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O P RINCÍPIO DA P ROTEÇÃO I NTEGRAL NA C ONSTITUIÇÃO F EDERAL

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 83-88)

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente100, assim dispondo:

Art. 277. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 3º O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho observado o disposto no art. 7º, XXXIII 101.

Conforme se verifica, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu ser dever de todos proteger e preservar as condições de vida das crianças e dos adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos de direitos humanos próprios, em total consonância com as diretrizes internacionais de direitos humanos e com os padrões democráticos de organização do Estado e da sociedade.

Nas precisas palavras de Flavia Piovesan:

Os direitos especiais reconhecidos às crianças e aos adolescentes decorrem de sua peculiar condição de ser humano em desenvolvimento. Como conseqüência, o

100 Esse princípio, conforme classificação apresentada por Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, desdobra-se em: princípio da Cidadania, do Bem Comum, da Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento, do Atendimento Prioritário, da Ação Paritária e da Proteção Especial ao Trabalho e à Educação do Adolescente Portador de Deficiência (FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A proteção ao trabalho da criança e do adolescente no Brasil: o direito à profissionalização. Dissertação de Mestrado. São Paulo:

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1995, p. 100-105).

101 “Art. 7º, inc XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.”

Estado e a sociedade devem assegurar, por meio de leis ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o pleno desenvolvimento das capacidades físicas, mentais, morais, espirituais e sociais, cuidando para que isso s e dê em condições de liberdade e de dignidade102.

Vale ressaltar também os ensinamentos de João de Lima Teixeira Filho:

A Constituição assegura, na realidade, o direito de o menor não trabalhar, não assumir encargo de sustento próprio e de sua família em certa faixa etária, o que é reiterado no art. 227, § 3º, I, do mesmo Diploma. E a Carta Política assim o faz movida pela compreensão de que nessa tenra idade é imperiosa a preservação de certos fatores básicos, que forjam o adulto de amanhã, tais como: (I) o convívio familiar e os valores fundamentais que aí se transfundem; (II) o inter-relacionamento com outras crianças, que molda o desenvolvimento psíquico, físico e social do menor;

(III) a formatação da base educacional sobre a qual incidirão aprimoramentos posteriores; (IV) o convívio com a comunidade para regular as imoderações próprias da idade etc. Os afazeres do trabalho não podem comprometer esses fatores estruturantes, que lapidam a personalidade da pessoa. Tudo a seu tempo103.

Note-se que a proteção assegurada à criança e ao adolescente na Constituição Federal é uma proteção integral que tem a finalidade de alcançar uma prioridade absoluta e que deve envolver, como agentes de sua efetivação, família, sociedade e Estado104.

102 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.

283.

103 VIANNA, Segadas et al. Instituições de direito do trabalho. 22ª ed. São Paulo: LTr, 2005, p.1013-1014.

104 Nesse sentido, destaca José Roberto Dantas Oliva, “(...) a família, que tem responsabilidade universalmente reconhecida como um dever moral, decorrente da consangüinidade e do fato de ser o primeiro ambiente em que a criança toma contato com a vida social e no âmbito da qual o adolescente tem a possibilidade de revelar mais rapidamente suas deficiências e as agressões e ameaças que estiver sofrendo (DALLARI, p. 23), deve assegurar a integridade física, a formação psíquica e moral, proporcionar, o que de melhor houver e estiver ao seu alcance para um desenvolvimento sadio e completo da criança e do adolescente. Esse papel, portanto, conduz a um dever negativo: o do não abandono” (OLIVA, José Roberto Dantas. O princípio da proteção

É nesse sentido que destaca José Roberto Dantas Oliva:

(...) a Constituição Federal responsabilizou a família, a sociedade e o Estado pela prioritária proteção que deve ser destinada às crianças e adolescentes. Todos têm obrigações, de cunho prospectivo e preponderantemente comissivo (fazer), mas também de natureza omissiva (não fazer), nos seus campos distintos de atuação, sendo igualmente responsáveis,

‘não cabendo – como lembra Dalmo de Abreu Dallari (2002, p. 22) – a qualquer dessas entidades assumir com exclusividade as tarefas, nem ficando alguma delas isenta de responsabilidade (...)” 105.

Conforme ressalta Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, a doutrina da proteção integral concebe crianças e adolescentes como cidadãos plenos, sujeitos de direito e obrigações, a quem o Estado, a família e a sociedade devem atender prioritariamente.Esses brasileiros, portanto, em razão de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, devem ter atenção de forma diferenciada, em razão de suas necessidades também de peculiares cidadãos106.

A proteção integral, no plano trabalhista, compreende o direito à profissionalização de adolescentes, o desenvolvimento de programas de integração social do adolescente portador de deficiência por meio de treinamento para o trabalho, o respeito à idade mínima para ingresso no mercado de trabalho, a garantia de direitos previdenciários e trabalhistas e garantia de acesso à escola.

