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CAPÍTULO 4 A FALA FLUTUANTE

A) Conversa com Martin Grignaschi (transcrição)

Martin: O filme é um filme complexo para filmar, porque é uma história em um road movie, é uma história que se filma ao longo da estrada, em viagem, em uma viagem quase linear desde Buenos Aires até Misiones, até a fronteira com o Brasil. E a complexidade do filme é que além da complexidade que tem para filmar nessas condições de estrada, de caminhonetes, são muitos personagens e isso requer uma certa complexidade para captar som direto. O filme foi rodado e gravado com multicanal, e quanto não tínhamos os gravadores digitais de disco rígido (HD), ou seja, era uma transição de técnica e não tínhamos nesse momento como tenho hoje em dia pra gravar um disco rígido como o Sound Devices de oito canais, ou doze canais. Nesse momento era uma transição do DAT, que era de dois canais, para uma gravação multipista que no entanto não estava no mercado como algo possível e utilizamos um multipista gravador de Tascam de fita, DA88. Nós compramos para esse filme essa máquina e adaptamos essa máquina para poder utilizá-la no som direto. Esse equipamento não é para uso de som direto nativo, não é um equipamento portátil para rodar, então adaptamos às condições de rodagem para poder ter oito canais diferenciados para cada um dos personagens. Poder utilizar sistemas sem fio para cada personagem e também a possibilidade de dois booms... Bom, foi um desafio porque era algo complexo para fazer. Ao mesmo tempo utilizamos de gravadores DAT de dois canais para ter também cobertura e backup de captação. É um filme que tem cenas em cima de cavalos, com personagens na água, situações muito portáteis, então também utilizamos o DAT. Foi filmado com uma câmera pequena, uma Atom mínima, que era uma câmera muito pequena que permitia muita liberdade de movimentos, de ação. Um filme muito completo de rodar e muito difícil também para a direção, não? E uma das propostas para gravar o som foi tratar de ter, por um lado, a possibilidade que os personagens fiquem em tracks separadas e o estilo de atuação é muito improvisado, no sentido de que os atores podem ter variações em cada cena, podem ter cenas onde temos oito personagens, cinco personagens discutindo, interagindo... é uma rodagem que necessita muita atenção e muita experiência para poder compreender que o que vão fazer os atores e o que vai fazer o diretor em cada momento. A equipe de som direto era formado por um técnico de som (sonidista) e dois microfonistas. Acredito que isso é um resumo básico.

Debora: Nas cenas com muitos personagens, então, vocês gravaram de uma vez, em canais diferentes?

M: Sim, tem cenas que falam todos ao mesmo tempo e, sim, estão gravados multipistas com vários lapelas e dois booms também.

M: Não, não. Também. Vou dizer que foi quase praticamente, o diretor, Pablo Trapero, me pediu para construir quase uma história paralela com vozes em off. Tem uma gravação constante de vozes em off de todos os personagens inventados depois, em pós-produção, como um roteiro paralelo de vozes para que o filme tomasse mais dimensão. E isso foi também uma reconstrução de uma quantidade de vozes que se adicionaram na pós- produção. Que não tem a ver só com o sinc., mas sim com o fora de campo.

D: A ideia era criar a atmosfera dali, certo?

M: Sim, uma atmosfera e uma sensação de movimento dos personagens, de que a ação se passa na imagem, mas também os atores se movem e tem participação fora da imagem também.

D: Teve mais alguma orientação, algo mais sobre as vozes especificamente, que foi pensado, criado ou algo que o diretor passou com relação às vozes e aos personagens em si?

M: Basicamente, bom, por um lado foi essa construção de vozes extra som direto, que foi muito importante, e a outra tem a ver também com o uso de certas reverberações e certos delays que foram utilizados nos exteriores. O filme tem muito exterior e também tem alguns interiores que são muito particulares como a casinha rodante, a van, onde viajam; o banheiro da van... e os interiores como os museus. E isso necessitava também de um trabalho de reverberação. Isso foi também um assunto que foi muito cuidado.

D: Numa palestra do Pablo Trapero, ele disse que na construção do roteiro, os diálogos são mais sobre os personagens do que sobre o que está acontecendo. Você tem alguma observação sobre isso, sobre como isso para a gravação fez alguma diferença?

M: Acho que não. O técnico de som está muito concentrado em fazer na cena a captação da melhor maneira, de uma maneira técnica. Mas, ao mesmo tempo, pode estar atento em gravar coisas adicionais aos diálogos e também, que é algo muito importante são os ambientes e efeitos que precisariam para o filme e que foi muito importante gravar. Mas é verdade que os diálogos do filme são situações dos personagens, sinto isso também. O pai com o filho, o filho com a mãe são situações de personagens e diálogos dessas situações. D: Sobre as músicas, você participou da escolha das músicas, como foi?

M: Sobre as músicas, foram marcadas na edição de imagem pelo Pablo. Pablo é alguém que gosta de fazer a busca musical. Com um autor que tocava harmônica, pedidos algumas músicas ao León Gieco. León gravou as músicas e nesse sentido eu participei na coordenação, no aspecto técnico para receber o material e também editamos um pouco essas músicas em pós-produção. Mas o Pablo é alguém que gosta de buscar autores que já

tem temas gravados ou então, eventualmente, solicita que gravem algumas músicas. Mas Pablo gosta de trabalhar na edição já com algumas músicas.

D: As músicas do León são originais para o filme?

M: Acho que sim. Eu lembro de ter gravado algumas coisas com León no estúdio.

D: Procurei as músicas pela internet e encontrei quase todas, menos as de um compositor que o sobrenome é Sosa. As músicas dele já existiam, eram pro filme, como foi?

M: As músicas dele já existiam. As primeiras músicas que são de harmônica, é uma seleção que o Pablo fez com o editor.

D: Na viagem, de Buenos Aires a Misiones, tem alguns personagens da região, que não são os personagens da família. Eles são locais, são personagens? Minha pergunta é por conta dos sotaques de cada região, se tem uma diferenciação forte, se pra Argentina isso faz alguma diferença.

M: Na Argentina cada região tem uma diferença muito marcada, muito forte. No filme em alguns momentos você percebe alguma coisa, mas principalmente o filme, os diálogos são sempre os da família. Só em alguns momentos tem o som de outra região, mas quando falam de outras pessoas, sim, esse som diferente é perceptível, mas sutil. Me lembro de quando ele vai ao mecânico arrumar o motor, disso, dos policiais. Há uma possibilidade de identificar a região.

D: Isso foi uma preocupação, essa diferenciação dos sotaques?

M: Pablo gosta muito de ter, ou gostava numa época, de ter personagens reais, por assim dizer, do lugar, então acho que essas pessoas, esses atores são dos lugares, são selecionados, então acho que sim, tem uma intenção.

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