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CAPÍTULO II A INSERÇÃO DE NORMAS TÉCNICAS NO ÂMBITO DO DIREITO

5. Controles formal e material

Naturalmente, tal atividade de incorporação não poderá ser vista como absolutamente livre. Para que tais escolhas técnicas efetivem-se validamente será necessário que a Administração Pública comporte-se de acordo com a legalidade e juridicidade vigentes; isso implica em sua submissão a alguns testes de validade aptos a apurar seu compromisso com o direito.

Um primeiro passo para que a Administração Pública promova um encaminhamento válido das escolhas técnicas que pretende realizar consiste na identificação formal das normas jurídicas abstratas às quais está submetida. A atividade de incorporação de normas técnicas sempre se desenvolverá, como dissemos, a partir de padrões legais preexistentes. No caso da atividade de regulação, a Administração Pública sempre terá que interpretar as normas jurídicas remissivas antes de operacionalizar, por meio da edição de uma norma regulatória, a introdução de normas técnicas no âmbito do Direito Administrativo. Da mesma forma, nas hipóteses de adjudicação, entes administrativos também deverão interpretar as normas legais remissivas com o propósito de praticar uma conduta administrativa concreta, de fim ou de meio. Em ambos os casos, a missão de incorporar normas técnicas será impressa, abstrata ou concretamente, por meio de uma atividade interpretativa da Administração Pública.

Como efeito da vinculação administrativa à lei, o agir interpretativo da Administração, num primeiro momento, terá por fim identificar as normas legais aplicáveis, sua interdependência hierárquica, seus limites semânticos e seus compromissos procedimentais. O controle formal visa justamente auxiliá-la na delimitação precisa de uma zona negativa de certeza, ou seja, um espaço interpretativo dentro do qual não poderá atuar sem violar a lei, e uma zona de incerteza hermenêutica, cujo significado apenas poderá ser identificado após sua submissão à ideia mais ampla de juridicidade. Portanto, o respeito à hierarquia das normas, à sua linguagem e aos seus comandos procedimentais constitui condição sine qua non de validade formal da atividade administrativa técnica.

Ao lado do aqui chamado controle formal, propício para a delimitação da zona dentro da qual a Administração Pública poderá, em tese, promover escolhas técnicas, o controle material, mais amplo e com inspiração nos princípios jurídicos que informam qualquer sistema normativo e instituem suas regras, tem por propósito indicar o verdadeiro sentido hermenêutico das normas jurídicas remissivas. Isto é, excluídas as possibilidades interpretativas situadas fora dos limites formais ou extrínsecos dos textos das normas legais, a Administração Pública deverá apreciar se, à luz dos princípios jurídicos, a margem de escolha técnica subsistente não restará sensivelmente reduzida em função da influência daqueles.

Destarte, os princípios jurídicos, que podem ocupar espaços infraconstitucionais, constitucionais e até supranacionais dependendo da ordem jurídica, serão de extrema importância, apesar de não possuírem aptidão para autorizar ou incorporar, per si, normas técnicas no ordenamento jurídico, para a definição da validade material da norma ou conduta administrativas técnicas. Enquanto o controle formal realça apenas os limites semânticos dos textos normativos, sua relação hierárquica e comandos procedimentais, o controle material orienta a Administração Pública na definição do sentido correto destas normas segundo os princípios jurídicos. Será este significado alcançado por meio da correta interpretação de normas remissivas que possibilitará, a um só tempo, a formação de normas e condutas administrativas técnicas constitucionalmente adequadas, bem como uma avaliação segura sobre a possibilidade ou não de escolhas técnicas discricionárias.

6. Resumo do capítulo

O direito, enquanto ciência histórica responsável por avaliar, do ponto de vista jurídico-político, os efeitos da inserção de normas técnicas no sistema normativo, determina que assuntos de interesse da sociedade, especialmente aqueles que afetam seus princípios jurídicos e direitos fundamentais dos cidadãos, sejam debatidos pelo poder legislativo, instância dotada de maior legitimidade democrática. Somente os destinatários da vontade popular devem dar início a um processo de discussão e reflexão que, ao final, poderá impactar sensivelmente a vida da comunidade. É este o caso de temas que envolvem o uso da técnica. Como dissemos anteriormente, o tecnicismo não deve ser visto como inofensivo, neutro ou sempre benéfico; deve ser contextualizado em cada ambiente cultural e o direito, nesta matéria, exerce papel primordial.

No caso do Direito Administrativo, a ideia de legalidade assume contornos ainda mais rigorosos. Não há como interferir na vida do administrado sem qualquer deliberação legislativa, a mando exclusivamente da Administração Pública, cuja debilidade democrática é evidente.

Por estas razões, a autorização para incorporar normas técnicas no ordenamento jurídico deve partir de uma decisão política do legislador, ainda que este opte por não disciplinar exaustivamente o tema em sede de lei. Tal decisão autorizativa corporifica-se por meio de uma regra jurídica remissiva, cuja função principal será a de delegar a outros entes públicos, legislativos ou administrativos, a missão de incorporação definitiva de normas técnicas. A seu juízo político e a depender do bem jurídico que se pretender proteger, o legislador poderá valer-se de cinco técnicas legislativas diferentes, a saber: i) autorização pela via da incorporação textual de norma técnica (ou remissão imprópria), ii) autorização através da remissão explícita a normas técnicas específicas (ou remissão explicita específica); iii) autorização através da remissão explícita a normas técnicas inespecíficas (remissão explícita inespecífica); iv) autorização implícita de inserção de normas técnicas através de conceitos jurídicos indeterminados (remissão implícita por conceitos jurídicos indeterminados) e v) autorização implícita de inserção de normas técnicas através de regras de competência definidoras da atribuição legal e/ou funcional de entes ou profissionais com especialização técnica (remissão implícita através de regras de competência). As duas primeiras devem ser entendidas como estáticas e as demais como dinâmicas.

Dependendo da técnica legislativa utilizada, subsistirá espaço para que a incorporação de normas técnicas seja promovida no plano normativo, legal ou administrativo, ou concreto. No primeiro caso, uma nova regra jurídica, denominada de incorporadora, promoverá o transporte de normas técnicas de fora para dentro do Direito Administrativo. No segundo, o fenômeno acima descrito dar-se-á por intermédio de uma conduta administrativa concreta, de meio ou de fim.

A Administração Pública, para definir suas escolhas técnicas, deverá submeter-se a dois tipos de controle: formal e material. O primeiro objetiva definir as normas legais aplicáveis, seus limites semânticos e seus comandos procedimentais; fixa, portanto, uma zona interpretativa de certeza negativa, passando a obrigar a Administração a atuar dentro de limites hermenêuticos mais estreitos. O segundo, por sua vez, restringe ainda mais as possibilidades interpretativas da Administração Pública, obrigando-a a limitar sua margem de escolha de acordo com a influência dos princípios jurídicos.