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6.1 – A ornamentação interna da Matriz de São Bento.

Enquanto pedreiros, carpinteiros e oficiais diversos escalavam andaimes para concluir a edificação da Matriz de São Bento, Monsenhor Cerqueira tratava de colocar a casa em ordem, dotando a velha Matriz de novos paramentos litúrgicos e ornamentos para os ofícios religiosos. No livro-tombo da freguesia, de 1893 a 1925 tem-se um inventário minucioso das várias aquisições feitas pelo vigário para atualizar sua Matriz. Novos livros eclesiásticos, litografias e gravuras religiosas emolduradas, lustres, pias de pedra para água-benta, imagens de santos, bancos, um harmônio para música, relógios, entre outras coisas foram sendo gradativamente compradas dos grandes centros (especialmente do Rio de Janeiro e de Paris) para ornar o principal templo religioso de Itapecerica236.

Na parte de ornamentação arquitetônica, Monsenhor Cerqueira herdara e mantivera o grande retábulo de altar-mor de São Bento, construído por volta de 1862, pela oficina de Domingos Pinto Coelho. Monsenhor Cerqueira optou por manter esta peça de alto potencial cenográfico, que, até o ano de 1907, permanecia sem douramento ou pinturas, como se pode ver através de fotografias da época [fig.68]. Foram executados, também, entre 1906 e 1910, mais quatro retábulos para compor o espaço interno da edificação, de modo que se pudesse, de acordo com Cerqueira, serem celebradas “cinco missas ao mesmo tempo” (CERQUEIRA, 1913, apud. MOREIRA; BARBOSA, 1984, p.75)237. Destes, dois são colaterais ao arco-cruzeiro, sendo o da esquerda dedicado a São José e o da direita dedicado a Nossa Senhora da Imaculada Conceição [fig.119-120]. Os outros dois retábulos foram feitos em capelas-laterais paralelas à capela-mor, que, também, funcionam como sacristias [ver anexo A, vol. II, levantamentos arquitetônicos]. Na capela da esquerda, está o retábulo de São Sebastião, enquanto, na capela da direita, está o retábulo do Sagrado Coração de Jesus [fig.121-122].

Os retábulos do século XX foram feitos, segundo Monsenhor Cerqueira, “pelo carpinteiro Bento Gomes da Costa e seu filho José Maurício da Silva, que também de novo assoalharam a capela-mor” (Ibidem, p.71). Posteriormente, estes retábulos foram dourados e policromados por dois artistas diferentes, Francisco Cezário Coelho, que

236 ACDDI – Livro Tombo da Matriz de Itapecerica n.1 (1893-1932).

237 Isto reforça o dito por FREIRE “ nos altares do século XIX, as missas eram rezadas com um grau de frequência sequer imaginado nos dias de hoje (...). As missas eram rezadas em cada altar e, até meados do século XX, não era preciso mudar as posições dos bancos, já que o interior da nave era desprovido de mobiliário de assento” (2006, p.195).

trabalhou nas capelas laterais e Angelo Pagnacco, que se responsabilizou pelos retábulos do arco-cruzeiro e, também, pelo retábulo de altar-mor de São Bento [fig.67] (Ibidem)238.

Na execução e ornamentação destes retábulos, fica mais nítida a proposta conceitual que tem sido apresentada. Nota-se, nestas peças, a conjugação de temporalidades distintas por meio da arte em um processo atualizador da tradição. Isto fica nítido, uma vez que se observa que o ponto de partida para a elaboração dos retábulos do começo do século XX, foi nada menos que o retábulo de altar-mor, feito em meados de 1862. À medida em que se analisa pormenorizadamente estas peças, vê-se que o principal objetivo dos comitentes e artífices foi a execução de peças ornamentais que dialogassem com o retábulo principal, herdado da primeira fase da construção do conjunto eclesiástico. A visão do conjunto, de fato, não cria uma ruptura imagética, nota-se, antes, uma coexistência de temporalidades [fig.123].

A ornamentação completa, inicialmente prevista, não incluía as pinturas das paredes e teto da capela-mor, bem como as do arco-cruzeiro, visíveis na figura 123. Trata- se de trabalhos elaborados tempos depois da conclusão do edifício, na década de 1950239. Felizmente, conservaram-se registros fotográficos que permitem ter uma dimensão do aspecto inicialmente proposto para a ornamentação interna da Matriz de São Bento durante sua conclusão em 1912 [figs.124-125]. Nestes preciosos registros240, vê-se que o forro da capela-mor acompanhava o forro da nave, pintado de azul-celeste com estrelas douradas [fig.126], seguindo uma tradição ornamental “tão remota que na arte remete-se ao Egito antigo, em cujos templos e túmulos havia ambientes que requeriam a representação da abóboda celeste” (FREIRE, 2006, p.274). As paredes da capela-mor eram pintadas em estêncil, ou seja, um modelo ornamental reproduzido de modo a formar um padrão, semelhante a um papel de parede. Em prospecções efetuadas na parede da capela-mor, é possível notar que a pintura tinha fundo rosa com ornamentos vermelhos [fig.125], segundo Freire, as pinturas com ornamentos padronizados derivam de um modismo do final do século XIX e que foi adotado nas igrejas pelo século seguinte, como

