em quatro grandes períodos que marcam a história das ideias pedagógicas no Brasil, e cada parte se inicia com um capítulo de ordem geral, que indica sinteticamente as linhas básicas do momento histórico determinante das ideias pedagógicas correspondentes ao período então analisado. Outro ponto a se destacar, é que a investigação da educação sob a perspectiva histórica, mais precisamente, a exposição das ideias pedagógicas em sua trajetória pela história da educação brasileira foi empreendida tendo em vista “[...] compor uma visão de conjunto da história da educação brasileira que pudesse auxiliar os professores no trabalho pedagógico que realizam com seus alunos nas salas de aula.” (SAVIANI, 2007a, p.01). “Foi, pois, pensando nos professores que escrevi este livro [...] todo o corpo do livro pretende constituir-se em subsídio para o trabalho dos professores.” (SAVIANI, 2007a, p.xvi). Conforme já comentamos anteriormente, essa é uma marca respeitável da produção de Dermeval Saviani, seus estudos e elaborações não tem sentido em si mesmos, mas buscam responder a problemas da realidade concreta, oferecendo subsídios “[...] não apenas para entender a educação, mas também para realizá-la praticamente.” (SAVIANI, 2007a, p.21). Assim esclarece:

[...] o que provoca o impulso investigativo é a necessidade de responder a

alguma questão que nos interpela na realidade presente. Obviamente, isso

não tem a ver com o ‘presentismo’ nem mesmo com o ‘pragmatismo’. Trata- se, antes, da própria consciência da historicidade humana, isto é, a

percepção de que o presente se enraíza no passado e se projeta no futuro.

Portanto, eu não posso compreender radicalmente o presente se não

compreender as suas raízes, o que implica o estudo de sua gênese. Foi

exatamente a necessidade de compreender mais ampla e profundamente os impasses teóricos e práticos da educação brasileira atual que provocou a realização deste trabalho. (SAVIANI, 2007a, p.04 – grifos nossos).

Na obra de Dermeval Saviani a história é matriz científica, guiando os estudos em seu conjunto. Ou seja, a história é tomada como ciência que possibilita a apreensão do real em seu movimento, fornecendo elementos para a intervenção e transformação do mesmo. O exame da educação é realizado em sua estreita relação com a sociedade no processo de desenvolvimento histórico. Em diversos textos este movimento é realizado, desde a sociedade primitiva até o período moderno, demonstrando como a escola no capitalismo passou a ser a forma predominante de educação101. (SAVIANI, 2009a; 2005b; 2005c).

101 “Na sociedade moderna (ou capitalista, ou burguesa) a classe dominante (burguesia) detém a propriedade privada dos meios de produção (condições e instrumentos de trabalho convertidos em capital) obtida pela expropriação dos produtores. Entretanto, diferentemente dos senhores feudais (nobreza) a burguesia não pode ser considerada uma classe ociosa. Ao contrário, é uma classe empreendedora, compelida a revolucionar constantemente as relações de produção, portanto, toda a sociedade. Oriunda das atividades mercantis que permitiram um primeiro nível de acumulação de capital, a burguesia tende a converter todos os produtos do

Pode-se dizer, à guisa de síntese, que, ao deslocamento do eixo do processo produtivo do campo para a cidade, da agricultura para a indústria e ao deslocamento do eixo do processo cultural do saber espontâneo, assistemático para o saber metódico, sistemático, científico, correspondeu o deslocamento do eixo do processo educativo de formas difusas, identificadas com o próprio processo de produção da existência, para formas específicas e institucionalizadas, identificadas com a escola. E as necessidades postas por essa nova forma de organização da sociedade conduziram a uma nova forma de estruturação do currículo, isto é, dos conteúdos do ensino. Assim, são as necessidades sociais que determinam o conteúdo, isto é, o currículo da educação escolar em todos os seus níveis e modalidades. (SAVIANI, 2009a,

p.6).

Saviani recupera o desenvolvimento da escola ao longo da história, demonstrando que de forma geral, “[...] podemos conceber o processo de institucionalização da educação como correlato do processo de surgimento da sociedade de classes que, por sua vez, tem a ver com o processo de aprofundamento da divisão do trabalho.” (SAVIANI, 2005b, p.31). O excerto expressa esse movimento do processo de produção científica assentado na concepção materialista e dialética da história, que concebe o trabalho como categoria fundante tendo como centro a historicidade na análise do fenômeno educativo.

O desenvolvimento histórico da escola e da educação e sua relação com o modo de produção/reprodução da existência permite reconhecer os limites e as possibilidades da educação nos marcos do capital, apontando como horizonte histórico a necessidade de superação do modo de produção capitalista a partir da atuação na realidade educacional realmente existente; eis um dos maiores méritos da pedagogia histórico-crítica, nos armar para atuar no hoje vislumbrando a transição para o futuro. É neste sentido que se colocam as proposições do autor no que tange a teoria pedagógica, como poderemos observar no tópico referente à teoria pedagógica.

trabalho em valor-de-troca, cuja mais-valia é incorporada ao capital que se amplia insaciavelmente. Nesse processo, o campo é subordinado à cidade e a agricultura à indústria, que realiza a conversão da ciência, potência espiritual, em potência material. O predomínio da cidade e da indústria sobre o campo e a agricultura tende a se generalizar e a esse processo corresponde a exigência de generalização da escola. Assim, não é por acaso que a constituição da sociedade burguesa trouxe consigo a bandeira da escolarização universal e obrigatória. Com efeito, a vida urbana, cuja base é a indústria, se rege por normas que ultrapassam o direito natural, sendo codificadas no chamado direito positivo que, dado o seu caráter convencional, formalizado, sistemático, se expressa em termos escritos. Daí a incorporação, na vida da cidade, da expressão escrita de tal modo que não se pode participar plenamente dela sem o domínio dessa forma de linguagem. Por isso, para ser cidadão, isto é, para participar ativamente da vida da cidade, do mesmo modo que para ser trabalhador produtivo, é necessário o ingresso na cultura letrada. E sendo a cultura letrada um processo formalizado, sistemático, só pode ser atingida por meio de um processo educativo também sistemático. E a escola é, por sua vez, a instituição que propicia de forma sistemática o acesso à cultura letrada reclamado pelos membros da sociedade moderna. Nesse contexto, a forma principal e dominante de educação passa a ser a educação escolarizada. Frente a ela a educação difusa e assistemática, embora não deixando de existir, perde relevância e passa a ser aferida pela determinação da forma escolarizada. A educação escolar representa, pois, em relação à educação extra-escolar, a forma mais desenvolvida, mais avançada” (SAVIANI, 2009a, pp.5-6).

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