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I. INTRODUÇÃO

1.3. Valores Essenciais para uma Educação Moral na Escola

1.3.4. Convivência democrática

Um dos objetivos fundamentais da educação é fazer com que o indivíduo participe das comunicações humanas (Brasil, 1998b). A educação moral necessita de um ambiente permeado pelo diálogo para que possa acontecer adequadamente. O diálogo é a única postura capaz de dar conta do processo formativo dos valores (Goergen, 2014). Por ser mediador das relações humanas, permite trocas entre os indivíduos, contribuindo inclusive para a resolução de desavenças de forma não violenta (Vinha & Tognetta, 2009). Para que o diálogo seja proveitoso, os interlocutores precisam se expressar de maneira clara — o que pressupõe a clareza de suas próprias convicções — e ser capazes de entender diferentes pontos de vista. Relações fundamentadas no diálogo promovem a autonomia, visto que estimulam a capacidade de pensar sem a coerção de uma autoridade inquestionável.

O diálogo, entretanto, não é um valor, mas sim o instrumento para o estabelecimento da convivência democrática (Brasil, 1998b; Marques et al., 2017; Tavares, Menin et al., 2016). Conviver democraticamente significa participar ativamente de escolhas e decisões que impactam a vida social coletiva (Tavares & Menin, 2015). Consiste em incentivar desde a discussão até a elaboração das regras. Uma pessoa democrática estimula a participação ativa de todos e repudia soluções tomadas de forma autoritária e violenta. Em ambiente democrático, é necessário haver coordenação entre as próprias ações e as dos outros, através de trabalhos em grupo, com o objetivo de alcançar benefícios comuns e coletivos. Ao se conviver de forma democrática em sociedade, estabelecem-se relações interpessoais entre seus membros,

configurando-se processos de comunicação, sentimentos, valores, atitudes, papéis, status e poder (Vinha, Nunes, Silva, Vivaldi, & Moro, 2017). Segundo Piaget (1934/1998), a democracia se opõe ao que ele chama de gerontocracia – ou seja, governo dos mais velhos – e repousa na autonomia dos envolvidos. A essência da convivência democrática consiste em “substituir o respeito unilateral da autoridade pelo respeito mútuo das vontades autônomas” (Piaget, 1932/1994, p. 270). É papel da educação permitir que essa substituição aconteça, possibilitando que os indivíduos adquiram a capacidade de resolver suas desavenças através do diálogo em vez de precisarem se utilizar do autoritarismo.

Conforme Vinha, Nunes, e Moro (2019), “por ser um local de convívio com a diversidade e de aprendizagem da vivência no espaço público, a instituição escolar é local ideal para que as práticas democráticas ocorram” (p. 150-151). Uma educação promotora de autonomia tem como pressuposto a participação democrática de todos os setores da instituição (Vinha et al., 2016). O fomento da democracia possibilita o estabelecimento de um clima escolar positivo. A principal característica da escola democrática é o foco na qualidade das relações entre os agentes da instituição escolar (Brasil, 1998b). Além do estabelecimento de melhores relacionamentos interpessoais, a democracia contribui para o aperfeiçoamento da qualidade no processo de aprendizagem, o incentivo ao senso de justiça e a obtenção de uma sensação de pertencimento à escola. Um estudo (Vinha, 2003; Vinha & Tognetta, 2006) realizado, em duas cidades do interior paulista, com duas professoras do Ensino Fundamental, teve o objetivo de verificar se o ambiente escolar influencia a maneira como os alunos se relacionam e resolvem seus conflitos interpessoais. Uma das docentes proporcionava um ambiente autocrático – isto é, com práticas essencialmente coercitivas – e a outra um mais democrático. Evidenciou-se que ambas as professoras tinham como meta a formação de indivíduos autônomos. Entretanto, os procedimentos utilizados nas classes autocráticas favoreceram a manutenção da heteronomia entre os alunos, enquanto que, nas democráticas, eles contribuíram efetivamente para o desenvolvimento da autonomia. A professora que construiu o ambiente democrático possibilitou a apropriação de normas por meio da reflexão, discussão e ação, permitindo que os alunos percebessem as consequências naturais provenientes de suas atitudes.

Pesquisadores brasileiros (e.g., Bijega, 2019; Teixeira, Vilasbôas, & Paim, 2018) têm apontado o enfraquecimento das instituições democráticas do país. As crises econômica, política e ética contribuíram para o reaparecimento de lideranças que defendem o autoritarismo, a violência, a segregação e o ódio. A jovem democracia brasileira, a qual foi conquistada após 21 anos de regime autoritário, encontra-se novamente ameaçada. Mesmo dentro das escolas, é possível perceber o aumento dos problemas de convivência, como a indisciplina, a violência, a

desobediência às normas, etc. (Vinha et al., 2017). Um estudo (Abramovay, Castro Silva, & Cerqueira, 2016) realizado, em sete capitais brasileiras (Belém – PA, Fortaleza – CE, Maceió – AL, São Luiz – MA, Belo Horizonte – MG, Vitória – ES e Salvador – BA), com estudantes do Ensino Básico, evidenciou que a maioria dos alunos relatou já ter presenciado algum tipo de violência na escola. Agressões normalmente ocorrem no pátio e na própria sala de aula. A convivência tem se tornado bastante difícil em alguns casos, havendo pouco incentivo para a tomada de decisão coletiva e para o respeito à diversidade. Na atual conjuntura do país, tem- se tornado cada vez mais necessário o estímulo à democracia, não apenas nas escolas, mas em todos os ambientes em que haja convivência entre diferentes indivíduos.

O incentivo à democracia na escola, assim como à justiça, ao respeito e à solidariedade, é essencial para o desenvolvimento moral dos alunos (Brasil, 1998a, 1998b). Os professores têm grande importância nesse processo, uma vez que suas concepções e intervenções apresentam consequências expressivas para a construção de valores e regras dos estudantes (Tognetta & Vinha, 2007). Além disso,

o juízo moral do professor e o ambiente sociomoral da sala de aula, são fatores que influenciam diretamente [o desenvolvimento dos valores dos estudantes]. Professores construtivistas e que apresentam nível de julgamento moral mais elevado, têm grandes possibilidades de propiciar um ambiente escolar mais cooperativo. Porém, o contrário acontece, professores com nível de julgamento moral inferior, favorecem ambientes menos cooperativos (Borges & Martins, 2015, p. 9).

Conforme Tavares et al. (2015) “a ação pedagógica realizada pelo professor estará relacionada às suas convicções e à maneira pela qual ele adere aos valores morais” (p. 12). Por exemplo, “os adolescentes que veem os professores como eficazes e justos na resolução de conflitos são [...] menos propensos a considerar a agressão física como uma resposta aceitável” (Marques et al., 2017, p. 67). Parece, então, ser importante entender melhor os valores dos professores para abordar o tema da educação moral. Pesquisas (e.g., Tavares & Menin, 2015; Tavares, Menin et al., 2016), realizadas no estado de São Paulo, trataram da adesão de professores à justiça, ao respeito, à solidariedade e à convivência democrática. A seguir, serão abordados a definição de adesão a valores, bem como estudos realizados sobre o tema.