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A convergência de Lee Strasberg, Harold Clurman e Cheryl Crawford

1. A transposição do Sistema de Stanislavski para os Estados Unidos

1.4 A convergência de Lee Strasberg, Harold Clurman e Cheryl Crawford

Nova York em 1925 era uma cidade dominada por produções teatrais comerciais, com grandes atores como atração. Havia duas instituições que fugiam à regra: o Theatre Guild e os Provincetown Players, que procuravam manter um trabalho contínuo com o mesmo grupo de atores. O Theatre Guild tinha uma escola na qual o elenco passava da formação para o teatro profissional, mas não chegou a ser uma companhia de repertório como o Teatro de Arte de Moscou; apenas produzia peças, por determinado período de tempo, e sua característica era a variedade de peças encenadas, sem a figura do diretor artístico nem mesmo a busca por um determinado estilo.

Em 1931, no auge dessa recessão, o jovem Harold Clurman era um orador entusiástico que reunia muitas pessoas em suas palestras semanais sobre teatro. Tinha o poder da oratória, de aglutinar pessoas em volta de calorosas discussões. Como escreveu a pesquisadora Wendy Smith,

As palestras messiânicas de Clurman, que não continham um fio de crítica social específica, possuíam um otimismo entusiasmado sobre a cultura americana que seria impensável antes dos anos 1920, quando intelectuais descobriram e nutriram uma voz autêntica na literatura, música e fotografia.67

Foi assim que depois de muitas conversas ele se aliou a Lee Strasberg e Cheryl Crawford, diretora de casting do Guild. Essas conversas começaram com poucas pessoas, às sextas-feiras, no quarto de hotel onde Clurman morava, e em seguida migraram para o apartamento de Crawford, que era maior. Clurman então convenceu alguns amigos a abrirem espaço em casa para as discussões, que muitas vezes iam até alta madrugada.                                                                                                                

67

SMITH, W. Real Life Drama: The Group Theatre and America, 1931-1940. Nova York: Grove Weidenfeld, 1990, p. 10. Tradução nossa.

Crawford abdicou do seu trabalho fixo no Guild para embarcar no projeto do Group Theatre e se mostrou uma gerente financeira eficiente, além de conciliadora nas divergências entre Clurman e Strasberg. Quando conseguiram finalmente uma sala no Steinway Hall, na 57th West Street, os encontros já reuniam em torno de 200 pessoas.68 A atitude crítica de Clurman em relação ao teatro americano mirava o extremo individualismo da classe teatral:

Nós temos, no palco americano, todos os elementos separados para um Teatro, mas não temos o Teatro. Temos dramaturgos sem grupos de teatro, diretores sem atores, atores sem peças e diretores, cenógrafos sem nada. Nosso teatro é uma anarquia de talentos individuais. [...] Os americanos não conversam de verdade uns com os outros. Eles fazem piadas, bebem juntos, mas não trocam realmente uns com os outros o coração, as origens, a alma. Eles não vivem realmente juntos.69

Clurman dá ênfase à experiência coletiva e ao poder da crença no coletivo por oposição ao individual:

Nós sentimos que o individualismo autoassertivo que faz do ego a única e final realidade da vida é autodestrutivo, e acreditamos que o indivíduo só pode se realizar procurando seus elos espirituais e colocando como objeto de sua ativa devoção as aspirações e os problemas compartilhados. Acreditamos que o indivíduo pode chegar à sua melhor estatura apenas através da identificação do seu bem com o bem do grupo, um grupo que ele próprio deve ajudar a criar [...] Nós não sabemos – acreditamos. Não encontramos – estamos procurando.70

Meisner era pianista antes de se aventurar a fazer uma figuração no Theatre Guild onde, apresentado pelo amigo em comum Aaron Copland,71 se tornou amigo e interlocutor de Clurman. As acaloradas discussões entre os dois aconteciam no Double R, uma cafeteria que ficava em frente do Belasco Theatre.

                                                                                                               

68 SMITH, op. cit., p. 3. Tradução nossa. 69 Ibidem, pp. 5-6. Tradução nossa. 70 Ibidem, p. 6. Tradução nossa. 71

Aaron Copland (1900-1990) foi um importante compositor e músico americano, ganhador do prêmio Pulitzer em 1945.

