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Conversação e mídia alternativa: algumas considerações

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 34-37)

1.2 Visibilidade, discutibilidade e conversação política

1.2.1 Conversação e mídia alternativa: algumas considerações

A contribuição trazida por Maia (2008e) instiga uma série de outras discussões a respeito do “potencial deliberativo” dos canais de comunicação alternativos e suas condições estruturais de garantir a racionalidade discursiva dos indivíduos engajados em grupos políticos. Além disso, traz de volta o debate sobre o controle destes canais de comunicação pelos sistemas e empresas de difusão. De fato, estas e outras questões foram imediatamente levantadas por uma série de autores precursores na literatura de mídias alternativas14, entre eles Scherer-Warren (1999), Dahlberg (2001) e Downing (2002), para situar em que aspectos esses canais, em especial a internet, se aproximariam das condições da deliberação. A abordagem de Scherer-Warren (1999) não se detém tanto às questões das novas tecnologias de comunicação, tendo analisado as transformações da participação política a partir do surgimento de novos modelos de movimentos sociais no final do século XX. A partir de uma pesquisa empírica com diversos tipos de organizações civis, a autora se propôs a entender como estes grupos conseguiam se articular, promover debates e atividades públicas para resolver problemas do cotidiano, sem um tipo de “engajamento permanente” dos indivíduos. Para autora, ainda que a sensação de “pertencimento” ou “compromisso” dentro do grupo revelasse certa instabilidade entre os indivíduos – “muitos vão e vem, conforme a demanda lhes cativa” – a possibilidade de livre associação para compartilharem problemas comuns e se engajarem em assuntos específicos sugeriria, naquele momento, a necessidade de se abordar a estrutura dessa “nova cultura política de participação e que papel os sujeitos assumem para o seu fortalecimento” (SCHERER-WARREN, 1999, p.53).

Dahlberg (2001), também preocupado com a questão do engajamento individual na cena política, examinou as condições da deliberação num contexto “sociotécnico”, digamos, mais próximo da realidade atual. Ao desenvolver uma pesquisa empírica com grupos de discussão

14 A terminologia “alternativa” empregada por estes autores, sobretudo por Downing (2002), diz respeito a uma configuração de instrumentos e tecnologias de comunicação utilizadas para fins táticos, contra hegemônicos. Portanto, dizem respeito às práticas de comunicação popular, comunitárias, ativista, sindicais, etc.

virtuais, o autor analisou, assim como sherer-warren, que o tipo de envolvimento individual nas ocasiões discursivas nem sempre correspondia a um comprometimento efetivo com o debate público. Ele observou que quando se associavam a listas ou grupos discussão, as pessoas procuravam se informar, trocar informações, expressar suas opiniões, mas não necessariamente estavam dispostas a sustentar uma troca argumentativa em busca do consenso. A partir disso, Dalhberg sinalizou a necessidade de pensarmos os canais alternativos não apenas pelas facilidades com que servem aos grupos políticos engajados, mas também pelas modalidades interativas – a formação de redes de interação – que oferecem ao debate público. Mesmo que, segundo completa, estes canais em nada garantam a racionalização e a motivação para um engajamento político.

Neste ponto, Downing (2002) parece dialogar criticamente com a perspectiva de Dahlberg, e chamará atenção principalmente para o contexto de desenvolvimento das novas tecnologias e o surgimento das ‘redes de sociabilidade digitais”. Para ele, não basta que o debate venha a público sem que sua verdadeira essência seja a de mudar a realidade, e enfatiza que devemos repensar até mesmo os impactos da mídia alternativa15 e o otimismo que ela oferece ao livre exercício da cidadania. Segundo ele, é preciso atentar para “o entendimento que os participantes têm de si mesmos e de seu potencial na sociedade” (2002, p.89), para que o consumo da informação não reverta a lógica das novas possibilidades de interação. A mídia, neste sentido não é uma alternativa, mas uma posição crítica e radical de democracia. Em outro trecho Downing acrescenta que, muitas vezes, na análise da mídia alternativa se impõe um pesado ônus ao seu papel de transmitir ao público informações que a mídia convencional sistematicamente censura, distorce ou menospreza. No entanto, embora esse modelo de informação/contrainformação seja importante, tem às vezes transbordado numa definição de

mídia alternativa puramente logocêntrica: mentiras/verdades, encobrimentos/fatos,

ideologia/realidade. “E para falar de democracia, seria fundamental que superássemos os antagonismos” (2002, p.92).

