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CAPÍTULO III – A EVOLUÇÃO IDENTITÁRIA DA ÁREA JAI: INTERNACIONALIZAÇÃO,

5. A VERTENTE TRANSATLÂNTICA DA DE-JAI

5.2. Cooperação transatlântica na área da segurança interna

A incipiência da cooperação transatlântica no domínio da segurança interna até Setembro de 2001 deve-se a duas ordens fundamentais de razões: por um lado, o facto de estas competências não se encontrarem comunitarizadas e serem largamente prosseguidas a um nível exclusivamente doméstico (as experiências dos Estados europeus em matéria de terrorismo revestiam natureza nacional e a renitência em cooperar em matérias que relevavam do núcleo de soberania não favoreceu o investimento em estruturas interestaduais); por outro, uma distinta percepção das ameaças em ambos os lados do Atlântico assente em experiências diferenciadas do fenómeno terrorista. O facto de, na Europa, o terrorismo ser concebido como problema doméstico com raízes e motivações diferenciadas e gerido através de políticas internas com metodologias e prioridades diversas explicam, assim, quer as resistências dos Estados-membros em cooperarem nesta área, quer o contraste entre uma abordagem europeia e uma abordagem americana do terrorismo.

Ao longo da década de 2000, a cooperação transatlântica em matéria de segurança interna progride com "a adaptação do modelo de segurança interna europeu - originalmente construído para responder aos desafios do crime internacional e da imigração ilegal - à ameaça do terrorismo internacional" (Rees 2006:79). O Plano de Acção adoptado no Conselho Extraordinário de 21 de Setembro de 200138 define

38 Conclusões e Plano de Acção do Conselho Extraordinário Europeu de 21 de Setembro de 2001 disponíveis em: http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ec/140.en.pdf (acedido em 20/07/12).

originalmente as prioridades da UE no combate ao terrorismo, operacionalizadas num primeiro "Roteiro" de Outubro de 2001 que enunciava sessenta recomendações. Concretizando o "apoio total"39 manifestado pela UE aos EUA, a cooperação transatlântica é organizada num quinteto fundamental de matérias: cooperação policial e aplicação da lei; cooperação judiciária; troca de informações; cooperação transfronteiriça e segurança de transportes, e financiamento do terrorismo (Rees 2006: 79 ss).

No âmbito da cooperação policial e de aplicação da lei, a relação desenvolvida com agências especializadas como a Europol ou a Eurojust assume relevo. O 11 de Setembro funcionou, também aqui, como catalisador: a cooperação Europol-EUA - não prioritária até então, apesar do vincado interesse dos EUA (Rees 2006: 81) - ascende ao topo da agenda europeia, com a conclusão de um acordo de cooperação estratégica logo em 2001, precedendo os acordos que ulteriormente haveriam de ser negociados no âmbito da UE ou da Eurojust . Este primeiro instrumento é acompanhado da negociação de dois outros, em 2001 e 2002, que verdadeiramente contemplam a troca de informações e o acesso a bases de dados. Todavia, o sucesso aparente desta cooperação é mitigado por três factores (Rees 2006:84): os escassos recursos e a esparsa experiência da Europol em matéria de terrorismo; as dúvidas americanas em relação à credibilidade dos novos Estados-membros da Europa de Leste, e limitações decorrentes do próprio processo de construção europeia, com a UE a rejeitar prosseguir com os EUA de forma mais rápida do que a alcançada no âmbito da cooperação interna.

Em matéria de cooperação judiciária penal, a dimensão externa do terceiro pilar é aprofundada com a negociação de acordos de auxílio judiciário mútuo e extradição; paralelamente, muitos dos incremento experimentados na dimensão interna, como a negociação da Decisão-quadro sobre Terrorismo40, o Mandado de Detenção Europeu41 ou a criação da Eurojust são parcialmente impulsionados pelos EUA. Embora globalmente positivos no seus resultados, todos os processos negociais neste sector

39 A atitude de franca abertura da UE manifestada nesta fase inicial é visível, por exemplo na admissão da assistência de representantes americanos em certos grupos de trabalho dedicados ao terrorismo, como o COTER, no âmbito da Política Externa de Segurança e Defesa ou do Grupo de Trabalho do Terrorismo, do Terceiro Pilar.

40 Decisão-quadro 2002/475/JAI de 13 de Junho de 2002 sobre combate ao terrorismo (alterada pela Decisão-quadro 2008/919/JAI de 28 de Novembro de 2008).

41 Decisão-quadro do Conselho 2002/584/JAI de 13 de Junho de 2002 relativa ao Mandado de Detenção Europeu e procedimentos de entrega entre Estados-membros.

apresentam um padrão relacional semelhante: enquanto a morosidade da União Europeia na implementação dos instrumentos internos e ratificação dos acordos internacionais (por via da invocação de procedimentos nacionais dos Estados-membros) exasperam o interlocutor americano, o lado europeu é dominado pelo sentimento de estar a ser excessivamente orientado pelas pretensões americanas.

O terceiro bloco temático da cooperação transatlântica diz respeito à troca de informações entre agências de aplicação da lei e inteligência. Embora historicamente os EUA tenham favorecido os canais bilaterais de cooperação, privilegiando aliados como o Reino Unido, a França ou a Alemanha, a luta contra o terrorismo exige, paradoxalmente, uma partilha de informações que transcende o modelo tradicional das relações bilaterais (Rees 2006:90). Este é um dos aspectos salientados no Relatório da Comissão do 11 de Setembro, que concebe a partilha de informação com os aliados como forma de melhorar uma recolha de informação até então altamente compartimentada.

A cooperação é ainda intensificada no âmbito do controlo de fronteiras como subproduto da evolução de políticas internas dos EUA. Com efeito, esta é uma das áreas onde a permeabilidade da UE à influência americana é mais notória (Pawlak 2009). A introdução, pela administração Bush, do conceito de “smart borders” (White House: 2002) tendo por base a consideração de que a “fronteira do futuro tem de integrar acções no estrangeiro para rastrear pessoas e bens antes da sua chegada a território americano” (Casa Branca 2002) ocasiona reformas profundas na arquitectura do sistema de imigração dos EUA. A criação do 'United States Visitor and Immigrant Status Indicator Technology' (US VISIT42) e a implementação da rede E-TESTA, determinam, em consequência, a externalização de medidas securitárias de que são exemplo a presença de 'sky marshals' armados em voos transatlânticos, os condicionalismos na segurança de contentores de transporte destinados aos EUA

42 O United States Visitor and Immigrant Status Indicator Technology Program (US-VISIT) do DHS é um sistema de gestão de imigração e fronteiras assente na constituição de uma base de dados em relação à qual são conduzidas verificações automatizadas da informação pessoal, incluindo biométrica, de indivíduos que pretendem viajar para os EUA.

decorrentes do US Container Security Iniciative43 ou a adopção obrigatória de passaportes com identificadores biométricos44.

O último bloco temático de cooperação transatlântica na área da segurança interna, relativo ao financiamento do terrorismo, também não é isento de dificuldades. A cooperação transatlântica vem sendo concretizada não apenas a nível bilateral, mas também através da concertação em fora como as Nações Unidas ou o Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) e, no plano da troca de informações, sobretudo através do acesso a dados sobre transacções financeiras no contexto do Programa de Rastreio ao Financiamento do Terrorismo (TFTP), que analisaremos mais adiante.