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Mídia e opinião: o que há de novo nas conversações políticas em tempos de internet? . 35

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 37-43)

1.2 Visibilidade, discutibilidade e conversação política

1.2.2 Mídia e opinião: o que há de novo nas conversações políticas em tempos de internet? . 35

Considerando o universo de informações e instrumentos tecnológicos que estão ao alcance dos cidadãos na contemporaneidade, a ideia de “opinião pública” aponta a necessidade de uma leitura da cultura política em seu estágio midiatizado. Mesmo porque, como observado na atualidade, muitos estudos da área da Comunicação e da Ciência Política têm tentado compreender os fenômenos da comunicação digital e as influências que as inovações tecnológicas trouxeram para a concepção de “participação política”. Atrelada às diversas possibilidades de interação mediadas, a internet permite que até mesmo os cidadãos menos informados e menos engajados politicamente estejam inseridos na esfera de discutibilidade pública. Isso porque, do ponto de vista destes cidadãos, digamos, menos politizados, a pluralidade de temas e meios de circulação da informação ampliaram o acesso a novas perspectivas, mídias e ambientes de debates. Mesmo reconhecendo o equívoco em entender a participação política apenas como questão de acesso à tecnologia, não se pode negar que o espaço público da internet oferece condições para a propagação de informações, opiniões e outras formas de representação da política que podem, também, ser “controladas” pelo público. Isto é, uma vez que o cidadão tem acesso aos “ambientes de visibilidade midiáticos”, suas narrativas e hábitos nas redes também conferem visibilidade às questões políticas que lhe dizem respeito, podendo gerar, ou não, discutibilidade em torno da sua opinião.

Este aspecto levanta uma discussão importante, tanto do ponto de vista da prática comunicacional quanto da experimentação política que o indivíduo desempenha a partir de seus argumentos: pois, ao mesmo tempo em que vivencia a esfera de discutibilidade política a partir das conversações na rede, também pode criar enquadramentos significativos dentro do seu círculo social, expressando isso através da opinião. Além disso, a possibilidade de administrar a visibilidade das ações e os conteúdos aos quais têm acesso, faz com que os indivíduos desenvolvam critérios de análise e demarcações de lugares, gerenciando aquilo que querem ver e o que permitem ser visto. Neste sentido, do ponto de vista da recepção, a principal questão

que diferencia o espaço da internet dos demais meios de visibilidade é que ela dá ao cidadão a condição de publicador.

Visto que a representação da cena política tem estado cada vez envolvida às experiências midiáticas, o que parece estar em questão, portanto, são os fatores que direcionam a administração da visibilidade quando a manifestação da opinião é o objeto das conversações sociais. Assim, tomando a opinião política como foco, seria possível identificar quais as estratégias utilizadas pelos cidadãos para se informar e falar de política no ambiente

digital? E, ainda, o que isso tem a ver com visibilidade de suas atitudes nestes ambientes?

Tais apontamentos colocam a expressão da opinião política como um interessante objeto de análise a ser explorado na perspectiva da Comunicação, e também da Cultura Política digital, já que questionam como as ferramentas de visibilidade aparecem na estruturação das atitudes individuais em relação à política. Posto que os ambientes digitais, em especial as redes sociais, dispõem essas ferramentas para o controle da visibilidade em torno da informação – informação que é consumida e que é publicada – destacamos três eixos de discussão a serem trabalhados nesta pesquisa: o primeiro, mais abrangente, questiona como o cidadão comum lida com a multidirecionalidade de quadros de referência disponíveis na internet; o segundo, mais específico, busca entender que estratégias este cidadão utiliza para administrar a visibilidade em torno da sua opinião nas conversações cotidianas; e o terceiro, ainda mais específico, examina que tendências habituais podem ser observadas nas suas atitudes políticas destes indivíduos, isto é, questionando se elas podem, ou não, responder a determinados perfis de usuários de internet.

1.3 A opinião pública em tempos de internet: a política para o Cidadão Comum Conectado

Ao destrinchar as questões que motivaram o foco desta pesquisa, talvez um ponto importante tenha ficado menos evidente quanto a abordagem das conversações políticas: quem é esse cidadão de que falamos? O cidadão de que falamos é o cidadão que tem ao seu dispor um repertório variado de ferramentas e plataformas para se informar e discutir política, mas que nem sempre está disposto ou interessado neste assunto. Entretanto, este cidadão não é o homem das massas de Adorno e Horkheimer, alienado e passivo aos enquadramentos que os meios de comunicação lhe transmitem. O cidadão de que falamos é o cidadão que recorre a aspectos específicos do cotidiano para construir um raciocínio sobre a política, e no que ela pode lhe ser

relevante na vida pessoal e comunitária. Este cidadão, que muitas vezes é subjugado por seu “senso comum”, é o cidadão que pensa e opina sobre a política ao seu modo, nas situações em que a disputa argumentativa lhe convém. E mesmo tendo incorporado hábitos mais “midiatizados” no seu dia-a-dia, este cidadão continua se envolvendo com as questões substantivas da política, isto é, as questões do comum.

