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I. INTRODUÇÃO

1.3. Valores Essenciais para uma Educação Moral na Escola

1.3.1. Justiça

A justiça é central para a formação em valores (Goergen, 2007). Ela é considerada por diversos autores (e.g., Aristóteles, trans, 2014; Kohlberg, 1992; Piaget, 1932/1994) como essencial para a vida moral. A partir desse valor, é possível se delinear uma sociedade mais democrática, equilibrada e igualitária para todos. Funciona como uma espécie de regulador moral para todos os outros valores (Tognetta & Menin, 2017). Por exemplo, se uma pessoa for honesta, mas essa honestidade só valer para sua família, não se pode dizer que ela está sendo realmente justa, logo, sua honestidade também pode ser questionada.

A justiça é bastante estudada na Psicologia (Dellazzana-Zanon, Bordini, Sperb, & Freitas, 2013; La Taille, 2006a; Oliveira et al., 2010). Piaget (1932/1994), em suas pesquisas, abordou diferentes aspectos da justiça. Um aspecto importante foram as relações estabelecidas entre um ato considerado como infração e as consequências do mesmo. A isso, o autor deu o

nome de justiça retributiva. No desenvolvimento infantil, a primeira noção de justiça retributiva a surgir é a ideia de sanção expiatória, a qual se define por ser arbitrária e não guardar nenhuma relação entre o conteúdo da sanção e a natureza do ato sancionado. Um exemplo seria colocar uma criança de castigo – sem assistir à televisão – por ela ter sujado a cozinha. Não há relação alguma entre a infração cometida (sujar a cozinha) e punição aplicada (ficar sem assistir à televisão). O objetivo do castigo não é reparar o dano causado, mas apenas restabelecer a obediência à autoridade. A segunda noção é a de sanção por reciprocidade, a qual se relaciona a regras de igualdade e guarda relação de conteúdo e de natureza entre a falta e a punição. Considerando-se o mesmo caso do exemplo anterior, uma ilustração seria mandar a criança limpar a cozinha. Permite-se, assim, que haja uma restituição do dano causado.

Piaget (1932/1994) investigou também a justiça distributiva, definida pelas noções de igualdade ou equidade. Em uma noção mais elementar desse valor, a distribuição mais justa é aquela que está de acordo com as determinações das figuras de autoridade. O que os pais e os professores, por exemplo, consideram como igualitário é também o que a criança entende como justo. Com a evolução dessa noção, a justiça passa a se referir à distribuição de bens em partes exatamente iguais, garantindo que ninguém seja prejudicado. Entende-se, então, que a igualdade é algo puramente matemático. Divisões justas são aquelas em que todos os envolvidos recebem a mesma quantidade, independentemente de suas necessidades. A última fase de desenvolvimento da justiça distributiva refere-se ao princípio equitativo de distribuição. O justo consiste em dividir os bens baseando-se nas condições e características individuais de quem vai recebê-los. Em vez de realizar distribuições matematicamente iguais, consideram-se as peculiaridades dos sujeitos envolvidos e da situação. Por exemplo, em uma divisão de comida, o justo não é mais dar a mesma quantidade de alimento para cada pessoa, mas distribuir uma maior quantidade para aqueles que estão com fome e menor para aqueles que acabaram de se alimentar.

Menin e Bataglia (2017) afirmam que a justiça também possui um aspecto contratual. O estabelecimento de contratos entre as pessoas funciona como uma regulamentação dos interesses, buscando o bem comum. A justiça contratual consiste em garantir que as condições dos contratos sejam boas para os envolvidos, resultando em combinações justas. Todas as partes precisam ter condutas idôneas e obter a satisfação almejada. Um bom acordo relaciona- se com a justiça retributiva – por prever sanções no caso de descumprimento – e a distributiva – por buscar preservar as condições de igualdade e equidade. É necessário, então, que haja uma consideração recíproca dos pontos de vista, não apenas das partes envolvidas, mas também de outras pessoas que possam vir a precisar de contratos semelhantes. O estabelecimento de acordos não ocorre apenas na idade adulta. Ainda na infância, iniciam-se o estabelecimento de

contratos entre as crianças, principalmente para regulamentar alguns jogos de regras, como, por exemplo, o de bolinha de gude (Piaget, 1932/1994).

Propiciar um espaço para que os indivíduos construam as noções de justiça é essencial para o desenvolvimento. Pesquisas (Couto & Alencar, 2015, 2017; Couto et al., 2015, 2017; Müller, 2008) realizadas, em Vitória – ES, com professores do Ensino Fundamental, evidenciaram que os próprios docentes consideram que a justiça é um valor importante a ser ensinado. Para eles, esse valor tem a capacidade de organizar a sociedade e, inclusive, solucionar problemas de ordem moral. Além disso, a justiça pode tornar os alunos pessoas melhores, com maior capacidade crítica e de melhor caráter. Esse valor é fundamental para o dia-a-dia e para o futuro, ajudando o indivíduo a ter boas maneiras e distinguir o que é certo e errado. Discutir sobre justiça significa tratar do tema da igualdade e, ao mesmo tempo, abordar questões de injustiça social. Um estudo (D’Aurea-Tardeli, Fittipaldi, Postal, & Reis, 2012) realizado, em São Paulo – SP, com alunos do Ensino Médio, demonstrou que os próprios estudantes também valorizam a justiça. Por viverem em um mundo injusto e temerem ser injustiçados, eles consideram que a justiça auxilia a resolver conflitos interpessoais e a combater a violência.

No Brasil, existem injustiças de diversos tipos, entre elas questões de desigualdade social, racial e sexual (Madeira & Gomes, 2018). Por exemplo, em 2009, o rendimento médio de mulheres negras era equivalente a 40% dos homens brancos, enquanto que o de mulheres brancas equivalia a 68% (Organização das Nações Unidas, 2011). Em 2014, morreram 2,4 vezes mais negros do que pessoas com outras cores de pele (Brasil, 2016). As instituições democráticas brasileiras parecem não funcionar como deveriam para as populações de baixa renda, negros, mulheres e jovens (Chabaneau & Rivero, 2018). A educação para a justiça, então, é importante por possibilitar que as pessoas compreendam e lidem com as diferenças sociais do mundo (Bullough, 2019). Tratar de questões como a igualdade e a equidade é fundamental para preparar os indivíduos para ter uma participação ativa na sociedade (Villegas, 2007; Williams, Edwards, Kuhel, & Lim, 2016).