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4.1 –O século XIX na historiografia da arquitetura e da arte em Minas Gerais: observações sobre uma ausência.

Não é exatamente uma novidade constatar a preponderância dos estudos sobre a capitania de Minas Gerais em detrimento da província mineira. Como destaca Maria Efigênia Lage de Resende, “não podia ser de outra forma” (RESENDE, 2013, p.16), visto que “a história de Minas do Setecentismo é indissociável do imaginário edênico suscitado pelas minas de ouro” (Ibidem, p.16) – o que favoreceria a contínua atração de pesquisadores. No entanto, segundo esta pesquisadora, ao invés de seguir uma linearidade cronológica, a historiografia mineira saltou dos estudos sobre a capitania mineira para as pesquisas sobre a Minas republicana, criando uma lacuna sobre a província de Minas Gerais que, apenas a partir da década de 1990, começa a se delinear com mais regularidade, trazendo resultados, que no dizer da historiadora,

Põem em xeque, em pouco mais de duas décadas, interpretações tradicionais que se pautavam pelo pressuposto de uma Província decadente, sem notas de uma singularidade que a distinguissem das demais províncias do Império, no compasso unificador do Governo Central (Ibidem, p.17).

Porém, em poucos temas de pesquisa, a prevalência de estudos focados no século XVIII fica tão evidente, quanto no que diz respeito aos trabalhos que tem por objeto a arte e arquitetura religiosa produzida no território mineiro. Quando o assunto é o assim chamado “barroco mineiro” abundam pesquisas sobre os mais variados assuntos: do processo construtivo à biografia dos artífices. Retomando as palavras de Maria Efigênia Lage de Resende, “não podia ser de outra forma”. O processo artístico da capitania mineira, de fato, é um campo inesgotável de relevantes investigações. No entanto, não se pode deixar de observar que este fenômeno produz uma espécie de obscurecimento acerca da produção artística e arquitetônica do século XIX. O que se produzia em Minas neste século? Como os mineiros da província lidavam com cultura artística/arquitetônica herdada dos antigos colonos? Qual era o processo construtivo das edificações religiosas? São perguntas que ainda aguardam respostas mais aprofundadas.

Neste sentido, é importante uma reapresentação da maneira como o tema da arquitetura e da arte religiosa mineira foi articulado ao longo de mais de meio século de pesquisa histórica. De modo a instrumentalizar esta reconstrução teórica, alinha-se a presente proposta, com a do pesquisador André Dangelo que, em sua tese de

doutoramento, logrou êxito ao reunir da maneira mais didática possível as principais vertentes historiográficas que tiveram como objeto de estudo os antigos templos católicos mineiros (DANGELO, 2006). Segundo este autor, a historiografia da arte/arquitetura mineira se compôs, basicamente, de três vertentes teóricas, que aqui são apresentadas de modo sucinto.

A primeira vertente historiográfica identificada por Dangelo é caracterizada pelos estudos vinculados à corrente do movimento modernista brasileiro, amplamente patrocinada pela chamada “fase heroica”146 do antigo SPHAN147, tendo como baluartes autores como Lúcio Costa (1902-1998), Paulo Santos (1904-1988), Sylvio de Vasconcellos (1916-1979) e Lourival Gomes Machado (1917-1967). O que une metodologicamente os diferentes autores, segundo Dangelo, é o que ele chama de “dogmatismo funcionalista” (Ibidem, p. 92), ou seja, uma “valorização dos aspectos funcionais do edifício e da cidade em detrimento dos elementos estéticos” que resultava em um “apartamento de tendências meramente esteticizantes, como o ecletismo, a partir de considerações de ordem prática e técnico-construtiva” (Ibidem, p.92). O “dogmatismo funcionalista” é, sem dúvida, uma característica importante da vertente modernista, uma vez que esta vertente, de modo anacrônico, aplicava juízos valorativos da arquitetura modernista do século XX para se estudar (além de avaliar e julgar) a arquitetura/arte dos séculos anteriores.

