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Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

3. Necessidade de disciplinas internacionais sobre ajustes de carbono na

3.3 Foros para negociação das disciplinas internacionais

3.3.2 Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

Outro foro que recebe grande atenção dos especialistas como competente para o tratamento legal dos ajustes de carbono na fronteira é as Nações Unidas. Ocupando papel central na evolução histórica do direito internacional do meio ambiente, a ONU tem sido responsável por orientar a construção e administrar o regime internacional de preservação do clima. Ela abrange em sua estrutura os mais referendados organismos técnicos que atuam no exame do sistema climático, como o IPCC e o PNUMA. Mais importante ainda, alberga a Convenção-Quadro, que oferece o arcabouço jurídico e institucional necessário à tarefa do combate mundial ao aquecimento do planeta.

A bem da verdade, as negociações climáticas sob a direção da Convenção-Quadro já tangenciam o tema dos ajustes de carbono desde pelo menos 2007592. Com o lançamento do Roteiro de Bali, ao cabo da COP-13, criou-se formalmente um capítulo específico nas negociações climáticas com mandato para apreciar esses mecanismos593. Esse subgrupo foi inserido sobre o trilho das ações de cooperação de longo prazo (AWG-LCA), que orienta as partes a consolidar compromissos sobre ações nacionais e internacionais de mitigação, levando em consideração, dentre outros aspectos, as “consequências econômicas e sociais das medidas de resposta”.

590 Artigo IX:3 do Acordo Constitutivo da OMC: “Em circunstâncias excepcionais a Conferência Ministerial

poderá decidir a derrogação de uma obrigação de um Membro em virtude do presente Acordo ou de quaisquer dos Acordos Multilaterais de Comércio desde que tal decisão seja tomada por três-quartos dos Membros, salvo disposição em contrário no presente parágrafo [...]”. Artigo IX:4 do Acordo Constitutivo da OMC: “Uma decisão da Conferência Ministerial de conceder derrogação deverá relatar as circunstâncias excepcionas que regulam a aplicação da derrogação e a data em que a derrogação deverá terminar. Qualquer derrogação concedida por período superior a um ano será revista pela Conferência Ministerial em prazo não superior a um ano após a concessão e subseqüentemente a cada ano até o termino da derrogação. Em cada revisão a Conferência Ministerial examinará se as circunstâncias excepcionais que justificam a derrogação ainda existem e se os termos e condições relacionadas à derrogação foram compridos. A Conferência Ministerial com base na revisão anual poderá entender, modificar ou terminar a derrogação.”

591 HUFBAUER, Gary Clyde. CHARNOVITZ, Steve; KIM, Jisun. Global warming and the world trading system, op. cit., p. 97.

592 Para maiores detalhes, retomar a leitura do item 2.4.2.3.

593 CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA. Report of the Conference of the Parties on its thirteenth session, held in Bali from 3 to 15 December 2007. Addendum. Part Two: Action taken by the Conference of the Parties at its thirteenth session. FCCC/CP/2007/6/Add.1, 14 mar. 2008. Decision 1/CP.13: Bali Action Plan, p. 3-4. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf#page=3>. Acesso em: 19 set. 2012.

Sob esse extenso rótulo, os negociadores acomodaram as discussões e colocaram em circulação diversas propostas a respeito dos ajustes de carbono 594 . Mais especificamente, esses institutos são classificados como medidas unilaterais de resposta ao aquecimento global, das quais podem advir desdobramentos de ordem econômica e social. Dentre eles, aponta-se, por exemplo, os impactos no comércio internacional.

Em complemento, a COP-17 trouxe, no final de 2011, a inauguração de um fórum permanente e a edificação de um programa de trabalho, ambos com o objetivo específico de examinar os meandros dessas medidas unilaterais de resposta595. Com o encerramento do mandato do Roteiro de Bali, em dezembro de 2012, o fórum herdou a competência depositada no AWG-LCA sobre a matéria e assumiu o papel de avançar o exame acerca das medidas unilaterais contra a mudança do clima596. Destaca-se, todavia, que ainda não há liderança ou massa crítica significativa no sentido da negociação de disciplinas detalhadas quanto a esses instrumentos.

