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Conventos e paixões impossíveis

No documento H EL EN A C RIS TIN A VIA NA DO S SA NTO S (páginas 108-113)

IV. ESTILO DO AUTOR REFLECTIDO EM THE PRIME MINISTER

4.6. Conventos e paixões impossíveis

As dificuldades que o jovem Almeida teve para concretizar o seu amor ficaram a dever-se a vários factores que se revelaram bastante difíceis de ultrapassar. O pai de Clara não aceitava o sentimento de Luís e de sua filha, pois já a tinha prometido ao conde São Vicente. Além disso, apesar de o jovem pertencer a uma das mais nobres linhagens portuguesas, o seu pai estava praticamente falido e, por isso, Gonçalo Cristóvão considerava que ele não reunia as condições necessárias para ser marido da

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sua filha. Esta oposição acaba por transmitir um pouco do que era a alta nobreza setecentista, uma classe social muito fechada em si própria, cheia de preconceitos, agarrada a valores ultrapassados, que em nada favoreciam uma sociedade que precisava de mudança. Uma vez que já constatámos que muitos dos valores morais vitorianos se encontram presentes neste romance, tal facto leva-nos a concluir que William Kingston, apesar de pretender retratar a Era Pombalina nem sempre se consegue distanciar da sociedade britânica do século XIX. Assim, para além da crítica explícita à alta nobreza portuguesa do reinado de D. José I, poderemos também estar perante uma outra, muito mais subtil, à própria aristocracia britânica do Período Vitoriano, já que o verdadeiro motor da mudança na sociedade inglesa era agora a classe média.

O pretendente de Clara, o conde de São Vicente, tornou-se igualmente um obstáculo aos desejos dos dois apaixonados, chegando mesmo a usar meios ilegais, nomeadamente contratando bandidos para agredirem D. Luís e, posteriormente, raptarem a sua prometida. Como Clara estava perdidamente apaixonada pelo seu salvador, não se deixou persuadir pelo pai para casar com o conde. Perante a recusa da filha, Gonçalo Cristóvão obriga-a a entrar para um convento, pois, influenciado pelo padre da sua casa, acreditava que essa era a última vontade da sua esposa. Embora também esta seja uma situação ficcionalizada, demonstra muito bem como na época os padres tinham uma grande influência na sociedade, nomeadamente no destino que os pais traçavam para os seus filhos. Não é por acaso que existiam centenas de conventos repletos de religiosos133, sendo que muitos eram provenientes de famílias muito importantes e prestigiadas. Até impedir que a sua amada se tornasse freira, D. Luís vai passar por muitas aventuras e perigos, tendo de evidenciar muita argúcia e coragem.

133 «[…] havia em Portugal 308 conventos masculinos e 129 femininos, somando, portanto, 437

estabelecimentos monásticos, ocupados por umas 30 000 pessoas ou mais.», in Mário Domingues, op.

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Ao longo destes três volumes, esta intriga romântica vai-se desenvolvendo a par da narrativa histórica. Já quase no final do romance, D. Luís consegue provar a Gonçalo Cristóvão que o conde de São Vicente é um assassino sem escrúpulos e, através da ajuda do seu amigo Frei Diogo, recupera uma carta da mãe de Clara, que fará com que o fidalgo não obrigue a filha a tomar votos. Nas suas últimas palavras, a moribunda revela ao marido que o padre Alfonzo é um hipócrita, pedindo-lhe para alertar a filha sobre os perigos da vida monástica e para nunca a obrigar a casar com quem ela não quisesse:

“Do not, as you value her happiness or your own, confide in the Father Alfonzo. He is a wretched hypocrite; yet till lately I discovered it not. For many days past has he been endeavouring to persuade me to devote our Clara to the service of the Church; but I know too well the misery and wretchedness it will entail on her, and firmly have I refused to sanction his plan. […] As you love me, as you prize our child‟s happiness, let her select her own lot in life; but warn her against the dangers of a convent. She will never insist on wedding on beneath her in family; but never insist on her marrying one she cannot learn to love.” (Vol. III, pp. 327-328)

Perante a carta, Gonçalo Cristóvão constatou que tinha sido induzido em erro e que agora a sua filha estava a sofrer por causa da sua inflexibilidade. No entanto, os impedimentos deste grande amor não ficam resolvidos com a descoberta da carta que andara perdida desde a altura em que a jóias haviam sido roubadas a Dona Clara. Segundo o pai da noviça, parecia não haver hipóteses de a salvar do convento: “What hope is there?” (Vol. III, p. 328); “Alas, I fear such is but a hopeless chance”. (Vol. III, p. 329) D. Luís estava diante do maior dos obstáculos. Encontrava-se preso por supostamente ter estado envolvido na tentativa de regicídio contra D. José I. Devido à austeridade com que o ministro do rei lidou com esta questão, o pai de Clara, que

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também se encontrava encarcerado, não tinha quaisquer esperanças em relação ao salvamento da filha.