Este anacronismo visualiza-se de modo especial através de uma crença comum na “ideia da existência de uma relação de desenvolvimento cronológico para a arquitetura colonial brasileira” (Ibidem, p. 100). Na prática, este pensamento resultava na convicção, por parte dos autores modernistas, que as formas das edificações religiosas mineiras, evoluiriam, progressivamente, das construções em partido retangular até chegar aos partidos elípticos. Ou seja, uma espécie de teleologia das formas arquitetônicas. Observe- se esta característica, por exemplo, em um texto de Sylvio de Vasconcellos de 1961, em que o pesquisador aborda a suposta evolução da arquitetura religiosa mineira:

As torres, a princípio quadradas, com o tempo vão se arredondando, chanfrando seus vértices, encurvando-os (...) para afinal, adotar plantas circulares, em São Francisco de Assis [em Ouro Preto] (...). Finalmente,

146 A “fase heroica” tem este nome devido ao pioneirismo dos trabalhos desenvolvidos pela primeira geração do SPHAN, a partir de 1937, reunidos em torno do presidente do órgão público, Rodrigo Melo Franco de Andrade. Além de grande arcabouço teórico, coube a esta geração os principais levantamentos, organização arquivística, tombamentos, etc. (FONSECA, 1997).

passam as curvas a participar mais intensamente das plantas, abaulando os frontispícios (...) ou arredondando toda a composição (VASCONCELLOS, 2004, p.51).

As torres quadradas, na visão de Vasconcellos, vão “se arredondando”... um processo quase orgânico, quando as linhas curvas, a princípio restritas às torres, irão se imiscuir nos frontispícios, frontões, até atingir quase toda a composição. A produção arquitetônica, deste modo, passaria por um processo em que o ápice seria o abandono dos partidos retangulares e a adoção dos partidos elípticos.

O evolucionismo das formas arquitetônicas/artísticas, de certa forma, enraizou-se no vocabulário conceitual dos estudos do tema. Exemplo disso é o glossário de termos explicativos do “barroco mineiro” de Affonso Ávila, João Marcos Machado Gontijo e Reinaldo Guedes Machado. Lançado pela primeira vez em 1980 e reeditado em 1996, esta obra, em forma de dicionário, demonstra, pelo seu esforço didático, a popularidade da divisão da produção arquitetônica mineira em fases evolutivas. Neste glossário, por exemplo, no termo “arquitetura do período colonial mineiro – construções religiosas”, as tipologias das igrejas mineiras do século XVIII até o começo do século XIX são divididas em 4 fases (AVILA; GONTIJO; MACHADO, 1980, p.21-22):

a) A 1ª fase duraria até cerca de 1740 e se caracterizaria pela construção em adobe e taipa, com o frontispício simples em linhas retas, do qual um exemplo seria o da Capela de Santo Amaro em Brumal.

b) A 2ª fase iria de 1740 a 1760 e se diferenciaria pelo uso da alvenaria de pedra e pelo surgimento de motivos ornamentais na fachada. Um exemplo seria a Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, em Caeté.

c) A 3ª fase, situada entre 1760 e 1770, seria marcada pela excepcionalidade das plantas curvilíneas, com torres ou plantas arredondadas, como no caso da Capela de São Francisco de Assis de São João del-Rei ou da Capela de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto.

d) A 4ª e última fase, estabelecida genericamente como “inícios do XIX”, seria marcada por “uma volta ao partido retangular dos frontispícios” (Ibidem p.22) e ainda por “linhas mais rígidas e pesadas” (Ibidem, p.22). O exemplo desta seria a Capela de São Francisco de Paula, em Ouro Preto.

Segundo esta lógica evolucionista, a morfologia das igrejas mineiras estaria sujeita a uma espécie de progresso das formas, no qual o auge se atingiria com as construções em formato curvilíneo, como a Capela de São Francisco de São João del-Rei, ou a Capela de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto. Justamente por este caráter progressivo, a chamada “4ª fase” é caracterizada no glossário como espécie de involução, ou seja, um retorno ao “partido retangular dos frontispícios”.

Esta vertente de estudos, infelizmente, desconsiderava o que atualmente se nota com bastante facilidade: as plantas elípticas, na verdade, eram excepcionais em uma cultura arquitetônica marcada pela linha reta. Na sua grande maioria, as plantas das edificações religiosas mineiras tendiam para os partidos retilíneos, variando-se, somente, a composição dos espaços e a ornamentação das fachadas. Não se abandonaram os partidos retilíneos durante a composição das plantas curvas (como se vê pela construção da Capela de Santo Antônio e São Francisco em Tamanduá na virada do século XVIII para o XIX [fig.24]) – por isso, se torna equivocado caracterizar o princípio do século XIX como retorno às formas retas, uma vez que estas não cessaram de granjear aceitação dos construtores.