Clurman, em seu livro The Fervent Years, relata o dia em que conheceu Strasberg. Ao ser contratado pelo Theatre Guild como leitor de peças, em 1925, Clurman na verdade procurava um trabalho de ator. Os atores podiam tentar fazer papéis em produções que não tinham sucesso garantido, e ele relata que foi assistir aos ensaios da montagem de

Assim é, se lhe parece, de Luigi Pirandello, na qual seu amigo Meisner fazia o primeiro

papel dele, quando Strasberg chamou a sua atenção:

Um jovem pálido e com jeito de intelectual. Era baixo, tinha um olhar intenso. [...] Apesar de bem colocado no papel do herói de Pirandello, não parecia um ator, e assim algo desagradável mas eficaz resultava de sua performance. Ele se chamava Lee Strasberg.72

Figura 6- Os jovens Harold Clurman, Cheryl Crawford e Lee Strasbergem Dover Furnace, Nova York, verão de 1932

Fonte: CLURMAN, H. The Fervent Years. Nova York: Alfred A. Knopf, 1945, p. 129

Durante os ensaios de outra peça, Garrick Gaieties, em 1925, eles se tornaram amigos, mutuamente atraídos pelas insatisfações que tinham e pelos seus ideais ainda embrionários. Clurman colocava no texto grande parte do valor do teatro, mas Strasberg abriu-lhe os olhos para a importância da arte do ator.

                                                                                                               

Em 1926, ao assistir a um ensaio de Esther, de Jean Racine, que Strasberg fazia com atores amadores no Chrystie Street Settlement House, Clurman percebeu que desconhecia o modo de trabalho de Strasberg, que seguia a versão do Sistema aprendida no LAB. Meisner73 cursava a escola do Theatre Guild (chamada de School of Acting) mas estava insatisfeito com a sua formação; Clurman lhe recomendou fazer parte dessa produção de Strasberg. Um dia foi ver como o amigo estava se saindo e acabou sendo um espectador assíduo nos ensaios. As influências das ideias de Strasberg são descritas por Meisner:

Strasberg teve uma influência incrível sobre mim. [...] Ele me apresentou a artistas e atores de qualidade, e isso me ajudou muito a solidificar minhas necessidades emocionais. Eu aprendi com ele. Consolidei meus gostos e inclinações com a sua ajuda. Por exemplo, fomos juntos ao Metropolitan Opera e vimos o grande cantor russo Chaliapin. O que o fez proeminente foi a posse de uma profunda verdade emocional e a sua teatralidade da forma.74

Nessa época, também influenciado por Strasberg, Clurman ingressou no curso para diretores que Boleslavski ministrava no LAB e conheceu sua futura esposa, a atriz Stella Adler, que já tinha uma carreira na Broadway. Seu pai, Jacob Adler, era um dos heróis de infância de Clurman, um dos atores mais famosos de seu tempo.

O primeiro rascunho do que viria a ser o Group Theatre ocorreu em 1928, quando Clurman e Strasberg convidaram alguns atores para fazer a peça New Year’s Eve, de Waldo Frank. Entre esses atores estavam Morris Carnovsky, Franchot Tone e Sanford Meisner. Durante dezessete semanas eles ensaiaram em um espaço emprestado pelo mecenas Sidney Ross, e nesse período Strasberg concentrou seu trabalho no desenvolvimento artístico de cada ator, algo impensável em outras produções teatrais da época.75 Em 1929, na produção da peça soviética Red Rust pelo Theatre Guild, Clurman e Strasberg se autodenominavam “Guild Estudio”, numa alusão ao Primeiro Estúdio de

                                                                                                               

73 CLURMAN, op. cit., p. 15. 74

MEISNER; LONGWELL, op. cit., p. 7.

Stanislavski.76

Depois de algumas tentativas de ter um grupo, Cheryl Crawford finalmente convenceu Clurman e Strasberg a reunirem um grupo de atores para formar uma companhia permanente,77 nascendo assim o Group Theatre, projeto que sonhava um teatro novo que falasse para o seu tempo, em consonância com as questões sociais latentes no país nos anos pós-Grande Depressão.

O nome “Group Theatre” (“Teatro de Grupo”) expressa o desejo de ser uma companhia de repertório, ligada ao conceito de ensemble e à ideia de compartilhar, de estar em grupo, de sair do individualismo. Essa mistura nova e estimulante catapultou a decisão dos três jovens de reunir um grupo de 28 atores em uma casa de veraneio emprestada, até retornarem, depois de dez semanas, a Nova York com algumas peças encenadas.

Sanford Meisner era um jovem de 25 anos quando ingressou no grupo.