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Controles judiciais do Crédito: ações individuais e coletivas

4 CONSUMO (IN)SUSTENTÁVEL DOS SERVIÇOS BANCÁRIOS E OS

4.8 Controles judiciais do Crédito: ações individuais e coletivas

A via judicial pode ser a solução de controvérsias creditícias e está à disposição do consumidor. O sistema processual brasileiro considera diversas previsões destinadas a demandas individuais e metaindividuais, para a tutela pretendida. De modo que, o consumidor em situações de abuso creditício, com máculas morais ou materiais, deve se valer das regras processuais aplicáveis às demandas coletivas, ou mesmo individuais, caso queira.

O processo judicial consumerista não pode ser servil à insaciabilidade do mercado creditício. Sobre o assunto, Mauro Cappelletti, jurista italiano, juntamente com Bryant Garth, destaca as soluções práticas encontradas para os problemas do acesso à justiça

O recente despertar de interesse em torno do acesso à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo Ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos em sequência cronológica (39). Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira “onda” desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas de proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro- e mais recente – é o que nos propormos a chamar simplesmente “enfoque de acesso à justiça” porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo. 424

Outrossim, diante desta contextura, qual seja, frente a situações de disfuncionalização creditícias, que indicam o empobrecimento do consumidor, seja por na órbita patrimonial, quanto na esfera moral, muitas são as diretrizes normativas, inclusive supranacional, voltadas à regulamentação extrajudicial, conciliatória, em alguns casos preventivas, de composição creditícia do indivíduo excluído do meio social.

Contudo, quando infrutíferos os esforços de empreendidos para (re)composição do consumidor vitimados pelo insustentabilidade do consumo creditício, resta-lhe tomar como base a adoção de procedimentos judiciais, que lhe propiciem o resgate da pecha indigna que lhe deprecia enquanto ser gregário.

424 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant; NORTHFLEET, Ellen Gracie (tradução). Acesso à justiça. Sergio

Para Fernandes, a prerrogativa de ação revisional de contratações bancárias por aplicação do superendividamento provém do devedor de cooperação do outro parceiro obrigacional, como meio de se volver o equilíbrio contratual e se obter a reestruturação do débito o consumidor superendividado

Os deveres de cooperação e renegociação pressupõem que, para que se possa alcançar a reestruturação financeira do superendividado, faz-se imprescindível a cooperação e compreensão do outro parceiro obrigacional envolvido no negócio, ou seja, o fornecedor do crédito. Diante da situação do consumidor superendividado, deverá o fornecedor do crédito atuar no sentido de cooperar possibilitando a renegociação do débito tendo em vista o reestabelecimento financeiro do consumidor e equilíbrio contratual.425

Resta salientar que, tratando-se da tutela de direitos metaindividuais, a legislação infraconstitucional confia a interposição da ação civil pública não somente ao Ministério Público, mas também aos demais legitimados ativos a possibilidade de defenderem, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer outro interesse difuso e coletivo; por infração da ordem econômica e da economia popular; e, a ordem urbanística.426

Ao Ministério Público, a tutela de direitos transidividuais (difusos e coletivos), por meio de ação civil pública, é atribuída pela Constituição Federal (art.129, III), e deve ser entendida por seu significado amplo, em limites satisfatórios à magnitude da intensidade da lesão, ou mesmo, em face da iminência lesiva aos bens e valores sob tutela.

O termo transindividual é palavra derivada do prefixo de origem grega trans - com o conceito de através, além de-, adicionada à palavra individual, designativa de pessoal, particular, próprio de apenas um ser427, de modo a corresponde a tutela além do próprio indivíduo, porquanto dentre os chamados direitos coletivos.

Esta categoria de tutela jurisdicional clamou por adequações processuais, que até então avistava a divisão clássica de interesses públicos e privados, passou então a promover a proteção dos interesses metaindividuais. Esta concepção judicial coletiva que colabora não só

425 FERNANDES, Carolina Curi. O Superendividamento do Consumidor como Hipótese de Revisão dos

Contratos de Crédito. São Paulo: Editora Verbo Jurídico, 2008, p. 162.

426 Cf. art. 1º. da Lei 7.347/85

427 Fonte: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia

com o Estado-Juiz assoberbado, mas também com seus tutelados que podem ter uma resposta mais célere. Por certo, é o norte de esperança às novas regras processuais, e o remédio judicial para a enfermidade que assola o Judiciário.

Ao tratar sobre a defesa de interesses difusos ou coletivos assente Mazzilli

Com a devida vênia, equivoca-se a jurisprudência restritiva, que pretende que, em matéria de interesses individuais homogêneos, a ação civil pública só poderia ser ajuizada em defesa de consumidores.

