3.6 Controle da mistura ar/combustível
3.6.2 Controle em malha fechada
Os sistemas de controle em malha fechada são caracterizados por apresentarem efeito direto da saída sobre a ação de controle, sendo essa característica
definida também como realimentação (feedback). O controlador recebe em sua entrada a
diferença entre o sinal desejado (set point) e o sinal de saída. Essa diferença é definida como a função erro e(t) do sistema (Åström e Hägglund, 1996). O sinal e(t) é introduzido no controlador de modo a minimizar a diferença entre o set point e o sinal real. A Figura 3.23 representa um sistema de controle em malha fechada (Ogata, 1993).
Figura 3.23 – Sistema de controle em malha fechada (Ogata, 1993).
A aplicação de sistemas que operam em malha fechada no controle da mistura ar/combustível permite alcançar a condição de operação ideal para cada regime do motor. Desta condição, dependem diretamente os valores da potência indicada (Pind),
Como mostrado na Figura 3.23, um sistema de controle em malha fechada necessita de um sinal de re-alimentação (Elemento de medida) para determinação da função e(t). Nos MCI’s, esse sinal deve representar a concentração dos principais gases emitidos pelo
motor durante seu funcionamento (O2, CO2, CO, UHC e NOx). Porém, segundo Ribbens
(1998), a re-alimentação em função da concentração de cada um dos gases citados não é aplicável aos atuais sistemas de controle, devido à complexidade de se introduzir sensores específicos para cada um deles. De acordo com a Figura 3.7 (Item 3.3), a variação do fator λ representa uma influência direta na potência, no consumo específico de combustível e na concentração relativa dos gases poluentes emitidos pelo motor.
A análise da Figura 3.7 permite observar que as emissões dos hidrocarbonetos não-queimados (UHC) e de Monóxido de carbono (CO) são minimizadas
em condições de mistura estequiométrica tendendo a pobre (valores de λ entre 1,00 e
1,10), devido a quantidade suficiente de O2 durante a combustão sem prejudicar sua
temperatura. Observa-se ainda que na condição citada (1,00 ≤ λ ≤ 1,10) ocorrem os
maiores níveis de emissão de NOx, associado principalmente a dissociação do Nitrogênio
(N2), causada pela alta temperatura da câmara de combustão e ao excesso de O2 nessa
condição. A redução dos níveis de NOx é favorecida em regiões de mistura rica (λ < 0,90)
ou de mistura pobre (λ > 1,10), onde a temperatura de combustão é menor.
Apesar da condição estequiométrica (λ = 1,00) representar as maiores
concentrações relativas de NOx emitidas pelo motor, Leone et al (1997) apresentam
como um dos pontos importantes para obtenção de veículos com valores reduzidos de
emissões (ULEV) o controle da mistura ar/combustível em torno dessa condição. Lenz e
Schroeder (1997) afirmam ainda que a eficiência dos catalisadores de três vias (three
way catalyst - TWC) está diretamente ligada à manutenção da mistura próxima ao valor
estequiométrico. Dessa forma, é possível prever o comportamento da concentração relativa dos gases emitidos pelo motor a partir do fator λ, por quantificar a quantidade percentual de O2 em relação a condição estequiométrica.
Nos sistemas de controle da mistura, a relação ar/combustível real é alterada em função da quantidade de combustível introduzida pelo eletroinjetor. Isso significa que o controlador atua sobre o processo indiretamente, através de uma variável secundária que, neste caso, é o tempo de injeção. A re-alimentação do controlador é realizada
atualmente através da medição da concentração de O2 no coletor de descarga do motor.
A Figura 3.24 apresenta um diagrama de blocos de um sistema de controle em malha fechada.
Figura 3.24 – Controle da mistura ar/combustível em malha fechada (Ribbens, 1998).
Definido como sensor de concentração de O2 no coletor de escapamento
(Exaust Gas Oxigen Sensor - EGO) ou como Sonda Lambda, este sensor fornece um
sinal de tensão para re-alimentação do controlador da mistura. Basicamente, é composto por dois eletrodos de platina fisicamente separados por meio de camadas de óxidos de
Zircônia (ZrO2) ou de Titânio (TiO2), sendo um dos eletrodos exposto aos gases de
escapamento e o outro ao ar ambiente. Os elétrons livres presentes nos íons do Oxigênio tornam o eletrodo exposto ao ar ambiente mais negativo que o exposto aos gases de escapamento produzindo, dessa forma, um movimento de elétrons através dos óxidos,
produzindo valor de tensão que depende da diferença de concentração de O2 entre os
eletrodos. A variação da tensão em função da concentração de Oxigênio (Lambda) é apresentada graficamente na Figura 3.25 (Ribbens, 1998).