Com lastro nessas considerações, conclui-se que a Convenção-Quadro detém mandato negociador, estruturas institucionais e canais de debate específicos sobre medidas unilaterais de respostas. Ainda que esses mecanismos se encontrem em estágio incipiente, eles corroboram a percepção de que a ONU representa a plataforma apropriada para perseguir eventuais tratativas a respeito dos ajustes de carbono.

Além disso, considerando que a solução para o desafio climático passa pela assunção de deveres de mitigação e adaptação pela comunidade internacional como um todo, afigurar-se-ia mais sensato elaborar regras sobre as medidas na fronteira de maneira concomitante e no interior do próprio regime de proteção do clima. Um arranjo dessa natureza seria condizente com o caráter secundário e complementar desses ajustes. Permitiria, ainda, trade-offs entre ambos os universos: alguns países, por exemplo, poderiam sentir-se mais confortáveis para contrair metas climáticas audaciosas se

594 Algumas dessas propostas estão disponíveis em: <http://unfccc.int/files/meetings/ad_hoc_working_groups

/lca/application/pdf/mitigation1bvinp32091009.pdf>; <http://unfccc.int/files/meetings/ad_hoc_working_ groups/lca/application/pdf/awglca1bvinp44061109.pdf>; <http://unfccc.int/resource/docs/2011/awglca14/ eng/crp30.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2012.

595 CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA. Report of the Conference of the Parties on its seventeenth session, held in Durban from 28 November to 11 December 2011. Addendum. Part Two: Action taken by the Conference of the Parties at its seventeenth session. FCCC/CP/2011/9/Add.2, 15 mar. 2012. Decision 8/CP.17: Forum and work programme on the impact of the implementation of response measures, p. 9-10. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/2011/cop17/eng/09a02.pdf#page=9>. Acesso em: 28 dez. 2012.

596 CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA. Agreed outcome pursuant to the Bali Action Plan. Draft decision -/CP.18, 2012, p. 11. Disponível em: <http://unfccc.int/files/meetings/doha_nov_2012/decisions/application/pdf/cop18_agreed_outcome.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2012.

receberem a garantia de que a inércia de seus parceiros poderá ser interpelada por meio de ações para induzir o cumprimento de suas obrigações.

Também é razoável pleitear que decisões tomadas no seio de organismos, como as Nações Unidas, que possuem o desígnio de preservação da natureza – e do clima – inscrito em seu material genético, seriam percebidas pela comunidade internacional com maior legitimidade. Ainda hoje é possível identificar certa dose de ceticismo, que remonta à época do GATT, acerca da imparcialidade no tratamento de valores ambientais por parte do sistema multilateral de comércio. A escolha da OMC para normatizar os ajustes de carbono, portanto, poderia ser enfrentada com desconfiança, em especial nas fileiras de entidades e ativistas ambientais. Como consequência, o fruto dos seus esforços negociadores sofreria desgastes de credibilidade. Em complemento, a opção pela ONU seria consentânea com a noção de que o comércio não deve sobrepor-se ao meio ambiente, mas consiste em instrumento para o desenvolvimento sustentável.

Em mais de uma oportunidade, o Diretor Geral da OMC, Pascal Lamy externou sua preferência por regras negociadas no âmbito do regime internacional do clima. Em 2008, em discurso endereçado ao Parlamento Europeu, Lamy informou que a OMC aguardaria um “consenso verdadeiramente global” sobre a melhor maneira de conciliar comércio e mudança climática. Fez entrever, ainda, que uma convenção sobre o clima, com a participação dos principais emissores de GEE, representaria o instrumento mais apropriado para orientar o sistema multilateral de comércio, assim como para conduzir os atores econômicos na abordagem de externalidades ambientais negativas597.

Em 2009, Lamy reiterou seu entendimento de que as negociações para um tratado internacional sobre o clima deveriam ocorrer sob a regência da Convenção-Quadro e que o resultado desses esforços seriam recebidos de braços abertos pela OMC. Nesse diapasão, destacou que a estratégia prioritária – ou “plano A” – da comunidade internacional deveria ser a atribuição de compromissos climáticos para todos seus membros, segundo o princípio das responsabilidade comuns, porém diferenciadas, e que a caixa de ferramentas da OMC somente deveria ser explorada em um segundo momento, durante a etapa de implementação das obrigações pactuadas598.