Dessa forma, a vertente modernista, com sua concepção evolutiva da arquitetura, tendia a considerar a produção do século XIX como retorno, em aspectos onde havia apenas coexistência de modelos construtivos. Este elemento, na verdade, gera na crítica destes autores, um senso de que a produção oitocentista seria menor em termos valorativos, por não compartilhar, supostamente, do apogeu criativo do XVIII. Este dogmatismo da linha modernista levaria pesquisadores criteriosos, como Sylvio de Vasconcellos, a afirmar, erroneamente, que no século XIX “não há mais grandes igrejas ou palácios em construção no Brasil” – legando ao obscurantismo cem anos de produção arquitetônica.

Dando prosseguimento à revisão das linhas de pesquisa sobre a arte/arquitetura mineira, de acordo com André Dangelo, a segunda vertente de estudos nesta temática, seria marcada pelos estudos realizados por profissionais estrangeiros, especialmente, os trabalhos de Robert Smith (1912-1975), John Bury (1917-2017) e Germain Bazin (1901- 1990).

Os três autores seguem linhas de pesquisa diversa entre si. O americano Robert Smith, por exemplo, já havia dedicado boa parte de seus trabalhos ao estudo da arte barroca em Portugal, quando publica seus trabalhos sobre o Brasil. Porém, segundo Dangelo, “seu trabalho sobre a arquitetura colonial brasileira está longe do nível de

profundidade dedicado pelo autor ao Barroco ibérico” (Ibidem, p. 123). Trabalhando também a ideia de evolução das formas arquitetônicas, Smith dedicava certa primazia à produção da antiga metrópole, uma vez que acreditava na “impossibilidade de qualquer avanço criativo e de autonomia artística em terras brasileiras” (Ibidem, p.124). O autor, de certa forma, tendia a ver o processo artístico/arquitetônico brasileiro como uma espécie de “apêndice necessário da produção portuguesa” (Ibidem, p.124).

Por outro lado, os trabalhos do francês Germain Bazin adquiriram bastante popularidade entre os estudiosos do tema, sendo referência quase obrigatória nos trabalhos que abordam a arte e arquitetura mineira do período colonial. É notável seu esforço totalizante em obras como “A arquitetura religiosa barroca no Brasil” livro publicado originalmente em francês, nos anos 1950, e com edição em português de 1983. Trabalho de fôlego, intenta cobrir a produção artística colonial brasileira como um todo, apesar da nítida preponderância de Minas Gerais no resultado final.

A obra de Bazin, dos três autores destacados, é a que traz maior filiação ideológica ao “dogmatismo modernista” do antigo SPHAN. Bazin foi bastante próximo da “fase heroica” do órgão público, como o mesmo relata, em tom autobiográfico, na sua introdução à “Arquitetura religiosa...”:

O centro dos meus trabalhos de pesquisas foi o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, fundado em 1937 por um sábio ilustre, a quem o Brasil deve a conservação de suas obras-primas: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Dando provas de um notável espírito de cooperação científica, ele fez questão de que eu me fizesse valer de sua experiência e deu-me livre acesso aos arquivos de seu Serviço (BAZIN, 1983, 1 v., p.16).

Na prática, a proximidade de Bazin com os intelectuais do SPHAN resultou na adoção, por parte do pesquisador francês, do arcabouço conceitual de análise do dogmatismo modernista, de um modo muito especial, da crença generalizada na evolução dos partidos arquitetônicos, ou das fases compositivas da arte mineira. A certeza do evolucionismo morfológico das igrejas mineiras fica explicitado diversas vezes na obra de Bazin. Ao dissertar, por exemplo, sobre a fachada da Matriz de Santo Antônio da cidade de Santa Bárbara, Bazin escreve o seguinte:

O exagero na cornija que arremata a fachada é um indício de hipertrofia barroca. Temos aí um exemplo de degenerescência de uma forma, prolongada para além de seu tempo de vida criativa (Ibidem, p.199) [grifo do autor].

De acordo com Germain Bazin, um modelo construtivo, utilizado além de seu suposto período de vigência, resultaria em “degenerescência” da forma, em “hipertrofia”. Os termos utilizados são ostensivos, caracterizando, praticamente, juízos de valor. Esta aceitação acrítica do progresso da arte, não raro, levava Bazin a cair em contradições intelectuais.