[...} em tese, quaisquer interesses difusos ou coletivos podem hoje ser defendidos por meio de ação civil pública ou coletiva, ainda que não esteja expressamente mencionado no art. 1º. da LACP. O CDC e a LACP complementam-se reciprocamente: em matéria de defesa de interesses transidividuais, uma lei é de aplicação subsidiária para a outra.428

Na seara jurídica, além do aspecto metaindividual429, também numerosa a aceitação dos tribunais pátrios ao diálogo conexivo entre a legislação bancária, financeira, de crédito e securitária e o Código de Defesa do Consumidor.430 Uma grande evidência neste norte foi a já citada Adin dos Bancos (ADIN 2.591) analisada pelo Supremo Tribunal Federal, e outra, de expressão dentre tantas, é a manifesta pelo STJ, ao entender que a “atividade bancaria de conceder financiamento e obter garantia mediante alienação fiduciária sujeita-se às normas

428 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 2010, p. 765-766.

429 Cf. Mazzilli: “O exame desse quadro não deve, porém, levar à equivocada impressão de que, nos interesses

difusos ou nos interesses individuais homogêneos, não exista uma relação jurídica subjacente, ou ainda à de que, nos interesses coletivos, não haja uma situação de fato anterior, ou, enfim, à de que, nos interesses individuais homogêneos, prescinda-se de uma situação de fato comum, ou de uma relação jurídica básica, que una todo o grupo lesado. Ao contrário. No tocante a quaisquer interesses transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), sempre haverá uma relação fática e subjacente.” MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 2010, p. 55.

430 Neste sentido: “o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao Recurso Especial no. 1221756, interposto

pelo Banco Itaú Unibanco S.A., e manteve a decisão do Tribunal “a quo” na qual o Banco foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.

Ficou entendido pelos Ministros da Terceira Turma que de fato o caixa de atendimento preferencial situava- se em local de difícil acesso, já que este encontrava-se no segundo andar do prédio ao qual o acesso só era possível por meio de escadas.

Os argumentos do Banco foram no sentido de que não seria possível a condenação em danos morais por se tratar de demanda coletiva o que seria incompatível com a noção de dano moral, que teria como requisito essencial a afronta moral individual, logo, em face da natureza indivisível o dano não poderia ser concedido de forma coletiva.

Contudo, o entendimento do Tribunal foi no sentido de admitir a indenização por danos morais coletivos e difusos, com a ressalva do Ministro relator, no sentido de que somente em casos específicos como este, em que o fato transgressor seja de razoável significância e transborde os limites da tolerabilidade.

Por fim, cumpre esclarecer que em casos como este, no qual condena-se por danos morais coletivos, o valor da condenação é revertido para o fundo estadual, conforme previsto na Lei de Ação Civil Pública.” (Lei 7.347/85). Fonte: Superior Tribunal de Justiça, 3ª. Turma, Resp 1221756, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 10 de fevereiro de 2012. Decisão sintetizada disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2012/02/10/banco-e-condenado-a-danos-morais-coletivos/, Acesso em 04 de janeiro de 2015.

protetivas do Código de Defesa do Consumidor, no que couber, convivendo este estatuto harmoniosamente com a disciplina do Dec-lei 911/1969.”431

O mote se verte ao tema em análise: os contratos bancários e demais operações concessivas de crédito tem sido objeto de ações civis pública que, buscam caracterizar a violação a direitos metaindividuais dos consumidores em geral, na modalidade difuso (no que pertine à tutela negativa) traduzida na abstenção de os bancos cobrarem tarifas em desacordo com a legislação vigente.

Também, ações de caráter difuso tem sido interpostas com o fito de estabelecer a obrigação às instituições financeiras de entregarem cópia do contrato, lista de taxas, tarifas e encargos, além de prestarem informações claras e adequadas acerca dos direitos e deveres contidos nas cláusulas contratuais, bem como a guarida individual homogênea, no que pertine à tutela reparatória dos danos já consumados, apta a suscitar a atuação dos entes legitimados na tutela jurisdicional de direitos transindividuais de consumidores que configuram seu público alvo, uma vez que os consumidores de serviços bancários integram todas as classes sociais, não só as classes mais abastadas, em face da democratização dos serviços bancários verificada no Brasil nas últimas décadas. 432

In fine, a esperança é a de que as abordagens alhures delineadas neste corpo dissertativo acaso não tenham proporcionado um absoluto aprofundamento sobre o crédito, que tenham então, a serventia reflexiva quanto a temática. Ainda há de se relevar que, se mudanças drásticas não ocorrerem em curto período, então, espera-se que aqueles legitimados para agir, no contexto de tutela transindividual, sejam protegidos pelo manto da justiça e solidariedade social e, conscientes da função social que desempenham, perpetuem na defesa em prol da dignidade social destes indivíduos vulneráveis, e por conseguinte, de seus direitos fundamentais insertos na Constituição Federal.

431 Cf. Jurisprudência do STJ, REsp 323.986-RS, j. 28.08.2001, rel. Min. Nancy Andrigui. Também neste

sentido: MARQUES, CLAUDIA LIMA. Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de noras do direito brasileiro, 2012b, p. 37.

432 Neste sentido ver modelo de ação civil pública interposta pela Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará

Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas. Disponível em: http://www2.tjce.jus.br:8080/esmec/wp- content/uploads/2010/03/defensoria.pdf . Acesso em 05 de janeiro de 2015.