• Nenhum resultado encontrado

Contributos da educação permanente à consolidação da identidade profissional

CONSOLIDAÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL

5.1.2 Consolidação da identidade profissional

5.1.2.1 Contributos da educação permanente à consolidação da identidade profissional

A educação defendida como permanente se coloca como disseminadora de possibilidades com vistas à consolidação da identidade profissional crítica, na medida em que acompanha o movimento inerente ao contexto sócio-histórico no qual a identidade profissional se encontra.

Conforme Martinelli (2011b), pensar a consolidação da identidade profissional como algo eminentemente dinâmico, edificando-se constantemente no embate com as contradições presentes na realidade concreta, mediada por determinismos sociais aponta para a “noção de trajetória”, para usar os termos de Bourdieu.

Bourdieu (1989 apud GONÇALVES; LISBOA, 2007, p. 88) apresenta suas convicções a respeito da importância da noção de trajetória, compreendida como “[...] uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente – ou mesmo grupo – em um espaço, ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes”. Portanto, partindo da concordância com essa afirmação, por entender que ela dá margens para se justificar e se reforçar que a consolidação da identidade profissional ocorre por etapas e que, por consequência, essa educação contribui e favorece as transformações incessantes, comunga-se da fala das autoras Gatti e Barretto (2009, p. 203) ao defenderem que, em se tratando de qualificação continuada:

O conceito subjacente é o de desenvolvimento profissional. O processo de formação é definido como um movimento orientado a responder aos diversos desafios que se sucedem nas diferentes fases da vida profissional: o início da carreira, o processo de desenvolvimento e os tempos mais avançados em que o profissional consolida sua experiência.

O profissional de Serviço Social transita por diversos espaços geográficos, sócio- ocupacionais e políticos devido às configurações do mundo do trabalho. Em decorrência disso, não é casual a fala do entrevistado 2 ao afirmar que: “O assistente social precisa estar em sintonia com o contexto onde ele se encontra, e hoje em dia as mudanças ocorrem com muita frequência, portanto, a formação continuada vem para contribuir sim na atualização de todo e qualquer profissional.” (E2).

Acrescenta-se a esse fato, a importância da consolidação de uma identidade profissional que permita ao assistente social tornar-se cada vez mais capacitado para realizar uma profunda análise da relação entre sistema capitalista e políticas públicas para, assim, poder estar “em sintonia com o contexto”, conforme defende o entrevistado 2. Essa

necessidade de análise ultrapassa o ambiente imediato no qual o profissional possa estar inserido e representa uma das premissas básicas, capaz de fornecer condições para intervir no enfrentamento das diversas expressões da questão social.

Na Política Nacional de Educação Permanente, a matéria textual inerente à sua operacionalização reforça a importância de se ater à formação e à consolidação da identidade profissional crítica do assistente social, principalmente como forma de impedir ou mesmo minimizar os efeitos da fragmentação e da imediaticidade de conteúdos que estejam destoantes do projeto de formação profissional, os quais podem favorecer a reprodução e o ressurgimento do pensamento conservador no interior da profissão (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2012).

De outro lado, a ênfase na defesa da educação permanente ocorre também, porque o investimento na qualificação do assistente social contribui para o fortalecimento do Projeto Ético-Político da profissão. De acordo com Rodrigues (2011, p. 6):

O Projeto Ético-Político do Serviço Social representa um norte na atuação dos assistentes sociais, na perspectiva da construção de uma nova ordem social, sem discriminação de qualquer forma (de gênero, raça, geração, orientação sexual) e exploração, na qual todos tenham realmente acesso aos direitos para satisfação de suas necessidades. Este Projeto Ético-Político teve seu marco simbólico datado de setembro de 1979 a partir do qual o Serviço Social revê sua visão de mundo, de homem e de sociedade por meio do aporte teórico do materialismo dialético de Marx. A construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social se inscreve no contexto das lutas políticas mais amplas da sociedade brasileira, nas quais os profissionais do Serviço Social se inserem como a luta contra a ditadura militar no período de 1964 a 1985.