Diante destes critérios evolucionistas, como compreender, caracterizar e inserir toda produção artística religiosa que não se circunscreve ao “tempo de vida criativa” do estilo recortado (“barroco”), mas que conjuga de modelos estéticos semelhantes? Cria-se, assim, um paradoxo, representado por construções que, apesar de terem sido feitas no século XIX, se utilizam de modelos tradicionais do século anterior, como o caso da Capela de São Francisco de Paula de Ouro Preto [fig.45], cuja construção se iniciou em 1804148. A respeito desta edificação, Germain Bazin escreve o seguinte:

A grande construção desproporcionada de São Francisco de Paula, que domina toda a cidade de Ouro Preto, é o ponto máximo da mudança de orientação do gosto. Empreendida em 1804, tanto na planta quanto na construção, ela afirma nitidamente o desejo de voltar às formas anteriores ao barroco, da mesma forma como o estilo Luís XVI volta ao Luís XIII e o estilo Adam a Palladio (Ibidem, p.226-227).

Observa-se, neste discurso, mais uma vez, a retórica da degenerescência, caracterizada pelo “desejo de voltar às formas anteriores”. Elementos já presentes na crítica modernista e, assimilados por Bazin, que tendia a ver retorno onde existia permanência de práticas construtivas, respaldadas pela longa tradição arquitetônica do território mineiro.

Esta perspectiva crítica a respeito da obra de Bazin não desmerece a importância de seu trabalho, contudo, data sua produção, demonstrando-se a necessidade de um posicionamento mais fundamentado em pesquisas recentes em contraposição à sua construção teórica “contaminada por muitas das questões funcionalistas e evolutivas defendidas pelos modernistas do SPHAN” (DANGELO, 2006, p.122).

Para finalizar a vertente estrangeira de pesquisas sobre a arquitetura/arte mineira, resta ainda a importante participação do inglês John Bury, cujo trabalho só se tornou amplamente conhecido no Brasil, a partir da década de 1990, após ser publicada uma

148 Esta edificação foi utilizada como exemplo de “arquitetura religiosa mineira” da 4ª fase, pelo “Glossário de arquitetura e ornamentação” do “Barroco Mineiro” (ÁVILA; GONTIJO; MACHADO, p. 22).

coletânea de seus artigos organizada pela Professora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira149 (Ibidem, p. 128). Dangelo credita grande relevância a este trabalho, pelo fato de:

Pela primeira vez na historiografia sobre a arte mineira, aparece um autor que trata da arte e da arquitetura barroca mineira como um fenômeno mais universal, e não limitado às particularidades do meio, com ênfase em uma cultura arquitetônica que permeava uma produção internacional (...). Bury rompe com a visão mais restrita dessa produção artística colocada pelos críticos brasileiros (...) pela primeira vez aparece uma associação direta da produção da arte e da arquitetura brasileira com a tratadística em vigor no período, principalmente Serlio, Vignola, Scamozzi (...). Neste sentido, o trabalho de Bury, em função da sua independência como um crítico de arte amador, como ele mesmo se coloca, justificou uma obra menos tutelada sobre a arte e arquitetura na região de Minas Gerais e, sob determinado ponto de vista, também de postura mais independente em relação aos modernistas do IPHAN (Ibidem, p.128-129).

John Bury foi contemporâneo de Bazin e, em alguns momentos, teve que lidar com as mesmas questões do curador francês – especialmente o problema das fases estilísticas evolutivas. É interessante observar como Bury lida com estes temas ao longo de uma vida de pesquisas. Em 1952, por exemplo, em seu artigo “O estilo Aleijadinho e as igrejas setecentistas brasileiras” (BURY, 2006, p.109), o inglês, afeito também à demarcação da arquitetura religiosa mineira em fases, propõe uma tipologia diferente das quatro fases até então utilizadas pela intelectualidade modernista. Em sua divisão, a 1ª fase caracterizava-se pelo que chama de “maneirismo”, a 2ª fase corresponderia ao maneirismo em transição, seguido pela 3ª fase, que Bury denomina de “estilo aleijadinho”. Este autor, porém, relativiza a fluidez destas demarcações e destaca a concomitância de modelos existentes na última fase (diferentemente de Germain Bazin), como se observa em seu texto:

Em paralelo ao breve florescimento do estilo Aleijadinho, o estilo anterior continuou sendo praticado, pouco influenciado pelas inovações do rococó. Não apenas nas igrejas paroquiais dos núcleos populacionais menores e nas capelas das fazendas, mas até mesmo em Ouro Preto, nas capelas das irmandades mais humildes; um estilo tradicional, que descende diretamente das grandes matrizes setecentistas da província, continuou a ser largamente empregado, desde o terceiro quartel do século XVIII até o fim da era imperial (1889). Em Ouro Preto, nos primeiros anos do século XIX, foi iniciada uma grande igreja que demonstra pouca influência do estilo Aleijadinho em sua arquitetura, a igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Paula (...). Observe-se

que a influência do neoclassicismo foi insignificante em Minas Gerais (BURY, 2006, p.119).

Bury inova ao demonstrar a contínua aceitação que os partidos retangulares mantiveram durante o século XIX, sendo um dos poucos autores a considerar o fenômeno (apesar de não se aprofundar no estudo destes casos). Lidando também com a ideia de desenvolvimento das formas na arquitetura mineira, no qual o partido retangular evolui para o sinuoso e até mesmo para o elíptico, Bury, neste aspecto, não credita a manutenção das formas retangulares à “degenerescência da forma” como queria Germain Bazin e, sim, à excepcionalidade das plantas de partido curvilíneo (as quais chama de estilo Aleijadinho) e que, justamente por seu caráter minoritário, não deveriam ser tomadas como a regra:

O estilo Aleijadinho teve, em essência, caráter episódico. Seu momento criativo restringe-se aproximadamente ao último quartel do século XVIII, embora persistiam influências no primeiro quartel do século seguinte. Aproximadamente meia dúzia de monumentos representativos encontra-se nos principais núcleos urbanos da região (Ibidem, p.118).

Bury, pelo que se observa, tendia a ver as plantas de partido curvilíneo como sendo “episódicas” e, não, como a linha de chegada das formas da arquitetura mineira. Este autor esforça-se para destacar as plantas regulares como sendo o normativo da região, destacando, inclusive, a manutenção destas formas durante o século XIX. Anos depois, em 1989, John Bury, lidando com as mesmas problematizações, em um interessante artigo chamado “Termos descritivos de estilos arquitetônicos com especial referência ao Brasil e a Portugal” (Ibidem, p.209), tende a demonstrar uma posição revisionista com relação à divisão em fases da arquitetura mineira, chegando a repensar sua classificação da 1ª fase como sendo “maneirista”, dizendo que “o uso do termo maneirismo (..) parece causar mais confusão do que utilidade” (Ibidem, p.215). No entanto, o autor não chega a romper com a divisão clássica das fases cronológicas, afirmando ainda ser “útil grupar os edifícios em categorias” (Ibidem, p.209). A grande questão teórica, no ponto de vista de Bury, surge a partir do momento em que a fase cronológica necessita se igualar com a definição estilística, pois, neste caso:

Se as classificações por datas e funções oferecem pouco problemas, as por estilo, ao contrário, têm o inconveniente grave dos significados variados que podem ser conferidos aos termos estilísticos por

historiadores diversos, em diferentes épocas e países (...). Deve-se aceitar preliminarmente que, embora úteis e até mesmo essenciais, os termos estilísticos são até certo ponto subjetivos, carecendo de maior precisão (Ibidem, p. 207).

Bury, neste sentido, demonstra ao longo de seu trabalho, maior flexibilidade no que se refere à construção teórica – não se incomodando em revisar pressupostos e propenso a problematizar até mesmo os instrumentos de que se servia para análise dos objetos artísticos/arquitetônicos. Sua argumentação sobre os termos estilísticos demonstra uma rara lucidez para época, ao levantar a questão da fluidez das categorias de análise estética. Menos afeito ao “dogmatismo modernista”, Bury propiciou que os estudos sobre a cultura arquitetônica mineira dessem um passo adiante, menos presos ao arcabouço teórico do “barroco mineiro” e influenciando novas pesquisas que se iniciaram a partir da década de 1990.

A última vertente de estudos apontada por Dangelo em sua tese de doutorado, corresponde ao que ele chama de “perspectiva da crítica contemporânea sobre a arquitetura religiosa mineira” (DANGELO, 2006, p.133). Para além dos inúmeros trabalhos acadêmicos que atuam na análise a nível regional e que vem sendo desenvolvidos nos âmbitos dos programas de pós-graduação, Dangelo destaca a

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