Tais pressupostos, que encaminham ao reconhecimento do Cidadão Comum, têm inspiração na ‘teoria econômica para a decisão do voto’ de Anthony Downs (1999[1957]), e se adequa à realidade do homem contemporâneo se considerarmos que a experiência da navegação na internet é um caminho autônomo, influenciado pelos custos e crenças individuais que o processamento de uma informação política requer. Ao argumentar que os cidadãos não deixam de se informar por estarem desinteressados na política, mas pela lógica do retorno individual que essa informação lhes traria, Downs admite a ideia de que “a racionalidade política é uma condição sine qua non de todas as formas de comportamento racional” (1999, p. 11). Pois, na medida em que os objetivos do indivíduo vão correspondendo aos benefícios que ele poderia atingir quando em grupo social, os custos para a racionalização da informação política são atribuídos às referências sociais específicas que coincidem com as suas expectativas. Mesmo porque, independentemente dos efeitos substantivos de determinadas políticas, seus resultados gerais, ainda que indiretos, serão indivisíveis. Esta análise teve importante contribuição para as teorias da cultura política, pois leva em consideração que muitas vezes a tomada de decisão está pautada naquilo que o indivíduo consegue minimamente apreender dos benefícios a serem alcançados caso acredite, ou não, em determinada referência.

Assim, este indivíduo se apega a determinados “atalhos cognitivos” para o julgamento do cenário político que se apresenta diante de si. A ideia de que estes ‘atalhos’ facilitam a compreensão das alternativas limitadas no processo da decisão é reapropriada por Samuel Popkin (1994), que no início dos anos 90 atribui à psicologia cognitiva das ações a explicação para o processamento das informações políticas midiáticas, considerando baixos níveis de interesse do público médio. É Popkin quem inaugura o esquema de raciocínio característico do Eleitor Razoável, a quem ele irá remeter certas substâncias inteligíveis do pensamento político, que não estão calcadas nas capacidades cognitivas puramente racionais, e que levam em consideração uma série de outros estímulos cognitivos que correspondem ao “processo de se tornar informado” (1994, p.22).

No modelo de Popkin, a racionalidade de baixa informação do cidadão razoável pressupõe instâncias de interpretação, identificação e atribuição de sentidos, que contribuem para a seleção das informações que preencherão a relação do indivíduo com a política. Tal

perspectiva confirma aquilo que John Zaller (1992) chama de “predisposições” individuais para a formação das opiniões e expressão das atitudes políticas do homem comum. Para o autor, essas predisposições resultam de variáveis intervenientes no processo de aceitação, ou não, das comunicações políticas com as quais o cidadão interage. Assim como Popkin, Zaller está interessado em como o Cidadão Comum converterá as informações políticas adquiridas num curto prazo, em referência a sua capacidade de compreender e se posicionar diante das mensagens veiculadas. As proposições de Zaller serão especialmente interessantes para as discussões que faremos mais adiante, pois preconizam algumas conexões entre o engajamento cognitivo dos cidadãos e as capacidades para formar um posicionamento político. Num extenso trabalho sobre as formas de processamento da informação política pelo cidadão razoável brasileiro, Bertha Maakaroum (2010), conseguiu sintetizar as quatro axiomáticas, elaboradas por Zaller (1992), sobre como os indivíduos respondem aos fluxos de informação a partir dos tipos de engajamentos com a temática da mensagem. Entretanto, ao passo que o autor propõe um modelo para a investigação do engajamento cognitivo através da recepção, da resistência, da acessibilidade e da resposta às mensagens (ZALLER, 1992, p.58), Maakaroum irá afirmar que esse modelo, que na verdade delineia um alto engajamento cognitivo (ou as capacidades que o pressupõem), “não é indispensável para o posicionamento político do cidadão razoável, já que outras pistas ou atalhos cognitivos variados são substitutos eficientes para [suprir] a falta de informação” necessária à compreensão da política (2010, p. 24).

Neste sentido, encontramos uma aproximação entre o homem comum das teorias de decisão do voto e o ‘cidadão comum conectado’, que, ao ter acesso às mídias e plataformas da internet, dispõe de elementos e recursos significativos para processar suas expectativas políticas, num fluxo de informações ainda mais intenso e capilarizado. A ideia de “cidadão conectado” já apareceu em outras pesquisas do campo da comunicação, relacionada às habilidades e formas de consumo da informação que caracterizariam determinados perfis de internautas. Um termo bastante conveniente ao propósito que temos aqui é o ‘internauta casual’, sugerido por Alessandra Aldé (2011; 2011a) em referência aos usuários de internet não especializados, que utilizam as ferramentas digitais com alguma frequência para se informar. Para este cidadão descrito por Aldé, a internet é uma ferramenta fundamental na circulação de informação, pois é a partir dela que este indivíduo, digamos, “mais conectado”, soma uma variedade de recursos e fontes de referência para se informar, e também participar do fluxo interativo da rede. Ao explorar os hábitos e práticas dos internautas em relação à informação política, a autora propôs uma tipologia de usuário que nos parece pertinente para pensar a participação do cidadão comum nas conversações das redes sócio virtuais.