A visão do autor sobre o dualismo com que geralmente foram analisadas as vias de comunicação alternativas indica uma preocupação equivalente com as formas de participação na política. Mais do que definir se as pessoas estão ou não engajadas – partindo de uma determinada expectativa do que seja o engajamento político – interessaria entender como as ideologias, as linguagens, as sensações, os consensos e os desacordos “se acomodam” nas redes

15 Caberia lembrar que nesta fase de entendimento os “sites de redes sociais” eram vistos como “mídias

alternativas” por muitos autores que priorizavam o potencial de trocas colaborativas e a formação de narrativas a partir da experiência da interação coletiva.

de sociabilidade contemporâneas. Na perspectiva atual, inclusive, nos parece que a concepção das relações humanas também precisa transcender aos antagonismos em função da pluralidade que nós, “seres assimétricos”, podemos assumir. Assim define Latour (1994; 2000; 2012). Segundo este autor, é preciso pensar que a condição moderna já responde por si à prolixidade, ao hibridismo e o relativismo da razão humana – que pressupõem a necessidade de assumirmos a atuação dos atores humanos e não-humanos (podemos lembrar aqui das “redes sociotécnicas”) no processo de reintegração das incertezas que constituem as nossas naturezas culturais.

Neste sentido, entende- se que até mesmo a interpretação do seja relevante, ou não, em termos de política, depende da assimilação objetiva (concreta, real) e ao mesmo tempo subjetiva (pessoal) da realidade que cada sujeito vivencia. Mouffle (1996; 1999) se apropria destas ‘diferenças’ para justificar a pluralidade de posições (ideológicas) dos sujeitos participativos na esfera pública, inseridos no que ela chama de “democracia radical”. Se associada às diversas possibilidades de conversação política nas redes de sociabilidade digitais, esta definição de democracia sugere perspectivas além dos antagonismos políticos ‘direita x esquerda’, ‘mídia convencional x mídia alternativa’. Pois, se para a autora a democracia radical acolhe a complexidade ideológica moderna, ao mesmo tempo ela pode “revelar as formas de exclusão incluídas em todas as pretensões de universalismo, nas vozes que reivindicam terem encontrado a verdadeira essência da racionalidade” (1996, p.120) – que, talvez, seja um dos grandes desafios dos nossos tempos.

Portanto, para além dos antagonismos que muitas vezes pautam a discussão sobre mídia e esfera pública, ainda poderíamos dizer que as esferas de discutibilidade permitem que os cidadãos (coletivos e individuais) participem das decisões políticas no mesmo sentido? Caberia questionarmos se as práticas de discutibilidade, tais como as conversações sociáveis, interferem efetivamente na condução das causas públicas? Ou ainda, que o potencial comunicativo das mídias alternativas possibilita a percepção crítica e plural da realidade pelos indivíduos? O encaminhamento da literatura apresentada até aqui tem mostrado críticas e possibilidades que vão ao encontro destes questionamentos. Mas também sugere certo ceticismo quanto ao papel dos meios de comunicação de massas na estruturação de um sistema deliberativo. Buscando superar dilemas que por lado subestimam a racionalidade da opinião pública na democracia de público (colocando o cidadão como sujeito passivo e influenciado pelos media e agentes políticos), e por outro superestimam a potencialidade dos espaços de discutibilidade para o engajamento dos cidadãos, tais referências trazem ao menos duas contribuições fundamentais para a nossa pesquisa: (a) a possibilidade de se pensar uma democracia participativa do ponto de vista do cidadão comum – isto é, aquele que não está necessariamente engajado numa

organização social e política, mas que também não é um sujeito passivo, alienado aos temas políticos; e (b) a possibilidade de se pensar a formação da opinião pública a partir das conversações cotidianas nos espaços midiáticos. Assim, vejamos a seguir os principais pontos que, dentro das reflexões levantadas, inspiram o foco desta investigação.

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 34-37)