597 LAMY, Pascal. A consensual international accord on climate change is needed: Lamy. Temporary

Committee on Climate Change, European Parliament - Brussels. WTO news: speeches – DG Pascal Lamy, 29 maio 2008. Disponível em: <http://www.wto.org/english/news_e/sppl_e/sppl91_e.htm>. Acesso em: 27 dez. 2012.

598 LAMY, Pascal. Lamy underscores the urgency of responding to the climate crisis. Climate first, trade

second: GATTzilla is long gone. WTO news: speeches – DG Pascal Lamy, 2 nov. 2009. Disponível em: <http://www.wto.org/english/news_e/sppl_e/sppl140_e.htm>. Acesso em: 27 dez. 2012.

Howse parece concordar que, na prática, a OMC não se projeta como ambiente viável para negociar um diploma internacional sobre ajustes de carbono. Ao avaliar a conjuntura atual e reconhecer as chances pouco realistas de um acordo sobre comércio e clima encabeçado pela entidade, ele sugere a transferência dessa atribuição para outros fóruns como crucial para a manutenção do papel da OMC como garantidor do sistema multilateral de comércio599.

Relevantes coalizões de interesses, como o Grupo dos 77 mais a China, também sustentam que a Convenção-Quadro seria a moldura mais preparada para receber essa

responsabilidade600. Mattoo et al acrescentam que o palco climático teria condições de

entregar resultados mais céleres, o que seria essencial para evitar o uso extremado de medidas na fronteira em prejuízo dos países em desenvolvimento601.

Por outro lado, vale destacar que o processo decisório na COP também se erige como um desafio significativo para o êxito das tratativas multilaterais sobre ajustes fronteiriços. Na mesma linha do sistema multilateral de comércio, o modus operandi que prevalece nas decisões tomadas pelo regime internacional de proteção do clima é o consenso. Com a participação de mais de 190 integrantes, cada qual com interesses distintos, sua construção mostra-se tarefa hercúlea. Apesar disso, cumpre registrar que os últimos encontros climáticos testemunharam certo abrandamento na leitura do consenso, sendo que manifestações contrárias da Bolívia e da Rússia não foram consideradas impeditivas para a adoção dos resultados finais da COP-17 (Durban) e da COP-18 (Doha), respectivamente602.

A assinatura de um protocolo adicional à Convenção-Quadro603 ou a emenda ao Protocolo de Quioto604 são alguns dos formatos jurídicos sugeridos pelos especialistas para

599 HOWSE, Robert. Commentary: The political and legal underpinnings of including aviation in the EU

ETS. In: FABER, Jasper; BRINKE, Linda. The inclusion of aviation in the EU Emissions Trading System: an economic and environmental assessment, op. cit., p. 31-32.

600 KHOR, Martin; JHAMTANI, Hira. G77/China criticize developed countries’ trade measures as being

against Convention. TWN Bonn News Update, Update n. 9, 2009. Disponível em: <http://www.twnside.org.sg/title2/climate/bonn.news.4.htm>. Acesso em: 19 set. 2012.

601 MATTOO, Aaditya et al. Reconciling climate change and trade policy. Working Paper Series, op. cit.,

p.18.

602 A repetição de incidências dessa natureza pelo segundo ano consecutivo fez vários analistas indagarem se

trata-se de uma nova tendência na forma de definição das decisões por consenso. Além disso, várias vozes têm manifestado que consenso não significa o direito de uma parte bloquear o progresso das negociações. INTERNATIONAL INSTITUTE FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Earth Negotiations Bulletin. COP 18 Final, v. 12, n. 567, 2012, p. 27. Disponível em: <http://www.iisd.ca/download/pdf/enb12567e.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2012.

603 Nesse sentido, manifestam-se: FRANKEL, Jeffrey. Addressing the leakage / competitiveness issue in

climate change policy proposals. In: BRAINARD, Lael; SORKIN, Isaac. (Ed.). Climate change, trade and competitiveness: is a collision inevitable?, op. cit., p. 87-89. HOERNER, Andrew; MULLER, Frank. Carbon taxes for climate protection in a competitive world. Paper prepared for the Swiss Federal Office for Foreign

cristalizar as normas sobre ajustes de carbono. Acima dos questionamentos sobre a estrutura ou terminologia ideais, no entanto, está a convicção desses observadores de que as aludidas regras devem ser forjadas como parte do mandato negociador supervisionado pelas Nações Unidas.