A Figura 3.25 mostra, em função do fator λ, um comportamento não-linear na resposta em tensão do sensor EGO. A tensão nominal de saída desse sensor é, geralmente, de 100 a 900 mV. Esse valor de tensão representa, respectivamente, condições de mistura pobre (100mV → λ > 1,05) e de mistura rica (900mV → λ < 0,95), sendo essas as condições de saturação do sensor nas extremidades de sua curva de calibração. Na região delimitada pelos valores citados (0,95 ≤ λ ≤ 1,05), o sensor EGO apresenta uma mudança brusca nos níveis de sinal, principalmente em torno da condição estequiométrica de mistura (λ=1,00), além da histerese entre a transição de mistura rica para pobre e vice-versa. Adler (1988), Ribbens (1998) e Bauer (1999) mostram que outra característica apresentada pelo sensor EGO é a variação da curva de calibração em função da temperatura do elemento sensor. Essa variação ocorre principalmente em temperatura inferiores a 300 ºC, a partir das quais os óxidos aplicados ao sensor conduzem os elétrons livres presentes no O2 (Adler, 1998).
Na maioria dos sistemas em malha fechada, o sinal do sensor EGO é desconsiderado pelo controlador, retornado à condição de operação em malha aberta até que o sensor ultrapasse essa condição de temperatura, representada através de modelos matemáticos. O comportamento apresentado pela curva de calibração do sensor EGO faz com que o sistema de controle trabalhe de forma a corrigir continuamente a mistura ar/combustível em torno do valor estequiométrico. A Figura 3.26 apresenta a resposta dinâmica do controlador de mistura mediante a aplicação de várias entradas tipo “degrau” na válvula borboleta, durante o aquecimento do motor (Leone et al, 1997).
As entradas em degrau foram aplicadas ao sistema para mostrar a condição de oscilação promovida intencionalmente pelo controlador, no intuito de aumentar a eficiência do conversor catalítico de 3 vias (TWC) devido ao seu principio de operação.
Para que as reações de oxidação ocorram no TWC existe a necessidade de O2 em
quantidade suficiente e de calor. Devido a sua elevada área superficial e ao material cerâmico no qual é construído, o TWC absorve o Oxigênio proveniente da condição de mistura pobre e realiza, na presença de metais catalisadores e do calor absorvido, as reações de oxidação do CO e do UHC, formando CO2 e H2O (Bauer, 1999).
Em condições de mistura pobre, a temperatura da câmara de combustão tende a se elevar, favorecendo a dissociação do N2 e, conseqüentemente, a formação de
NOx. As reações de redução de NOx no TWC em N2, CO2 e H2O dependem da presença
de CO e UHC (Anexo B). Essa condição ocorre somente em condições de mistura rica,
onde as reações de oxidação deixam de ocorrer pela redução da quantidade de O2
absorvido pelo TWC. Por essas razões, o sistema realiza o controle da mistura ar/combustível em torno da condição estequiométrica, oscilando entre condições de mistura ricas e pobres alternadamente como mostra a Figura 3.27 (Bauer, 1999).
Figura 3.27 – Variação de Lambda para aumento da eficiência catalítica (Bauer, 1999). Essas oscilações são controladas de forma a manter a mistura em uma faixa pré-estabelecida onde se obtém a maior eficiência de conversão catalítica no TWC, como apresentado pela área hachurada da Figura 3.28.
Figura 3.28 – Eficiência do catalisador em função de Lambda (Ribbens, 1998).
Existem algumas variações construtivas dos sensores de O2 visando
principalmente a redução do tempo de operação e malha aberta (aquecimento do sensor) e a histerese associada ao seu funcionamento. Uma dessas variações ocorre com a introdução de resistências de aquecimento no elemento cerâmico para que a condição ideal de operação seja atingida em um curto intervalo de tempo. Denominado de sensor
de concentração de O2 aquecido (Heated Exaust Gas Oxigen Sensor - HEGO) ou Sonda
Lambda de 04 vias, esse tipo de sensor reduz significativamente o tempo de inicio de operação do sistema em malha fechada. A Figura 3.29 apresenta a curva de calibração do sensor HEGO em função de Lambda, obtida a 600 ºC de temperatura (Bauer, 1999).
Figura 3.29 - Curva de calibração sensor HEGO em função de λ (Bauer, 1999).
Bauer (1999) apresenta ainda o conceito de sensor de O2 em banda larga
(Wide-band Oxigen Sensor) ou Sondas Lineares (Universal Exaust Gas Oxigen Sensor –
UEGO). Diferente das sondas convencionais (dual-threshold), as sondas lineares
apresentam uma expansão do conceito aplicado às convencionais explicado
referência (pump cell). A associação dos sinais de ambas às células possibilita determinar a condição atual da mistura (rica, estequiométrica ou pobre) em função da intensidade da corrente gerada na célula de referência (ip), além de quantificar a mistura
rica ou pobre. A Figura 3.30 apresenta a curva de calibração de sonda de O2 em banda
larga, em função de Lambda.