O art. 7º, inciso XXXIII refere-se especificamente à proteção do adolescente trabalhador estabelecendo a “proibição de

integral e o trabalho da criança e do adolescente no Brasil. São Paulo: LTr, 2006, p.

110).

105 OLIVA, José Roberto Dantas. O princípio da proteção integral e o trabalho da criança e do adolescente no Brasil. São Paulo: LTr, 2006, p. 110.

106 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A proteção ao trabalho da criança e do adolescente no Brasil: o direito à profissionalização. Dissertação de Mestrado. São Paulo:

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1995 apud NASCIMENTO, Nilson de Oliveira Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 63.

trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho aos menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” 107.

O limite de idade para ingresso no mercado de trabalho de forma a impedir que crianças e adolescentes sejam expostos precocemente no mundo laboral se justifica em razão de suas notórias diferenças de ordem biológica, moral, social e econômica.

Nesse sentido, Mozart Victor Russomano afirma que a imposição de limites de idade para a celebração de contratos de trabalho varia de nação para nação e decorre do interesse social em que o adolescente freqüente a escola e possa viver em condições favoráveis ao seu desenvolvimento físico108.

A modificação introduzida pela Emenda Constitucional n.

20/98, que elevou a idade mínima para 16 anos recebeu inúmeras críticas, mormente pelo fato de não levar em consideração a realidade brasileira, o que aumentaria o já bastante acentuado problema do trabalho informal de adolescentes, sem o devido registro e garantias trabalhistas.

É nessa concepção que Eduardo Gabriel Saad se manifesta:

Temos a impressão de que o nosso legislador, ao aprovar a EC n. 20, estava persuadido de que o Brasil é uma nação do primeiro mundo e de que, sob os prismas cultural, social e econômico, é um todo homogêneo, com taxa de emprego (sic) da ordem de 3% e renda per capita de 25 mil reais. Desse devaneio do nosso legislador que chegaram ao término de sua

107 Redação atual dada pela Emenda Constitucional n. 20/98.

108 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 6ª ed. Curitiba: Juruá, 1997, p. 370.

educação fundamental aos 14 ou 15 anos e estão sem acesso ao mercado de trabalho109.

Importante ressaltar, contudo, que a limitação da idade mínima para o trabalho se justifica para preservar a higidez física e psicológica dos adolescentes ainda em desenvolvimento. E, certamente, não será a inserção precoce de jovens no mercado de trabalho o caminho mais acertado para diminuir a informalidade e fomentar a geração de emprego, porquanto o Estado deve garantir educação aos adolescentes com idade inferior a 16 anos, de modo a assegurar-lhes capacidade técnica acompanhada do seu desenvolvimento físico e psicológico para ingresso no mundo laboral.

Quanto à proibição ao trabalho noturno, perigoso ou insalubre, trata-se de um especial cuidado com a saúde do adolescente, a fim de protegê-los contra exposições e condições de trabalho que sejam insalubres, perigosos ou penosos e que prejudiquem o saudável desenvolvimento físico e psicológico.

A Constituição Federal, no art. 7º, inciso XXX, também recepcionou o princípio da igualdade previsto no caput do art. 5º do mesmo diploma para o âmbito trabalhista, proibindo qualquer forma de discriminação no que tange a salários, exercícios de funções ou critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e que do mesmo modo se aplica aos trabalhadores adolescentes.

Sistematizando os princípios que a Constituição Federal consagrou quanto ao trabalho de crianças e adolescentes, Antonio Carlos Flores de Moraes110 destaca:

109 SAAD, Eduardo Gabriel. Trabalho do menor e a emenda constitucional n. 20/98. LTr Suplemento Trabalhista n. 38/99, ano 35, São Paulo: LTr, 1999, p. 188.

110 MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho, 8ª ed. atual.

São Paulo, LTr, 2000, p. 559 apud NASCIMENTO, Nilson de Oliveira Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 65.

- princípio da idade mínima: arts. 7º, XXXIII e 227, § 3º, I;

- princípio da tutela especial: arts 7º, XXXIII e 227, § 3º, I;

- princípio da aprendizagem e formação para o trabalho: arts. 7º, XXXIII e 214;

- princípio da integração ao mercado de trabalho: art.

203, III;

- princípio das garantias trabalhistas: arts. 7º, XXXIII e 227, § 3º, II;

- princípio da garantia da educação (qualificação para o trabalho): art. 205.

Conforme se constata, a Constituição Federal concebeu a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente em absoluta consonância com as recomendações internacionais, assegurando-lhes tratamento especial, dado o seu estado físico, psicológico e social ainda em formação.

Dessa forma, havendo um real compromisso da sociedade e do Estado, crianças e adolescentes poderão desfrutar, de fato e na sua plenitude, as conquistas que o ordenamento jurídico lhes confere, na qualidade de sujeitos de direito em condição peculiar de desenvolvimento.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 83-88)

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