No entanto, o Senhor Mendez, que acreditava inquestionavelmente na inocência de D. Luís, intercedeu pelo rapaz junto do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo. É neste momento que o mistério desta personagem é desvendado. O Senhor Mendez era, afinal, o irmão do pai de Luís d‟Almeida, que havia sido condenado ao degredo em África por manifestar ideias contrárias à Igreja e ao Governo. Todos o julgavam morto, pois o barco onde seguia afundara-se. Para surpresa dos leitores, o Senhor Mendez, que tem o mesmo nome que o seu sobrinho, consegue demover o Marquês de Pombal, porque tinha sido um grande amigo de Sebastião José quando este ainda era desprezado pela nobreza, isto é, antes de alcançar o poder. Inicialmente, o ministro mostra-se inflexível: «„He is in prison with others equally culpable, and I have vowed to show no mercy to any,‟ returned the Minister. „If I waver, they deem mercy arises from weakness, and my power is at an end.‟» (Vol. III, p. 336) Contudo, acabará por aceder ao apelo do amigo, na condição de que quando o rapaz fosse libertado teria de abandonar o país imediatamente e no maior segredo possível. Ao ser informado de que antes de partir D. Luís queria salvar a sua amada do convento, o ministro, que era declaradamente contra esses sistemas eclesiásticos que só promoviam a ociosidade, passou um documento para que o jovem conseguisse resgatar Dona Clara.

Embora a situação descrita seja obviamente ficcionalizada, o autor tenta com este acontecimento narrativo ilustrar a opinião adversa que o ministro tinha destas instituições religiosas. Como sabemos, ao longo da sua carreira política, travou uma luta desmedida com a mais poderosa ordem religiosa do seu tempo, que culminou na expulsão dos jesuítas de Portugal e posteriormente a sua extinção134. Ao deixarem o

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país, os seus inúmeros conventos e colégios foram encerrados. Para além de ter terminado com a influência que a Companhia de Jesus detinha nos assuntos do Estado, o Marquês de Pombal conseguiu igualmente diminuir o poder da Igreja Romana no país135, o que foi visto, muito mais tarde, como uma medida precursora da dissolução das ordens religiosas e do fecho dos mosteiros e conventos por parte dos liberais, aquando da sua vitória em 1834.

Usando minuciosamente a técnica do suspense, o escritor deixa o reencontro dos dois enamorados para as últimas páginas do romance, onde, após ter ultrapassado todas as dificuldades, D. Luís chega ao Convento da Serra, no Porto, e salva a sua amada da clausura do convento, mesmo no momento de ela professar os votos. Kingston, nas suas narrativas, demonstra um gosto especial em resgatar as jovens raparigas desse destino, pois ele próprio afirma em My Travels In Many Lands, tal como em outros textos de teor mais biográfico, que foi com bastante aprovação que viu o encerramento das ordens monásticas:

Both the Serra and San Antonio Convents have been destroyed, as indeed have happily all the convents in Portugal, for they were a sad incubus on the industry of the people, irrespective of other important considerations. Most of the nunneries have also been abolished, and no fresh nuns are allowed to profess.136

Their numbers [nuns] were kept up by various means; very few, it was said, went in of their own free choice. If a gentleman had several daughters and very little fortune to give them, he sent those less likely to marry into a convent. If he wished one of them to marry a person whom she did not like, he gave the poor girl her choice of taking the husband of his selection or of assuming the veil.137

135 Nuno Gonçalo Monteiro, op. cit., pp. 207-210. 136 William H. G. Kingston, op. cit., pp. 22-23. 137 Idem, p. 23.

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Como se pode constatar por estas palavras de Kingston, embora não se refira à acção do Marquês de Pombal, a coragem que o ministro teve ao abolir estes conventos é admirada e apoiada pelo escritor.

No documento H EL EN A C RIS TIN A VIA NA DO S SA NTO S (páginas 108-113)

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