O contexto de lutas políticas de que trata Rodrigues (2011) se refere ao Movimento intitulado no interior do Serviço Social de Movimento de Reconceituação4, que se pautou por

4O movimento de reconceituação significou um “processo de ruptura teórica e política com o lastro conservador

de suas origens. Esse movimento do Serviço Social na América Latina teve lugar no período de 1965 a 1975, impulsionado pela intensificação das lutas que se refratavam na Universidade, nas Ciências Sociais, na Igreja, nos movimentos estudantis, dentre outras expressões. Ele expressa um amplo questionamento da profissão (suas finalidades, fundamentos, compromissos éticos e políticos, procedimentos operativos e formação profissional), dotado de várias vertentes e com nítidas particularidades nacionais. Mas sua unidade assentava-se na busca de construção de um Serviço Social latino-americano: na recusa da importação de teorias e métodos alheios à nossa história, na afirmação do compromisso com as lutas dos „oprimidos‟ pela „transformação social‟ e no propósito de atribuir um caráter científico às atividades profissionais. Denunciava-se a pretensa neutralidade político- ideológica, a restrição dos efeitos de suas atividades aprisionadas em micro espaços sociais e a debilidade teórica no universo profissional. Os assistentes sociais assumem o desafio de contribuir na organização, capacitação e

conscientização dos diversos segmentos trabalhadores e „marginalizados‟ na região. De base teórica e

metodológica eclética, o movimento de reconceituação foi inicialmente polarizado pelas teorias desenvolvimentistas. Em seus desdobramentos, especialmente a partir de 1971, esse movimento representou as primeiras aproximações do Serviço Social à tradição marxista. Esse período coincide com a ditadura militar no

uma postura contrária aos pressupostos ideológicos, teóricos e metodológicos que a profissão assumia até então. Esse movimento, que abrangeu todos os países da América Latina, culminou num evento denominado Congresso da Virada5, considerado como marco simbólico da implantação do Projeto Ético-Político (RODRIGUES, 2011).

Gradativamente, esse Projeto Ético-Político continuou se aprimorando em decorrência de novos acontecimentos importantes para a categoria profissional tais como a instituição do Código de Ética dos assistentes sociais em 1986, que, posteriormente, foi revisado e ampliado em 1993. Por fim, consolidou-se a partir da década de 1990, devido ao amadurecimento dos profissionais no interior de suas organizações e reconhecimento dos cursos de Pós-Graduação em Serviço Social por parte das agências financiadoras de pesquisa.

Atuar em conformidade com o Projeto Ético-Político da profissão significa colocar-se numa atitude de contínua articulação entre a ética e a política, representada por um movimento de intencionalidades e ações por parte do assistente social, que se volta para uma direção social que se configura como plural e democrática. Esse movimento do pensamento e da ação, voltado à transformação, não garante a sua realização, mas se apresenta como realidade possível, como busca contínua, um embate diário, árduo e intrincado diante das incoerências, contradições e contrassensos presentes na sociedade (SARMENTO, 2011).

Para o Conselho Federal de Serviço Social (2012, p. 9), adensar as reflexões em torno da educação permanente possibilita “[...] imprimir mais avanços e consolidar uma política que valorize a qualificação profissional como um bem político, ético, técnico-operativo e um direito das/os assistentes sociais para orientar e balizar as ações do Serviço Social na direção do Projeto Ético-Político.”

Portanto, a educação permanente, além de favorecer a consolidação da identidade profissional crítica e portar a tendência de se repercutir positivamente no alcance da qualidade dos serviços prestados, potencializa também as competências e as atribuições privativas dos

Brasil, fazendo com que o debate aqui assumisse outras tonalidades e recebesse distintas influências.”

(IAMAMOTO, 2009, p. 8-9).