238 Além da publicação no opúsculo de 1913, Mr. Cerqueira também anotou no livro-tombo todas as despesas com estes retábulos, incluindo as autorias mencionadas no texto. APSBI – Livro Tombo I (1893- 1932).

239 Estes trabalhos não são analisados nesta tese por risco de prolongarem excessivamente o recorte temporal da pesquisa.

240 Agradeço, particularmente, a Dom Gil Moreira e Miralice Moreira a cessão das cópias destas fotografias para o uso neste trabalho.

sendo uma “alternativa mais econômica à aplicação do papel decorado” (Ibidem, p.178)241.

Passando-se à análise individual de cada peça, nota-se que os retábulos colaterais de São José e de Nossa Senhora da Imaculada Conceição caracterizam-se por serem morfologicamente idênticos [figs.119-120]. Repete-se, em menor escala, a estrutura do retábulo-mor de São Bento. Em ambas as peças, no embasamento, encontra-se a mesa de altar com frontal ostentando uma pintura decorativa em motivos vegetais, tendo ao centro um ramo de lírios. No corpo central, de baixo para cima, o sacrário, ornado com entalhes fitomorfos e a representação do sacramento da eucaristia. Quatro mísulas decoradas com elementos vegetais representando flores sustentam suas respectivas colunas, de fustes retos, canelados no terço inferior). No retábulo de São José, os intercolúnios, com peanhas, abrigam imagens de São João Maria Vianney242 e Santo Afonso de Ligório243, (devoções tipicamente adotadas pela romanização). No retábulo de Nossa Senhora, sob as peanhas existem as imagens de São Dimas244 e Santa Inês245. Cada um dos dois camarins retabulares abrigam as imagens de seus respectivos padroeiros: a imagem em madeira de São José, vinda da França em 1881, e a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, de origem não especificada, adquirida em 1893246. Aos frisos do entablamento, segue-se o coroamento, com dois arcos concêntricos ornamentados com motivos vegetais. Entre os dois arcos, uma pequena tarja com a data de execução das peças (1905) e o nome dos Santos aos quais se dedicam cada altar. No arremate, uma tarja decorativa com curvas e contracurvas desdobra-se [figs. 128-129].

Não se sabe se os retábulos colaterais estavam previstos na planta antiga da Matriz de São Bento, que Monsenhor Cerqueira seguia247. Caso não estivessem inicialmente

241 Em 1870, por exemplo, a Ordem Terceira de São Francisco de Tamanduá, despendeu 28$000 réis para ornamentar o camarim do retábulo de Santo Antônio e São Francisco com papel de parede decorado. ACDD. Ordem Terceira de São Francisco de Itapecerica. Documentos Avulsos.

242 São João Maria Vianney (1786-1859) foi canonizado somente em 1925. Portanto, a imagem só pode ser posterior a esta data. Se foi adquirida ainda durante o paroquiato de Monsenhor Cerqueira, não se sabe. Disponível em: <https://santo.cancaonova.com/santo/sao-joao-maria-vianney-padroeiro-dos-sacerdotes/>. Acesso em: 13 dez. 2017.

243 Santo Afonso de Ligório (1696-1787) foi canonizado em 1839: Disponível em:

<https://santo.cancaonova.com/santo/santo-afonso-maria-de-ligorio-bispo-e-doutor-da-igreja/>. Acesso em: 13 dez. 2017.

244 São Dimas teria sido o bom ladrão, crucificado ao lado de Jesus Cristo. Disponível em: <http://www.nossasagradafamilia.com.br/conteudo/historia-de-sao-dimas.html>. Acesso em: 06 fev. 2018. 245 Santa Inês, mártir cristã romana que viveu no século III. Disponível em: <https://santo.cancaonova.com/santo/santa-ines-modelo-de-pureza/>. Acesso em: 06 fev. 2018.

246 ACDD. Livro Tombo da Matriz de Itapecerica n. 1 (1893-1932).

247 Em inventário de bens da Paróquia de São Bento de 1893, Monsenhor Cerqueira descreve a existência de “uma planta da Matriz numa folha de flandres” (MOREIRA, 2005, p.108).

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