No primeiro momento, ao diferenciar o uso rotineiro do uso especializado, ela descreve o internauta casual como aquele que busca informações facilmente acessíveis, a partir de atividades objetivas, rápidas, seja para fins profissionais ou sociais. Diferente do internauta especializado, a relação deste internauta com a informação política é mais corriqueira, tendo na internet uma opção confortável para passar o tempo livre e obter uma comunicação considerada prazerosa (2011, p. 30). Além disso, por ampliar a demanda de informações, fontes e situações de comunicação com os quais estes internautas podem lidar, o uso rotineiro da internet reforça certas especificidades e tendências na forma como agem na rede. Mesmo porque, a internet é um espaço dinâmico e por isso está propícia a diversas formas de interação e perfis de usuários, que podem ir além desta classificação mais abrangente. A partir disso, a autora propõe quatro classificações de internautas – ávidos, assíduos, trenders (ou seguidores de tendências) e frustrados – baseada nas atitudes políticas destes cidadãos na internet. Isto é, baseada em como cada tipo de usuário gerencia sua relação pessoal com a política a partir do consumo de informações e interações mediadas pela tecnologia.

Em resumo, os internautas ávidos podem ser identificados como aqueles indivíduos que são “compulsivos” por informação, sempre guiados pela vontade de estarem atualizados. Eles são motivados pela possibilidade de vasculhar e explorar várias fontes de informação, e que concretizam a expectativa teórica do leitor ativo. Estes sujeitos geralmente comparam conteúdos, usando os instrumentos da rede para investigar e diversificar quadros de referência (2011, p. 374). Já os indivíduos assíduos na busca por informação, são aqueles que mantêm um repertório frequente dos quadros de referências aos quais acessam. Diferente dos ávidos, estes indivíduos são repetitivos, fiéis às fontes de informação, embora dediquem certa frequência ao hábito. Eles acessam informações políticas, sempre que possível, mas isto é feito de maneira rápida e casual (2011, p. 377).

O terceiro perfil, os trenders, deriva do termo “consumidores de escândalos”, e diz respeito aos indivíduos cujos hábitos de informação estão relacionados ao modismo, à forte influência das tendências majoritárias e do clima de opinião (2011, p. 379). A autora ainda destaca que diferente dos outros perfis, “os trenders não consideram ‘estar informado’ um valor em si, mas um papel a cumprir em determinadas situações com as quais não se identificam, que são vistas como artificiais” (2011, p.379). Um outro tipo seria o indivíduo frustrado. Este, conforme a autora, é aquele que, mesmo superando as barreiras informacionais dos meios de comunicação de massa, tendem a apresentar uma atitude de desconfiança generalizada com relação à internet. Eles demostram ceticismo em relação às fontes de informação, sobretudo

informação política, e costumam se apropriar de enquadramentos mais pessimistas quando em contato com a informação (2011, p. 383).

Esta terminologia é inspirada em pesquisas anteriores da autora, que desde 2001, em ‘A Construção da Política’, investiga como os cidadãos constroem explicações estruturais sobre a política a partir de situações de comunicação e enquadramentos da mídia. E mesmo que a categorização contribua para o aprofundamento das estratégias utilizadas por cada tipo de internauta, nos interessa focar, no primeiro momento, na perspectiva mais abrangente do cidadão comum, já que desde a última abordagem realizada pela autora algumas coisas parecem ter mudado na postura do ‘internauta casual’ em relação à informação política. Na internet, e, sobretudo, nas redes sociais, as ferramentas de controle da informação têm colocado o cidadão comum à prova da sua capacidade de administrar a circulação e a visibilidade da informação, evidenciando uma nova postura, mais ativa e, de certo modo, mais autônoma, em relação as esferas de representação política.

Considerando a possibilidade de administrarmos a visibilidade das ações e dos tipos de conteúdo aos quais temos acesso, entendemos que as experiências na internet sofrem constantes análises e demarcações de lugares, onde podemos escolher o que queremos ver e o que permitimos ser visto. Neste sentido, o que está em questão são os fatores que direcionam a administração da visibilidade, quando a manifestação da opinião é o objeto das interações sociais. Seria possível, então, identificar quais as relações existentes entre os hábitos de informação e a manifestação de opinião nos ambientes (e lugares) digitais?

Não consideramos, neste primeiro momento, os debates que se formam a partir da manifestação da opinião. Pois, se admitíssemos que as esferas de debates são constituídas por disputas que envolvem as complexidades dos indivíduos e suas realidades, conforme defendem Hindman (2009) e Gomes (2007), seria possível afirmar que os níveis de informação influenciaram menos a formação da opinião política do que a necessidade de afirmação do posicionamento político? Afinal, que fatores são considerados pelos indivíduos ao manifestarem uma opinião sobre política na internet? E como estes aspectos podem ser trabalhados no procedimento da investigação empírica? Na próxima seção veremos como se deram as etapas de elaboração da pesquisa da pesquisa de campo.

1.3.1 A comunicação do Cidadão Comum: seleção de entrevistados e expectativas da pesquisa

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 37-43)