5Esse evento se refere “ao III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), ocorrido em setembro de

1979 em São Paulo, sendo reconhecido pela categoria profissional como Congresso da Virada, face à sua importância histórica de posicionamento dos assistentes sociais contra o conservadorismo da profissão e contra os representantes da ditadura que estavam no referido Congresso para sua abertura oficial. No momento da abertura, os assistentes sociais presentes impedem a abertura com a mesa conservadora e instituem uma nova mesa de abertura com a participação de representantes dos movimentos sociais (terra, mulheres, moradia entre outros). Esse ato simbolizou os novos posicionamentos ético-políticos, teórico-metodológicos e técnico- operativos que os assistentes sociais assumiam a partir de então.” (RODRIGUES, 2011, p. 6).

assistentes sociais, contribuindo, assim, para a efetivação do Projeto Ético-Político da profissão, conforme de pode verificar na fala do Entrevistado 4:

Entendo o conhecimento como um meio de decifrar a realidade; auxiliar na articulação da teoria e prática, para clarificar a condução do trabalho a ser realizado. Entendo que a formação continuada é o único caminho para garantir uma atuação profissional e uma análise critica comprometida, para que sempre se tenha como objetivo a defesa e ampliação dos direitos. A capacitação permite minha reciclagem, o que tem contribuído para ampliação do meu referencial teórico, e isso refletirá em um fazer profissional coerente e comprometido com o Projeto Ético-Político da nossa profissão. (E4).

As primeiras iniciativas para a construção do Projeto Ético-Político da profissão deu- se a partir de 1970. Entre a década de 1970 a 1980, o Serviço Social experimentava momentos relevantes de desenvolvimento caracterizados, principalmente, pela recusa do caráter conservador da qual a profissão era imbuída. Foi em decorrência desse movimento que se fazia no interior da categoria profissional, aliado ao processo de redemocratização em que a sociedade brasileira vivia, que os fundamentos e alicerces do Projeto Ético-Político foram construídos (PAULO NETTO, 1999).

De acordo com Raichelis (2011, p. 427-428):

O trabalho profissional, na perspectiva do Projeto Ético-Político, exige um sujeito profissional qualificado capaz de realizar um trabalho complexo, social e coletivo, que tenha competência para propor, negociar com os empregadores privados ou públicos, defender projetos que ampliem direitos das classes subalternas, seu campo de trabalho e sua autonomia técnica, atribuições e prerrogativas profissionais.

Compreender a educação permanente para além de seus horizontes proximais permite referenciá-la como processo capaz de redesenhar os caminhos pelos quais o Serviço Social trilha na direção da efetivação de seu Projeto Ético-Político, na medida em que orienta e baliza suas ações. Nessa direção, a educação permanente se apresenta como um relevante instrumento para a qualificação das intervenções cotidianas no exercício da profissão e à capacidade de organização política da categoria (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2012).

A educação permanente permite que se possa refletir sobre as consequências que a intervenção profissional gera no espaço ocupacional onde o profissional se encontra. Com isso, evidencia-se o que Bourguignon (2007) defende como aspecto político deste espaço, na medida em que o conhecimento construído ou apreendido pode assumir um caminho

estratégico, empenhado com situações concretas que assegurem concreticidade ao Projeto Ético-Político (BOUGUIGNON, 2007).

Segundo o Conselho Federal de Serviço Social (2012), a educação permanente, aliada a formação, se apresenta como potencial instrumento de materialização do Projeto Ético- Político profissional, na medida em que a formação e a construção de conhecimentos se colocam como colunas de sustentação e consolidação desse Projeto Ético-Político.

A Política da Educação Permanente, como conquista a ser defendida e desafio a ser arrostado coletivamente, abre as portas para a “[...] materialização do Projeto Ético-Político, alargando os horizontes da intervenção profissional no conjunto das lutas sociais em direção à transformação para uma nova sociedade livre e emancipada.” (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2012, p. 26).

5.1.2.2 Entidades organizativas da categoria e seus contributos à consolidação da