Figura 3.30 – Curva de calibração de uma sonda linear em função de λ (Bauer, 1999). Na condição de malha fechada, o controlador de mistura calcula o tempo-
base de injeção (TCL) em função do mesmo modelo do sistema apresentado pela
Equação 3.17, porém, aplica-se um fator de correção de Lambda (CL) que depende do
sinal de re-alimentação proveniente do sensor HEGO obtendo-se, dessa forma, o tempo de acionamento por rotação (ms/rev), segundo a equação:
TCL
( )
n =TOL( )
n ⋅[
1+CL( )
n]
(3.18)No sistema de controle convencional em malha fechada, utiliza-se um controlador do tipo PI para realizar a correção de TCL, cuja ação é definida pela equação
3.19: ⎥ ⎦ ⎤ ⎢ ⎣ ⎡ + ⋅ =
∫
t i P L e t dt T t e K t C 0 ) ( 1 ) ( ) ( (3.19) onde:e(t) = função erro em no instante t;
K
p= ganho proporcional;
Åström e Hägglund (1996) mostram que o tempo integral (Ti) ajusta a ação de
controle integral enquanto uma mudança no valor de KP afeta a parte proporcional e a
parte integral da ação de controle. Observa-se que, igualando-se o fator de correção (CL)
a zero, a Equação 3.18 retorna a condição de malha aberta. Isso ocorre no controle em malha fechada durante a fase de aquecimento do sensor EGO ou em condições de plena carga que podem ser mapeadas em tabelas de referência (Auslander et al, 1995).
A Figura 3.31-a apresenta o sinal proveniente do sensor de O2 e a variação
do fator de correção CL correspondente à condição de mistura apresentada pelo sensor
(3.29-b). A discretização apresentada nas Figuras 3.31 (a) e (b) é função do número de ciclos computacionais realizados pelo controlador (nc).
(a)
(b)
Figura 3.31 – Fator de correção CL em função do sinal de O2 (Ribbens, 1998).
Dorf e Bishop (1998) mostra que o projeto e a implementação de um sistema em malha aberta são mais simples do que em malha fechada, justificando a sua utilização em processos que não apresentam distúrbios durante a operação e onde a instabilidade não seja um problema significativo. Por outro lado, o uso da realimentação em sistemas de controle (malha fechada) torna a sua resposta menos susceptível a distúrbios externos e a variações do processo, ambos encontrados em MCI’s. Neste caso, essas características devem ser ressaltadas devido às variações da rotação (10 a 110 Hz), da qualidade da combustão e do atraso de tempo entre o fenômeno e a re- alimentação.
A utilização de sistemas em malha aberta é aconselhável apenas em processos cujas entradas são conhecidas antecipadamente no tempo e nos quais não são evidenciadas ocorrências de distúrbios. Sistemas de controle de malha fechada possuem vantagens apenas quando esses distúrbios ou variações são imprevisíveis em
componentes do sistema (Ogata, 1993). Outra desvantagem apresentada pelos sistemas em malha aberta é a necessidade de ajustes mecânicos/eletrônicos para corrigir a influência dos efeitos do envelhecimento natural dos principais componentes do sistema. Esses ajustes devem ser realizados seguindo procedimentos estabelecidos pelos fabricantes, o que nem sempre é de conhecimento da industria de reparação em geral. Alguns deles necessitam de equipamentos específicos como rastreadores eletrônicos e analisadores dos gases de descarga, inacessíveis a grande parte dos profissionais deste segmento devido ao elevado custo de aquisição (Pereira, 2001).
Alguns autores apresentam estudos comparativos sobre novas estratégias de controle da mistura ar/combustível em substituição aos controladores PI convencionais, visando reduzir os tempos de atuação do sistema e, conseqüentemente, os níveis de
emissões dos MCI’s. Leone et al (1997) apresentam um estudo sobre os pontos-chave a
serem abordados para redução dos níveis de emissões dos veículos (ULEV), onde
mostram, através de modelos matemáticos, a influência do ajuste dos controladores nos índices de emissões. Citam a importância da redução no tempo de operação em malha aberta, durante o qual, cerca de 93% da quantidade total de hidrocarbonetos não- metanos são emitidos (~140 segundos após a partida – Ciclo FTP75).
Braga (2007) mostra que as características não-lineares do sistema e dos sensores, aliadas ao tempo morto, fazem com que a malha de controle de lambda com PI clássico tenda a instabilidade. Para manter o sistema estável é necessário limitar os ganhos do controlador, o que reduz a banda passante e prejudica a rejeição às
perturbações. Neste contexto, a ação feedforward de cálculo do tempo base de injeção
assume grande importância, pois rejeita as perturbações constantes de carga e rotação. Conclui que a malha de realimentação de lambda tem como função corrigir os erros
estacionários, enquanto a ação feedforward proporciona um bom desempenho dinâmico.
Cita também que nos sistemas baseados em realimentação via sensor UEGO
é possível realizar o controle em malha fechada fora da região estequiométrica, determinando-se o grau de enriquecimento ou empobrecimento desejado. Pode-se adotar qualquer valor de mistura, de acordo com as condições do motor, alterando a
referência do controlador PI. A característica aproximadamente linear do sensor UEGO
permite a utilização de ganhos mais elevados, melhorando a resposta dinâmica em
relação ao sensor EGO. Porém, o tempo morto elevado limita a banda passante e não
permite respostas satisfatórias durante variações rápidas da condição de operação do